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O crânio da Aroeira 3, descoberto em 2013 na gruta com o mesmo nome no complexo arqueológico do Almonda, em Torres Novas, é, sem dúvida, uma das grandes descobertas paleoantropológicas feitas em território português. Com 400 mil anos, é o fóssil mais antigo alguma vez descoberto em Portugal.

O achado é da autoria da equipa liderada pelo arqueólogo João Zilhão, que coordena a investigação agora publicada.

As grandes descobertas no nosso território, apesar de expectáveis, têm tardado. O crânio da Aroeira confirma a expectativa e o potencial de alguns locais e prova que os hominídeos andaram obviamente por aqui ao mesmo tempo que andavam no resto da Península Ibérica.

O crânio é também o fóssil do Plistocénico Médio mais ocidental da Europa e um dos poucos diretamente associado a indústria acheulense (utensílios bífaces de pedra).

A datação é muito sólida, ao contrário da grande maioria dos fósseis europeus deste período que são caraterizados, geralmente, por datações e contextos pouco precisos.

Além de estar associado a restos faunísticos abundantes, está também ligado com ossos queimados, o que deixa supor que pudesse utilizar o fogo.

Com esta descoberta, pode-se afirmar que a expansão dos homínideos, da indústria lítica e, provavelmente, do fogo para o extremo mais ocidental da Europa, aconteceu rapidamente.

Morfologicamente não é um Neandertal típico. O artigo publicado na Proceedings of National Academy of Sciences analisa detalhadamente as porções cranianas que estão preservadas e faz comparações com outros fósseis. O crânio é incompleto, tem alterações postmortem (uma delas feita na altura da sua descoberta) e foi sujeito a um processo de reconstrução.

Está bem datado e de um período que é muito provavelmente duma divergência importante: uma linha terá dado origem aos Neandertais e a outra aos homens modernos. Mas este crânio não pode responder a questões chave e não se pode dizer, taxativamente, se estava ou não na origem do Neandertal.

 

Reconstituição virtual em 3D

São conhecidos vários fósseis europeus com uma datação próxima da do Aroeira3, o que permite fazer comparações morfológicas. Tudo indica que, nesta altura, há cerca de 400 mil anos, havia alguma diversidade morfológica e que a evolução era em mosaico, isto é, nem todas as carateristicas evoluíam ao mesmo ritmo.

Há, pelo menos, três tipos de morfologias cranianas, o que não significa necessariamente que fossem três espécies diferentes. Na Alemanha (Bilzingsleben e Steinheim), em Espanha (Sima de los Huesos, Atapuerca), na Grécia (Petralona) e em Itália (Ceprano), há crânios ou porções cranianas coevas.

Talvez o mais próximo de Aroeira 3 seja o fóssil B1 de Bilzingsleben, mas o crânio agora descoberto tem uma combinação morfológica que parece única. Creio que o facto de estar incompleto não permite saber se efetivamente essa combinação era assim tão única.

A datação deste achado é muito relevante, porque remete para a problemática da origem dos Neandertais, que nasceram na Europa. No entanto, ainda não se sabe quem foram exatamente os seus ancestrais diretos.

As análises paleogenéticas têm lançado novos dados sobre este debate, apontando para uma origem mais recuada dos Neandertais, provavelmente há cerca de 350-400 mil anos. Nesse caso, fósseis como os da Sima de los Huesos, Atapuerca, o maior tesouro fóssil do Mundo do Pleistoceno Médio, podem até ser considerados como membros deste clado.

Pessoalmente, acho que é uma questão de tempo para que a equipa de Atapuerca proponha uma nova espécie (mais uma) para os fósseis da Sima de Los Huesos.

O crânio de Aroeira, juntamente com o esqueleto infantil Lagar Velho 1 (1998, Vale do Lapedo), são as descobertas paleoantropológicas mais importantes alguma vez feitas em território português. As duas estão associadas ao arqueólogo português João Zilhão.

O menino do Lapedo está datado de há pouco menos de 30 mil anos, do Paleolítico Superior, e continua a ser o fóssil mais completo alguma vez descoberto no nosso território. É um Homo sapiens e é interpretado como fruto de miscigenação entre Neandertal e homem moderno.

Quanto aos fósseis Neandertais até hoje descobertos em Portugal são de facto muito fragmentados, reduzidos e recentes.

Infelizmente há muito pouco a reportar: Gruta da Oliveira (Almonda), fragmento de Neandertal, Gruta Nova da Columbeira, dente de Neandertal (aproximadamente 37 mil anos), Gruta da Figueira Brava, dente de Neandertal com cerca de 30 mil anos.

Este cenário contrasta bem com o dos Neandertais “espanhóis”, onde, só em El Sidron, se encontraram 1900 restos humanos pertencentes a, pelo menos, 12 indivíduos.

Ainda assim, acho que está na hora de se mostrarem os fósseis humanos descobertos, até mesmo para melhor se contextalizar novas e importantes descobertas, como é o caso do crânio da Aroeira 3.

 

Autora: Eugénia Cunha
(Centro de Ecologia Funcional, Laboratório de Antropologia Forense, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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