«O que fazemos são ementas adaptadas, mais ou menos regionais, coisas que hoje comemos. E é a partir daí que fazemos o percurso inverso, à procura da história de um produto. Quando fazemos uma sopa e colocamos uma batata, vamos saber como chegou cá a batata». Foi assim que o «artista gourmet» Jorge Rocha começou por explicar o que se iria passar na ação performativa «Cozinhando na Paisagem», que este sábado à tarde atraiu cerca de meia centena de pessoas à Fortaleza de Sagres.
«Isto não é uma recriação histórica», insistiu. De facto, era até o oposto: mostrar como se pode partir do presente para se chegar à História. Nada mais apropriado no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
O palco da performance era para ter sido lá fora, com o mar por trás, como paisagem. Mas o vento forte que se fazia sentir inviabilizou os planos e a ação passou para dentro do restaurante da Fortaleza, tendo como paisagem a muralha secular.
A ajudar Jorge Rocha, que foi o mestre de cerimónias, estiveram o arqueólogo Rui Parreira, o advogado e investigador especializado em história militar João Centeno e ainda uma voluntária, Filomena Machado, que havia de ser a responsável pela confeção de uma saborosa caldeirada.
Enquanto o artista plástico, cozinheiro e performer ia avançando na ementa, João Centeno explicava o que comiam os soldados de antigamente. A ementa ali confecionada e explicada, em formato de talk show, acabou por consistir numa caldeirada de peixe, numa sopa de mandioca com corvina e funcho, mexilhões confecionados de duas maneiras (com funcho e com tomilho fresco) e ainda laranja com gengibre e mel.
Sobre o mexilhão, «um produto que é rei aqui na região», João Centeno adiantou que os militares que faziam parte da Fortaleza, em séculos mais remotos, também os comeriam.
E o arqueólogo Ricardo Soares acrescentou que, na zona de Vila do Bispo, «há evidências arqueológicas, por exemplo em Vale Boi, desde os tempos dos caçadores-recoletores, de que os mexilhões eram usados na alimentação. Eles alimentavam-se dos produtos que encontravam na natureza e o mexilhão é um deles».
Antes do início da ação performativa «Cozinhando na Paisagem», já uma grande parte do grupo tinha participado numa visita à Fortaleza de Sagres, guiada e comentada por Rui Parreira. «Esta é a maior esquina da navegação da Europa. O Infante percebeu isso: que Sagres era um grande ponto de controlo da navegação e não tanto de defesa».
Sobre o Infante e o que se comeria por aqui na sua época, também foi falado na sessão, que foi transmitida em direto, em www.palato.org/transmissao, resultando num conjunto de paisagens virtuais armazenadas no Canal PALATO do site www.palato.org, sendo estas o foco da investigação artística em curso.
Ao longo da performance, falou-se de muita coisa, sobretudo sobre a origem e a história de muitos produtos que hoje fazem parte da nossa gastronomia, mas que vieram de paragens distantes, ao longo dos séculos, sobretudo na sequência das navegações portuguesas de Quinhentos, como o acúçar, a laranja doce, a pimenta, as malaguetas, a batata, o tomate, a mandioca.
Mas também se falou do que os portugueses e outros europeus levaram, por exemplo, para a Ásia, como as malaguetas que hoje associamos à comida asiática.
Enquanto as conversas se cruzavam, com o contributo de várias pessoas da assistência, a sala do restaurante da Fortaleza enchia-se dos aromas dos produtos e das ervas aromáticas. No fim, desligada a transmissão pela internet, chegou o momento da partilha. Todos os pratos estavam uma delícia, mas o voto de preferência foi para a sopa de mandioca, com corvina e funcho, pelo inusitado do sabor, da textura e da confeção.
Em declarações ao Sul Informação, Jorge Rocha revelou que, este ano, haverá pelo menos mais meia dúzia destas originais sessões, ao longo do Verão, em locais e datas a indicar, no Algarve e Alentejo, num projeto que o artista plástico e performer está a ultimar e que contará com o apoio de diversos municípios.
A ação na Fortaleza de Sagres decorreu no âmbito do programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos (DiVaM), promovido pela Direção Regional de Cultura do Algarve, e destinou-se a assinalar o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.