A Igreja de Santo António, em Lagos, reabriu este sábado depois de uma profunda intervenção de restauro que lhe permitiu recuperar o esplendor do Barroco…e garantir que edifício, talha dourada, azulejos do século XVIII e telas a contar os milagres do Santo vão durar mais uns séculos.
A reabertura foi sublinhada pelos sons barrocos da música do “Ensemble Sons Antigos a Sul”, com a mezzo-soprano Joana Godinho. o cravo de Elsa Mathei, as flautas barrocas de Daniela Tomaz e ainda o violino de Pedro Sá.
A igreja, que é o terceiro monumento nacional mais visitado no Algarve (a seguir à Fortaleza de Sagres e ao Castelo de Silves), foi fechada por precaução em Outubro de 2013, quando se detetou que a abóbada pintada do edifício estava em risco de cair.
Entretanto, aquilo que era para ser apenas um arranjo do telhado, acabou por se transformar numa profunda intervenção de «reabilitação, conservação e restauro realizados na cobertura, na abóbada e em diversos outros elementos arquitetónicos, funcionais e decorativos» do monumento.
Ontem, na reabertura da Igreja, o arquiteto Frederico Paula, da empresa municipal Futurlagos, revelou que, ao todo, em quase três anos de intervenções, foram gastos «350 mil euros, dos quais 215 mil garantidos pelo Programa Operacional Algarve21, e os restantes 125 mil, pagos pela autarquia, através da Futurlagos».
«O dinheiro não cai do céu», comentaria depois a vereadora da Cultura Maria Fernanda Afonso, para explicar o enorme esforço da Câmara Municipal na reabilitação do património da cidade.
O restauro da Igreja de Santo António «foi um processo que levou tempo, mas que valeu a pena e era imprescindível», sublinhou, por seu lado, António Carrilho, conservador do Museu Municipal de Lagos, que integra aquele monumento nacional como uma das suas “peças” a visitar.
Além da profunda intervenção a nível da cobertura, a abóbada foi também alvo de um minucioso trabalho de conservação e reabilitação, que envolveu o uso de técnicas minuciosas, aplicadas por empresas e técnicos especializados.
Seguiu-se depois o restauro da pintura da abóbada, datada, como as talhas e os azulejos, do século XVIII, trabalho que foi coordenado por Pedro Gago, conservador-restaurador contratado de propósito para esta tarefa difícil. E só aqui foram largos meses para «preservar a originalidade da obra». «Há todo um trabalho invisível que escapa à maior parte das pessoas», garantiu.
Durante esta intervenção, foram «detetados repintes da pintura», provavelmente para reparar ou preencher zonas onde a pintura, por razões diversas, se tinha perdido. Um dos repintes datava da década de 20 do século passado, feito provavelmente «aquando da abertura do Museu» e era «de boa qualidade». O outro, datado da década de 50, era de «má qualidade».
«A bisturi e com lupa», os técnicos de restauro levaram três semanas só a remover esses repintes (pelo menos nas zonas em que se decidiu que eles não ficariam visíveis), de modo a «preservar a pintura original».
Agora, ao olhar cá de baixo para a pintura da abóbada lá em cima, «as pessoas percebem como ela seria no seu original, sem acrescentar nada de novo», garante Pedro Gago. E as poucas zonas onde foi preciso reconstituir o que já lá não estava (por exemplo no canto direito, por cima do altar, onde havia uma descontinuidade na abóbada, que foi eliminada agora), percebe-se que há ali uma diferença.
Mas a conservação e restauro do rico interior Barroco da Igreja de Santo António passou ainda pela intervenção nas suas talhas douradas. Assim, o sobrecéu do púlpito, que estava a cair, foi reposto no seu lugar, usando as madeiras originais, assim como voltaram a ser colocadas as duas figuras sobre essa espécie de cobertura avançada do púlpito.
Quer o teto, quer a talha foram também limpos, depois de terem estado «centenas de anos expostos ao pó». No teto, a limpeza foi química, usando um fungicida, na talha foi feita uma limpeza à mão, «com trincha de pelo macio e aspiração». Mais uma vez, um trabalho minucioso, delicado e de muita paciência.
Mas, como salientou Pedro Gago, «a manutenção e a conservação preventiva prolongam a vida dos materiais originais»…e a vida dos monumentos.
Não se pense, porém, que depois destes três anos de intervenção, e depois da reabertura oficial de ontem, já está tudo pronto na Igreja de Santo António.
A iluminação interior foi reformulada, de tal forma que «agora vê-se muita coisa que antes nem se via», como disse ao Sul Informação a arqueóloga Elena Morán. Mas ainda há trabalho a fazer na iluminação. O arquiteto Frederico Paula recordou que «o sistema era completamente obsoleto», com grandes projetores que «provocavam aquecimentos pontuais» prejudiciais para as pinturas e para a talha. Apesar das alterações já introduzidas, ainda está «em estudo um sistema de iluminação das pinturas e das talhas que garanta melhor visibilidade, mas sem se perder o ambiente de recato que uma igreja deve ter».
Outra intervenção ainda necessária é no óculo por cima do coro alto. As talhas foram recuperadas (estavam danificadas pela água), mas falta recuperar o óculo em si e «colocar um vidro que filtre os raios ultra violeta, que prejudicam muito a talha dourada». E depois de tudo isto, ainda faltará pintar as portas e a torre sineira norte (todo o resto do edifício foi já pintado por fora).
Foram três anos de muito trabalho, grande esforço financeiro e alguma incompreensão, já que a Igreja, um dos monumentos mais visitados do Algarve, teve que estar fechada por um período muito longo. Mas agora volta a abrir as suas portas com o esplendor do Barroco muito mais visível, mostrando até pormenores e elementos que, durante séculos, mal se viam.
E assim, as Cariátides, os Meninos Hercúleos e os Atlantes barbudos poderão continuar a encantar, brilhantes de ouro, os milhares de visitantes de todo o mundo que acorrem a esta que é uma das joias do Barroco nacional.
Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação
(as fotografias referem-se a dois momentos distintos: uma visita feita durante a intervenção de restauro, em Agosto do ano passado, e a reabertura, este sábado, 30 de Janeiro)
