«O Mediterrâneo não foi e não é apenas uma geografia e um mar. É um quadro mental, evolutivo, que se expande a partir de um espaço físico determinado, vertebrando sociedades dinâmicas e inovadoras que influenciaram todo o planeta. Desses tempos ancestrais permanecem mitologias, alfabetos, idiomas, religiões, cidades, mercados, festividades, conhecimentos científicos e modelos artísticos, um “estilo de vida”, a diaita dos gregos, que moldou comportamentos sociais e um padrão alimentar colocado em evidência no século XX pela investigação sociológica».
As palavras são de Jorge Queiroz, na introdução do seu livro «Dieta Mediterrânica – uma herança milenar para a humanidade», que, depois de lançado a 4 de Dezembro em Tavira, terra natal, em Portugal, da DM como Património da Humanidade, será hoje, 18 de Dezembro, às 18h00, apresentado na Biblioteca Nacional, em Lisboa, com entrada livre.
Mas, porquê escrever este livro? Jorge Queiroz explicou, no lançamento em Tavira, que o fez porque se sentiu «na obrigação de partilhar com os outros um trabalho de três anos», para mais porque «há muito pouco escrito sobre a Dieta Mediterrânica». No entanto, advertiu, «este não é o livro sobre a Dieta Mediterrânica, é um livro sobre a Dieta Mediterrânica», já que «há muitos outros que podem ser escritos, com outros enfoques, na medicina, na saúde, na agricultura», por exemplo.
Em Tavira, no dia 4 de Dezembro, data do primeiro aniversário da inscrição da Dieta Mediterrânica como Património da Humanidade, o livro foi apresentado por João Guerreiro, geógrafo e anterior reitor da Universidade do Algarve, que classificou a obra como «um ensaio sobre o mundo mediterrânico», que é «sempre um fascínio». Hoje, na Biblioteca Nacional, a apresentação estará a cargo de Jorge Crespo, catedrático da Universidade Nova de Lisboa.
E nesta apresentação em Lisboa, a acompanhar o lançamento do livro editado pela Althum, estará a música feita de sons mediterrânicos de Luísa Amaro e da sua guitarra portuguesa, que, aliás, esteve presente em Tavira, embora aí não tenha tocado.
O livro, cujo lançamento na cidade algarvia foi o ponto alto das comemorações desse primeiro aniversário, analisa a Dieta Mediterrânica sob os seus mais variados aspetos, ao longo de 16 capítulos, profusamente ilustrados com belas fotografias de Luís Ramos, ex-editor de fotografia do jornal «Público».
O estilo de vida, as culturas e paisagens alimentares, as cidades, os alimentos sagrados e as festividades, o pão, o azeite, o vinho, como pilares, Portugal, o Algarve e Tavira, ou aquele Mediterrâneo que, sem o ser em rigor geográfico, o é em alma, a cozinha e a descoberta das vantagens da Dieta Mediterrânica, a demografia e as doenças, a classificação como Património Cultural Imaterial da Humanidade, são aspetos que Jorge Queiroz, diretor do Museu de Tavira e responsável máximo pela candidatura vitoriosa da DM à classificação pela UNESCO, aborda ao longo do livro.
Ligando as margens deste Mediterrâneo que se estende até ao Atlântico, atando as pontas de novelos que se desfazem e emaranham ao longo dos milénios, o autor apresenta, de uma forma rigorosa, mas sempre de leitura muito agradável, a tese que sempre faz questão de sublinhar: que a Dieta Mediterrânica, «mais do que um modelo alimentar, é um modo de vida e, no fundo, um modelo cultural».
Jorge Queiroz: a Dieta Mediterrânica, «mais do que um modelo alimentar, é um modo de vida e, no fundo, um modelo cultural»
Para mais, um modelo cultural com origens milenares que a investigação dos tempos atuais confirmou como sendo até benéfico para a saúde e por isso consagrou a nível mundial. «O padrão alimentar mediterrânico interessa hoje a toda a humanidade pelas prementes questões debatidas em inúmeras conferências: a emergência da “questão ambiental”, a urgência da proteção da biodiversidade e da sustentabilidade dos territórios, num planeta que se aproxima a largos passos dos 10 mil milhões de habitantes».
O livro de Jorge Queiroz, que foi o responsável técnico pelo processo vitorioso de candidatura transnacional de sete países, incluindo Portugal, à inscrição da DM na lista representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, termina lançando pistas sobre «Dieta Mediterrânica, que futuro?»
E, de facto, ao fim de um ano de inscrição da DM como Património da Humanidade, que futuro?
É que, como escreve o autor nesse último capítulo, «a “dieta mediterrânica” não é a nostalgia do retorno a economias de subsistência ou a busca de um paraíso terrestre de vidas solares em mares azul-turquesa que se contrapõe ao cepticismo existencial e à possibilidade de colapso global». Não é também «uma “mezinha” para os sérios riscos socioambientais que a humanidade enfrenta». O que é, então?
Jorge Queiroz: a “dieta mediterrânica” não é a nostalgia do retorno a economias de subsistência ou a busca de um paraíso terrestre de vidas solares em mares azul-turquesa
Jorge Queiroz dá algumas pistas: a DM é um «modelo cultural» que potencia e dinamiza as economias locais, que «promove o turismo cultural e de natureza» e que, em simultâneo, «tem associado um elevado potencial económico em inúmeras áreas produtivas», podendo também desempenhar «um importante papel na aproximação dos povos da região mediterrânica». Aliás, como foi dito no lançamento do livro em Tavira, a 4 de Dezembro, no dia de aniversário da Dieta Mediterrânica, além dos sete países que já integram esta classificação, há que dar o salto e alargar à outra margem do Mediterrâneo, a do Norte de África, e até ao Médio Oriente.
Em Portugal, há alguns passos para esse futuro que vão sendo dados: um ano após a classificação da Dieta Mediterrância pela UNESCO, foi criado, a 1 de Dezembro, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 71/2014, o Grupo de Acompanhamento para a Salvaguarda e Promoção da Dieta Mediterrânica (GADM), que integra várias entidades, pessoas e organismos.
Jorge Botelho, que é presidente da Câmara de Tavira e ainda da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), anunciou ao Sul Informação o que está a ser preparado para 2015, para tirar partido, até a nível económico, da classificação da Dieta Mediterrânica: «a nível nacional, estamos a preparar um programa global, que deverá ser consensualizado entre os meses de Janeiro e Março, e que será preparado pelo Grupo de Trabalho da Dieta Mediterrânica, criado no princípio do mês por resolução do Conselho de Ministros».
Depois, acrescentou, «estamos à espera de poder apresentar um conjunto de candidaturas ao próximo quadro comunitário de apoio, no âmbito do PO regional».
Em termos de programa, o autarca anunciou que «em Setembro de 2015, vai haver a terceira Feira da Dieta Mediterrânica», que, no próximo ano, incluirá uma novidade: «juntamente com a associação In Loco, a Feira integrará também o festival do Movimento Slow Med Europeu». Mas, revelou, «ao longo do ano, vamos ter uma agenda muito preenchida, com mostras e festivais gastronómicos, que temos em Tavira e vamos replicar por toda a Europa, com o apoio da Região de Turismo do Algarve, passeios, visitas, exposições, degustações, espetáculos e concertos. Vamos continuar a trabalhar com as escolas, com as áreas da Cultura e da Saúde».
Jorge Botelho: ao longo do ano, vamos ter uma agenda muito preenchida, com mostras e festivais gastronómicos, que temos em Tavira e vamos replicar por toda a Europa, com o apoio da Região de Turismo do Algarve, passeios, visitas, exposições, degustações, espetáculos e concertos
«A Dieta Mediterrânica tem todo um potencial económico de que não estamos ainda a tirar o devido partido, até para atenuar a sazonalidade da nossa principal indústria, que é o Turismo», concluiu Jorge Botelho.
No próprio dia do aniversário da DM, a ministra da Agricultura Assunção Cristas postava, na sua página de facebook, que a Dieta Mediterrânica «pode ser uma poderosa ferramenta de internacionalização de produtos portugueses, através do acesso a novos mercados, como por exemplo o vinho, o peixe, o azeite, os frutos secos, entre outros, constituindo ao mesmo tempo um elemento agregador dos interesses de vários sectores – turismo, comércio, restauração, saúde, educação e cultura – em torno da fileira agroalimentar nacional».
Muitas ideias, muitas pistas, muito trabalho para fazer.