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Em 1913, Alexandre Théophile Sallès sobrevoou Vila Nova de Portimão, sendo o primeiro pioneiro dos ares a realizar tal feito em terras algarvias.

O semanário de Julião Quintinha, Alma Algarvia, de 12.10.1913, anunciava: “Sallès, o arrojado aviador de quem a imprensa tem dito as mais extraordinárias coisas, está hoje em Portimão, onde vem contratado para realizar com o seu aeroplano dois voos que se realizarão hoje de tarde na Cerca do Colégio. Dada a novidade de altíssima sensação e a fama de que Sallès vem precedido é de esperar hoje em Portimão grande número de forasteiros que quererão gozar o espectáculo”.

Nas edições seguintes, as referências continuam: “Tenciona visitar Silves no dia 31 de Outubro o grande aviador que tanto interesse tem despertado ao público. Foi contratado pelo nosso amigo Adelino Rocha, [empresário e mais tarde sócio de José Jacinto dos Santos na exploração do Hotel da Rocha]”, anunciando para breve toda a programação do show aéreo.

Por sua vez, O Algarve de 19.10.1913 regista desta forma o inaudito acontecimento: “Realizou no passado domingo dois excelentes voos sobre os campos circundantes a Vila Nova de Portimão o aviador Sallès, conforme contrato que tinha feito. No dia imediato, a passada segunda, dirigiu se para Lagos, num voo que o conduziu de Portimão àquela cidade em 7 minutos (18 kilómetros); ao chegar porém ali, e fazendo já a aterrissage, teve a infelicidade de ir de encontro a um poste da vedação, que lhe desequilibrou o aparelho e o lançou sobre uma valeta, partindo-se o hélice e inutilizando dois cilindros do motor. Por este acidente não pode realizar os voos que ali contratara para um dos dias da feira e ficou aguardando as reparações que logo começaram a fazer-se”.

Sabemos que a primeira experiência da aviação e primeira tentativa de voo em Portugal teve lugar no antigo hipódromo de Belém, a 27 de Outubro de 1909, protagonizada pelo piloto francês Armand Zipfel, pilotando um aeroplano “Voisin Antoinette” de 40 CV”. De acordo com relatos da época, a experiência, devido ao vento, foi um enorme fracasso: o piloto por pouco não perdeu a vida e o aparelho acabou em cima de uma casa.

Bastante dispersa geograficamente e fragmentada documentalmente, a história da aviação nacional ainda respira sentimentos pouco objetivos, mas bastante apaixonados.

Podemos dizer que, mais a sério e com voos mais imponderáveis, também começa na Amadora, um lugar aprazível de Verão para famílias abastadas da capital, ainda que só em 1907 tivesse o seu núcleo rústico perdido a designação de Porcalhota.

O extenso campo plano disponível e as facilidades de acesso contribuíram para que o nosso profissional dos ares Sallés fosse o primeiro a aterrar naquela localidade a bordo do seu Bleriot XI, equipado com um motor Gnome e Rhône de 50 cavalos de potência. Como sinal de afeto pela experiência, decidiu batizar carinhosamente o seu monoplano como Amadora.

Lemos Peixoto, no seu estudo Homens e Aviões na História da Amadora (1980), conta-nos que “foi em 26 de Janeiro de 1913 que se avistou o primeiro avião a cruzar os céus da Amadora. Numa iniciativa da Liga de Melhoramentos, o francês Alexandre Théophile Sallès parte do hipódromo de Belém e aterra nos terrenos do Casal do Borel, partindo parte considerável do aeroplano, bem como o hélice, na aterragem, perante uma considerável multidão. Nada que fizesse desmobilizar o entusiasmo da população. Com o apoio da fábrica de espartilhos Santos Mattos, ao fim de oito dias o aeroplano estava pronto a levantar voo”.

Na Ilustração Portuguesa de 17.02.1913, pode ler-se: “O aviador Sallès foi dos que fizeram entre nós, as mais arriscadas travessias; passará ovante sobre Lisboa, tornara-se popular, recebera mesmo aplausos das multidões que o viam descer, sempre alegre e fresco, do seu aeroplano, depois das viagens. Quando se dizia que o aviador ia fazer uma travessia, não faltava um público numeroso a vê-lo, e isso sucedeu quando da sua anunciada viagem à Amadora, antes da qual o seu aparelho se desmembraria”.

Sob o olhar político atento do Ministro da Guerra, João Pereira Bastos, em tempos de governação democrática de Afonso Costa e certamente determinado a que a revolução republicana tivesse impacto nos sonhos de elevar Portugal acima do solo, o piloto francês foi autorizado a realizar treze voos a bordo do seu monoplano, durante as festividades da cidade de Lisboa, em Junho de 1913, para grande alegria dos alfacinhas.

Tratava-se de um Deperdussin, avião de corrida projetado pelo belga Louis Béchereau e construído pela SPAD (Societé Pour L’Aviation et ses Derivés), elevando os recordes de velocidade para os 210 km/h.

Sallés nasceu a 6 de Setembro de 1879, em Vincennes, França. O pai era Louis Alexandre Sallès, um marceneiro de Lille. A mãe chamava-se Marie Aimée Prévost e era modista.

Apesar de ter sido aprendiz do seu pai e dado continuidade ao negócio da madeira, o desejo de voos mais altos aproximou-o da aeronáutica civil que dava os primeiros bater de asas.

Com 33 anos, Alexandre obtém o certificado de piloto-aviador emitido pelo Aéro-Club de France a 6 de Setembro de 1912. Em dia de aniversário, pilota ufanamente um Blériot.

A falência da marcenaria era inevitável para se dedicar à aviação. A fim de obter mais facilmente financiamento para os seus sonhos aéreos, vem para Portugal, já que raros gloriosos loucos de máquinas voadoras se atreviam a arriscar a vida num país temido pelas suas condições atmosféricas adversas. Os fortes ventos e tempestades frequentes, diziam, eram pouco recomendáveis.

Em terras lusas foi fortemente aplaudido e tornou-se vedeta popular. Para além de piloto experiente foi naturalmente instrutor da Escola Prática de Aviação. Iniciada a Guerra, vai realizar voos de reconhecimento em vários esquadrões ao serviço da França até Agosto de 1916, sendo igualmente correspondente de guerra para jornais portugueses. Morre a 1 de Dezembro de 1956 em Nouzilly, com 77 anos.

 

Autor: Carlos Osório
Professor do ensino secundário e Investigador da História Local

Nota: A fotografia inicial é uma fotomontagem feita pelo autor do texto

 

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