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Revista Ilustração Portugueza 6 set 15

Há 100 anos, o Algarve saltou para as primeiras páginas dos periódicos nacionais. Reunidos na Praia da Rocha, um vasto leque de engenheiros, economistas, geógrafos, académicos, jornalistas, artistas plásticos e médicos, debateram, nas suas especialidades, o presente e o futuro da região, enumerando deficiências e apontando soluções de curto e longo prazo.

O Congresso Regional Algarvio foi sucedâneo dos congressos municipalistas realizados em Lisboa (1909) e no Porto (1910). O regionalismo, de acordo com o defendido pelo Prof. Fernando Catroga, apresentava-se como um “regionalismo cultural” e com um propósito – o de superar a crise em que a sociedade vivia. Por outro lado, ele constituía também uma resposta ao aumento das desigualdades regionais provocada pela revolução urbana.

Em 1912, o jornal A Capital lança um inquérito, “o que a província pensa e o que a província precisa”, para, no ano seguinte e na sequência do congresso dos regionalistas franceses, em Toulouse, ser a vez de O Século defender a concretização em Portugal de congressos regionais.

Se por um lado, a sugestão conquistou numerosos apoios, as vicissitudes das lutas políticas e sociais, a que não foi alheia a I Grande Guerra, acabaram por travar a iniciativa, sendo o Congresso Regional Algarvio, a par do Municipal Alentejano, realizado no mesmo ano, duas exceções até ao alvor dos anos de 1920.

O Congresso Regional Algarvio decorreu no Casino da Praia da Rocha, entre 3 e 7 de setembro, com um programa variado e paralelo ao seminário propriamente dito.

A organização de uma exposição com os produtos da região terá constituído a génese do evento. Embora organizado pela experiente Sociedade de Propaganda de Portugal, segundo a investigadora Maria João Duarte, foram seus principais mentores Tomás Cabreira (presidente do congresso), Pádua Franco (secretário-geral), Mateus Moreno, Cândido Marrecas, António Teixeira Bicker, Guerreiro Júnior, Magalhães Barros e Julião Quintinha.

Tese Zonas TurismoA revista Alma Nova foi o órgão oficial do evento, simbolizado por uma flor de amendoeira. Para patrono, foi escolhido João de Deus e a “Canção da Praia da Rocha”, sendo nomeado presidente honorário o ministro do Fomento.

Do programa constava, para o dia 1 de setembro, a abertura da Exposição Regional Algarvia, um campeonato de ténis, e à noite concertos na Avenida e no Casino, bem como um baile. No dia 2, houve regatas e festas no rio, iluminação e concerto musical.

A abertura do congresso propriamente dito estava agendada para 3 de setembro, com as suas sessões, a que se seguiria tiro aos pombos, e, à noite, repetiam-se as festas no Arade.

No dia seguinte, sessões do congresso, batalhas de flores e quadros rústicos, concertos e festas no Casino. Para 5 de setembro, estava prevista uma visita a Lagos, a sessão de encerramento do encontro e exposição de Arte Algarvia, na Escola Vitorino Damásio.

Já a 6, devia encerrar a exposição regional, sendo promovidas as últimas iluminações e concerto no Casino.

Nos dias seguintes estavam ainda organizadas excursões a diferentes pontos da região (7, 8 e 9 de setembro), além da exibição de variedades e bailes no Casino, serões de arte e teatro, conferência literária, e, por fim, a 19 e 20 de setembro, arraiais, festa popular e festa da flor.

Em Faro, decorria também, por aqueles dias, uma exposição regional com quadros do pintor Lyster Franco. As inscrições encerraram a 20 de agosto, porém e face à elevada procura, seriam prolongadas por mais nove dias, não assumindo a organização responsabilidades em termos de alojamentos.

O sucesso do evento não foi alheio à sua meticulosa organização, fosse na região ou no país. Assim, enquanto no Algarve (em Tavira, Faro ou Silves) se multiplicavam conferências sobre “Fins e propósitos do Congresso Regional Algarvio”, além de participarem delegados de todas as localidades da região, para os restantes congressistas eram anunciados descontos de 75% sobre os preços praticados no caminho de ferro, fosse em 1ª, 2ª ou na 3ª classe, entre os dias 31 de agosto e 15 de setembro, para a estação de Portimão (então ainda situada em Ferragudo).

A 21 de agosto, o jornal O Século anunciava, para a Praia da Rocha, “luzidos festejos em honra dos congressistas”. Na praia, decorriam trabalhos de embelezamento, com a montagem de um ponto de informações sobre o congresso, alojamentos, transportes, e sobre a região em geral, bem como de um pavilhão “mourisco”, promovido pelo industrial António Júdice Magalhães Barros. Este último para comercialização de frutas, doces, águas de Monchique, conservas, postais e outras recordações do Algarve.

A 29 de agosto, O Século noticiava a ordem de trabalhos do seminário, com duas sessões por dia, sendo os assuntos a tratar divididos em três secções: agricultura e indústria; comércio e meios de transporte; e por fim turismo e história algarvia.

Pavilhão Mourisco (Ilustração Portugueza 4 out 15)
O Pavilhão Mourisco do industrial e agricultor António Júdice Magalhães Barros

Nas vésperas, trabalhou-se afincadamente, de forma a proporcionar o maior número de diversões e o máximo de conforto aos visitantes. Com esse objetivo e para ficar mais próxima da abertura do encontro, a inauguração da exposição agrícola foi adiada para o dia 2. Nesta, destacaram-se a firma V. Campos, de Tavira, com frutos secos, António Teixeira Bicker, Melo Leste, Manuel Mascarenhas, Pedro M. Júdice, com frutas várias, Marreiros & Irmão, de Vila do Bispo, com artigos de malha e de renda, bem como Maria Augusta Viegas, com um artístico trabalho de rendas de bilros, entre outros (mobiliário, conservas de peixe, vinhos, cortiça, até ananases do Algarve). Participaram ainda empresas externas à região, como a Moreira da Silva & Filhos, do Porto, embora não entrassem no concurso dos melhores produtos algarvios.

Nos dias anteriores, foram distribuídos aos congressistas os resumos das teses que iriam ser debatidas, as quais apresentavam em conclusão, com vista à sua vinculação ao poder político, projetos de lei, para rápida aprovação e implementação pelo governo. Ao todo, terão sido impressas 26 teses (1), sobre os mais variados temas, da agricultura, à pesca, sem esquecer a indústria, o ensino profissional, os transportes, as estradas, o clima, a história regional, a etnografia, a arte, o crédito, a assistência à mendicidade, zonas de turismo, hotéis, etc.

Na manhã de dia 3, o congresso abria portas, tendo a sessão inaugural decorrido “brilhantemente”, perante uma assembleia repleta, embora sem a presença do ministro, que só chegaria no dia seguinte.

Na verdade, o evento teve uma participação massiva, de tal forma que, por aqueles dias, foi realizado um comboio extraordinário que partia da então Vila Nova de Portimão, à meia noite, para Faro, para que os congressistas encontrassem alternativas de alojamento na sede de distrito ou nos pontos intermédios.

O presidente Tomás Cabreira expôs então à assembleia “os fins do congresso e enalteceu as belezas naturais do Algarve”. Este visava, como o próprio reconhecia à imprensa dias depois, “valorizar a terra e o trabalho no Algarve”. Para o efeito, sairiam eleitas comissões permanentes, que, aliadas a uma comissão executiva, pugnariam pela implementação das resoluções ali tomadas junto dos ministérios, autarquias e outras entidades, até à realização de um novo congresso previsto para a primavera de 1918, em Faro.

Em suma, pretendia-se dotar o Algarve com um organismo que coordenasse e impulsionasse todas as iniciativas que promovessem o seu progresso.

Finalizada a sessão inaugural, iniciaram-se os trabalhos, com a secção de agricultura.

Caminhos de ferroPara a tarde estava prevista a de turismo, que não se realizou, segundo O Século, por não se conseguir reunir, transitando por isso para a manhã seguinte. Esta não terá sido a única alteração ao programa, uma vez que, no dia 6, houve sessões de manhã e de tarde, tendo o encerramento sido aprazado para dia 7 de setembro, às 11 horas, também no Casino.

Todavia, e se alguns temas não geraram debate e as conclusões eram aprovadas rapidamente, não faltaram momentos de discussão acesa e de múltiplas alterações às conclusões, a que a imprensa fez eco. A tese “Tarifas ferroviárias”, de Tomás Cabreira, foi uma das que gerou algum debate entre o autor e Francisco Grilo, com troca de diversos argumentos.

Mas de todas a mais polémica terá sido a “Zonas de Turismo”, também da autoria de Tomás Cabreira, que defendia a regulamentação do jogo. A sua discussão prolongou-se e transitou da sessão da manhã para a da tarde, embora acabasse por ser aprovada.

Em suma, foi feita por aqueles dias uma radiografia à região, pela reputada elite da época e simultaneamente apontadas soluções e recursos a explorar, para o desenvolvimento do comércio, indústria e agricultura do Algarve.

Embora fossem poucos os “touristes” que nos visitavam, o turismo teve particular destaque, pois as potencialidades da região nesta matéria eram já inegáveis. Por curiosidade, refira-se que, em novembro de 1889, a conceituada revista francesa de viagens “Journal des Voya’ges – et des aventures de terre et de mer” dedicara uma reportagem ao Algarve.

A organização do Congresso teve também preocupações sociais, pois a receita resultante da venda do programa geral das festas reverteu para os pobres de Portimão, tendo o custo da sua produção (despesas de composição, impressão e cartolinas) sido suportadas por Fernando da Silva David, membro da Comissão Executiva. Também parte das vendas do pavilhão mourisco se destinaram a fins de beneficência.

Nos dias seguintes, houve diferentes visitas à região, a Monchique, Sagres, Silves, Tavira, Faro, Lagos. Adelino Mendes, jornalista de A Capital, descreveu-as brilhantemente naquele periódico (2), escrevendo ainda sobre as sessões do congresso, reportagens que viriam a constituir o livro “Algarve e Setúbal”, publicado em 1916. Uma obra imprescindível para a compreensão do Algarve de então, que aquele jornalista visitou e pintou de forma magnificente.

Quanto a resultados práticos do Congresso, sintetizou-os, com realismo: “debateram-se questões que para a província são d’um capital, d’um indiscutível interesse. É preciso que se olhe bem para o que foi essa reunião d’homens inteligentes, que procuraram, n’uma assembleia de práticos e eruditos, dizer à gente da região e ao paiz o que por cá se precisa e o que é indispensável fazer. (…). O Congresso, em meu entender, não vae além d’uma tentativa oscilante e talvez demasiado idealista”.

Já o tinha antevisto logo no dia 4 de setembro: “Este Congresso algarvio… Elle não passa, coitadito, d’um primeiro passo vacilante na estrada que esta privilegiada província tem de percorrer para atingir toda a sua valorização”.

Não podia ser mais certeiro. A entrada de Portugal na I Grande Guerra, em 1916, com o incremento de todas as dificuldades daí advindas, sem esquecer o falecimento precoce de Tomás Cabreira (a alma do congresso de 1915), em Tavira, em 1918, protelaram a implementação das orientações e o Algarve e os algarvios caíram de novo na letargia que lhe é característica.

Por sua vez os sucessivos governos olvidaram, como sempre, a região e os seus interesses, e pouco ou quase nada foi feito. A estrada a percorrer para a valorização do Algarve era realmente (ou ainda é?) muito longa, mas tal não pode ser atribuído aos “letrados” de então, já que esses visionaram e prognosticaram sobremaneira a região dos nossos dias. Foi há 100 anos.

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de História Local e Regional

 

Cartaz2 1º Congresso Regional Algarvio 1915 -Para saber mais:
– Maria João Raminhos Duarte, “O I Congresso Regional Algarvio na Praia da Rocha”, José Mendes Cabeçadas Júnior e a Primeira República no Algarve, Loulé, 2010.
http://arepublicano.blogspot.pt/
– Adelino Mendes, O Algarve e Setúbal, Lisboa, 1916.
– Jornal “O Século”, de 16/08/1915 a 18/09/1915.
– Revista “Ilustração Portugueza”, de 06/09/1915 e 04/10/1915.
– Fernando Catroga, “Geografia Política. A querela da divisão provincial na I República e no Estado Novo”, O poder local em tempo de Globalização – uma história e um futuro, Dir. Fernando Taveira da Fonseca, Coimbra – Imprensa da Universidade, 2005.

Notas:
(1) Das quais reunimos 24 teses, que ficarão disponíveis, a partir do dia 27 de setembro, no sítio da internet do Museu de Portimão. Houve, todavia, pelo menos mais duas: “Sports” de Vasco Ferreira de Campos, e “Pesca, Escolas de Pesca”, por José Francisco Silva.

(2) O Jornal A Capital encontra-se digitalizado em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/ACapital/1915/setembro/setembro_master/ACapitalN1823aN1858.pdf

 

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