O que ficou da missão no Mediterrâneo, a salvar refugiados, no âmbito da Frontex? «Muito mar, muito frio, muitas noites perdidas. Mas também a satisfação de ter ajudado alguém. Isso é algo que nos vai ficar pela vida toda!»
As palavras são do Agente Rocha, que, com o Agente Ponte, da Polícia Marítima de Portimão, integrou o contingente português que tem participado na missão da Frontex, no Mediterrâneo. Ambos aparecem nas fotos em grande formato, que estão patentes, até 4 de Setembro, na parede exterior do edifício do Salva-Vidas de Ferragudo, no âmbito dos Encontros de Fotografia de Lagoa.
Os agentes da PM Rocha e Ponte estiveram na baixa de Ferragudo para participar na inauguração formal desta exposição de fotografia a céu aberto e em grande formato e partilharam a sua experiência, de Janeiro a Março, no Mediterrâneo.
«Todos nós temos filhos e o que me impressionou foi ter visto muitas crianças, tantas crianças, naquele bote», conta o Agente Rocha, apontando para uma das fotos. «Vinham naquele bote 58 pessoas, das quais 25 eram crianças. E vinha um senhor que tinha sido ferido na guerra, já não tinha uma mão e tinha uma ferida enorme num pé. Mais tarde soube que foi amputado».
«Vemos aquele bote, cheio de pessoas, todas ao monte e é preciso resgatá-los. O Agente Ponte passa-me para a mão um bebé de três semanas, que estava completamente encharcado, tremia de frio, Havia ainda outra criança de seis semanas. Vieram primeiro também as mães, as mulheres. Só depois é que passam os homens», conta ainda. «E às vezes é preciso sermos duros com eles, para as coisas não se descontrolarem, num momento de muito perigo».
Dentro do bote, vão ficando os parcos pertences de toda aquela gente. «A vida deles está ali, naqueles sacos, são as pequenas lembranças das suas vidas. No fim de salvarmos as pessoas, se for possível, tentamos também salvar os pequenos bens que elas têm», conta o agente.
Nas fotos expostas na parede do edifício do Instituto de Socorros a Náufragos, em Ferragudo, vê-se como a lancha da Polícia Marítima portuguesa parece pequena para acolher todos aqueles refugiados. A embarcação, com lotação para 12, chegou a navegar com 66 pessoas…
«Mesmo com aquela lancha pequena, fizemos muitos salvamentos», acrescenta o Agente Ponte. No total, os portugueses já fizeram «3000 e tal salvamentos, dos quais 700 0u 800 são crianças e à volta de 1000 mulheres», diz o Agente Rocha. «Chegámos a ter 14 botes por dia, cada um com 60 pessoas. Só nós, portugueses, fora os que eram recolhidos pelas forças de outros países», todos integrados no Frontex.
Com a voz emocionada, o Agente Rocha volta a repisar: «aquilo marca-nos, como pais».
Além do salvamento dos refugiados, as forças portuguesas no Mediterrâneo também tentam apanhar os traficantes de seres humanos, os chamados «facilitadores». «Enquanto lá estivemos, apanhámos cinco facilitadores. Um deles largou as pessoas, ainda nem tinham chegado a terra, mas não conseguiu fugir, porque nós aparecemos. A Guarda Costeira grega já andava atrás dele há meses».
Mas não é só do lado dos salvadores que há heróis. Também os há do lado dos refugiados. É novamente o Agente Rocha que conta: «houve um homem que serviu de ponte, entre o bote e a nossa lancha, com umas 60 pessoas a passarem por cima das costas dele. Não se mexeu, manteve-se ali, agarrado a um lado e a outro, para que os seus companheiros de viagem pudessem sair do bote em segurança. Só que, no fim, o esforço foi tanto, que ele não se mexia. Teve de ser evacuado para o hospital. Soube depois que esse homem ficou bem. Foi um herói!».
Mas esta exposição denominada «Migrações à Força», e este ano o ponto fulcral dos Encontros de Fotografia de Lagoa, dedicado à grande temática dos refugiados, não vive só de quem aparece retratado nas fotografias. Vive também de quem fotografou. São os casos de Elisabete Maisão e de José Carlos Carvalho, repórteres fotográficos que cederam algumas das suas imagens mais marcantes para esta mostra ao ar livre, mas também estiveram presentes na inauguração, para dar o seu testemunho.
Uma das fotografias de Elisabete Maisão está patente no Promontório da Senhora da Rocha. É a imagem de um monte de coletes salva-vidas usados pelos refugiados e abandonados numa praia de cascalho, na ilha grega de Lesbos. Outras fotos suas estão num muro sobre o regato de Ferragudo, na baixa da vila.
A jornalista lamenta: depois da vaga de notícias e imagens, agora «as notícias não estão a chegar, dá a sensação que as pessoas acham que os refugiados agora estão todos bem. Não estão! Estão pior do que nunca, em campos militares, sem condições, alguns nem água têm, neste tempo de grandes calores!»
Por outro lado, sublinha, «está a crescer um negócio enorme para fazer passar as pessoas de forma ilegal. Na Grécia, só se fala sobre quanto custa passar as pessoas. Estas medidas que têm sido tomadas, no fundo, só estão a incentivar o tráfico humano. Em Atenas, há meninos de 14, 15 anos, a prostituírem-se todos os dias para comer».
«As notícias já não chegam, o assunto já não interessa muito. Se se afunda mais um barco, é apenas mais um barco…por isso, eu estou tão empenhada neste trabalho», garante Elisabete.
A repórter fotográfica admite: «a minha vida mudou radicalmente, por causa da crise dos refugiados». Por isso, «sou fotógrafa num dia, voluntária no outro. Não consigo escolher qual é o meu lugar».
Em Carvoeiro, nas paredes brancas do Forte de Nossa Senhora da Encarnação, junto à ermida, estão, de cada lado da antiga porta, duas enormes fotografias a preto e branco, da autoria de José Carlos Carvalho, repórter fotográfico da revista «Visão». Ele acompanhou a missão do navio patrulha oceânico português «Viana do Castelo», em Novembro de 2014, e as duas fotos são relativas a um salvamento feito a 26 e 27 desse mês.
«Um dos salvamentos foi feito às 3h00 da manhã de um dia e o outro às 3h00 da tarde do outro», recorda o jornalista, que conta que «os navios italianos que andavam a recolher os refugiados já não tinham capacidade para transportar mais e o nosso navio patrulha teve de servir também para isso».
«Umas sete horas antes do primeiro salvamento, temos a informação de que vamos dirigir-nos para um barco que tinha sido localizado, com mais de 50 imigrantes. Duas horas depois, dizem-nos que afinal o barco tinha 90 imigrantes. Quando, por volta das 7h00 da manhã, chegamos ao pé deles, e o Viana do Castelo acende a luz para iluminar o bote, eu vejo um barquinho pequenino e penso: não é possível ter 90 pessoas».
«Quando nos aproximamos do bote, eu olho e parecia que havia camadas, uns sentados em cima dos outros, só se via as cabeças. Depois de contados, ali naquele bote havia 89 pessoas…»
José Carlos Carvalho faz questão de salientar que, «quando entram naquele barco, estas pessoas não fazem a mínima ideia do que lhes vai acontecer. Alguns já estão a andar, desde os seus países de origem, há dois anos. Vêem no barco e na travessia do Mediterrâneo o fim das suas provações. É incrível a coragem daquelas pessoas!»
Apesar da sua experiência como fotojornalista, José Carlos Carvalho admite que «este trabalho que fiz para a Visão foi dos que mais me impressionou».
Nuno Loureiro, diretor dos Encontros de Fotografia de Lagoa, explicou, durante a inauguração itinerante desta exposição ao ar livre, que se desenrola em três locais – Senhora da Rocha, Carvoeiro e Ferragudo -, que o objetivo foi mostrar «várias abordagens ao mesmo tema». Tudo para «lembrar a quem nos visita, com este sol maravilhoso, que o mundo também tem estas questões e que a cidadania passa também por refletir sobre estas questões».
Mas, na tarde quente do passado sábado, foram ainda inauguradas a exposição «Descortinar», uma instalação fotográfica de João Tata Regala, e a «Algarve Photographs Fair 2016», ambas no Real Compromisso Marítimo de Ferragudo, junto à igreja da vila.
A Feira de Fotografia do Algarve inclui a apresentação e venda de trabalhos fotográficos de Agostinho Teixeira, Bruno Gonçalves, Elisabete Maisão, Filipe da Palma e Pedro Noel da Luz, bem como dos coletivos «Aprendizes do Olhar» e «Cabeça Fora de Água».
«Aprendizes do Olhar» é um projeto desenvolvido durante este ano letivo 2015/2016 por alunos do 6º ano do Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita, de Loulé, enquanto «Cabeça fora de água» é uma mostra de trabalhos fotográficos de jovens alunos da Escola Secundária louletana.
«São jovens de 17, 18 anos, alunos dos cursos profissionais de Design Gráfico e de Multimédia», explicou o professor Júlio Assis Ribeiro ao Sul Informação.
«Ao longo do ano letivo, desenvolvemos vários projetos, no âmbito de um protocolo estabelecido entre os ENFOLA, a Câmara de Lagoa, a Universidade do Algarve e a Delegação Regional de Educação do Algarve, que contou também o apoio da Câmara Municipal de Loulé». Desse trabalho, resultou o conjunto de fotos agora exposto no edifício do Compromisso Marítimo de Ferragudo, mas também a exposição que está em simultâneo patente na Biblioteca da Universidade do Algarve.
São «jovens que, trabalhando a partir dos códigos dominantes nas redes sociais, com os seus filtros, os seus maneirismos e narcisismos, ou a eles se opondo, ensaiam emergir do “oceano” visual e tateiam caminhos».
Todas estas exposições podem ser vistas até 4 de Setembro, no âmbito dos Encontros de Fotografia de Lagoa.
Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação