A musicalidade estava lá de origem, bastou juntar o som de instrumentos musicais aos poemas de António Aleixo, a voz e o virtuosismo de «Afonso Dias e a Sopa dos Pobres» e gravar o CD «Fado Aleixo».
O novo trabalho de Afonso Dias, «totalmente feito no Algarve», já foi apresentado e está à venda, ainda que fora dos circuitos comerciais normais.
Lançado a 16 de fevereiro no Café Calcinha, em Loulé, um local muito frequentado pelo poeta algarvio, onde até tem uma estátua à porta, o CD «Fado Aleixo» pretende, acima de tudo, resgatar a memória da obra de António Aleixo e elevá-la ao nível de outros grandes autores portugueses.
Para Afonso Dias, o projeto que agora tornou realidade era já um desejo antigo. Uma vontade assente em duas razões principais: o facto de «a poesia do Aleixo ser muitíssimo musical e muitíssimo atual» e de António Aleixo ser, na opinião do músico, erroneamente colocado no grupo de poetas populares.
«A poesia de António Aleixo tem uma construção primorosa em redondilha maior e está a pedir música. Ou, se quisermos, já traz música consigo», ilustrou.
Quanto à «extrema atualidade» dos poemas, Afonso dias considera que Aleixo «era um analista e um observador brilhante da sociedade e as coisas que escreveu nos anos 40 do século XX são hoje completamente atuais».
«Por outro lado, sempre achei que António Aleixo é muito injustamente agrupado no conjunto dos chamados poetas populares. Ele não tem nada a ver com isso, não era um versejador. É um poeta grande, um filósofo e um artista superior», considerou Afonso Dias.
Restava escolher o género musical a usar para musicar os poemas e o Fado mostrou ser o mais pertinente, principalmente depois de Afonso Dias ter percebido que António Aleixo «tocava guitarra portuguesa».
«Eu cheguei à conclusão que o Aleixo cantaria Fado, uma vez que sabemos que ele cantava pelas feiras e noutros locais para ajudar a vender os seus folhetos, pois tinha de sustentar uma família numerosa e muito pobre. Aqui há meses atrás descobri, até através de documentação fotográfica, que ele tocava guitarra portuguesa. Não sei se tocava bem, mas acompanhava-se à guitarra», contou.
Depois de já ter passado em Faro, no Clube Farense, em Vila Franca de Xira e Setúbal, Afonso Dias vai continuar a apresentar «Fado Aleixo» noutras localidades. «Temos espetáculos apalavrados para vários locais. São Brás de Alportel, Lagoa e Castro Verde estão já certos e haverá outros», revelou.
Estes três municípios, bem como o de Loulé, que acolheu o lançamento, são apoiantes do disco, à semelhança da Direção Regional de Cultura do Algarve. E foi através da responsável por esta última entidade, Dália Paulo, que Afonso Dias conseguiu levar um pouco mais longe a missão de colocar António Aleixo num patamar mais elevado da cultura portuguesa e algarvia.
«Sempre quis que a Universidade do Algarve se envolvesse nisto, não à volta do CD, mas do Aleixo.», disse. Uma ideia que foi bem aceite pela universidade, através do professor Dias Marques.
«No dia 16 de novembro, a data da morte de António Aleixo, haverá uma conferência seguida de concerto no Cine-Teatro de Loulé. Das intervenções, far-se-á uma pequena edição, um opúsculo evocativo desta memória do Aleixo, mas como peça académica», disse.
Afonso Dias afastou-se das grandes lojas
«Fado Aleixo» não estará à venda nas grandes lojas de discos e livros, que Afonso Dias considera que «não se preocupam minimamente» em promover o trabalho de artistas menos conhecidos, mas poderá ser adquirido em locais selecionados.
As papelarias Aleixo, em Loulé e Quarteira, dos descendentes do poeta, são escolhas naturais, e, apesar de ainda não estar à venda em Faro, «em breve deve estar disponível na Leya no Pátio, no Pátio de Letras».
O cantautor espera ainda encontrar parceiros noutros pontos do Algarve, mas sempre com características semelhantes aos locais que já escolheu.
Também se pode adquirir o disco em qualquer concerto de Afonso Dias ou junto da associação cultural Bons Ofícios, com sede no Pechão, Olhão, que edita o CD, que pode ser contactada através dos telefones 289 721 003, 919 748 512 e 919 133 910.
Para já, os resultados desta estratégia «têm sido muito interessantes», confessou Afonso Dias com um sorriso, ainda que prefira não adiantar valores.
Juntaram-se companheiros de várias lutas
Para editar este disco, o cantautor e multifacetado artista Afonso Dias (é também ator e declamador de poemas, entre outros) contou com a ajuda de músicos que o vêm acompanhando nas suas aventuras musicais e não só.
Adriano St. Aubyn voltou a ter um papel de destaque, como já havia acontecido com o disco «Treze» de Afonso Dias, não só devido ao seu contributo como pianista, mas também ao chamar a si a tarefa da direção musical e masterização do disco.
Tratando-se de um disco de Fado, Afonso Dias apostou em Ricardo Martins para tocar a guitarra portuguesa, jovem músico algarvio a quem o mentor do projeto não poupa elogios, colocando-o «entre os 20 melhores guitarristas» portugueses. Joaquim Moita, no Fagote e Marinela St. Aubyn, no acordeão, completam o grupo.
Na voz, apesar das músicas serem cantadas por Afonso Dias, o disco conta com a colaboração de Teresa Viola, em três músicas, e de Tânia Silva, em duas.