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Sul Informação

Autárquicas 2013 em Lagos: passar um cheque em branco

Decidir em quem votar, num ano tão conturbado como este, não é tarefa fácil. Existe um problema crónico na relação entre oferta e procura. E nem as candidaturas independentes parecem ser uma alternativa, quando sabemos que de independentes terão muito pouco.

Tentando articular uma análise de produto, ou seja, dos programas das candidaturas que vão a eleições em Lagos, resolvi iniciar a tarefa hercúlea de conseguir perceber o que cada uma propõe na área da Cultura. O primeiro passo foi procurar visitar os sítios web e as redes sociais, mas tal trabalho ficou gorado pela fraca informação e ausência de conteúdos articulados.

Os contactos estabelecidos, quer via e-mail, quer no Facebook, demonstraram a falta de preparação das candidaturas para lidarem com a resposta às solicitações por via eletrónica, e em quase todos os casos, a inexistência de um programa eleitoral estruturado, objetivo e pronto a enviar.

Palavras vagas, abstratas, exposição de princípios. Mas do que se trata quando falamos de programa eleitoral ? A meu ver, deveria ser um vasto documento, que permitisse aos cidadãos perceberem que o grupo que nos vai representar tem capacidade para analisar o território nas suas mais diversas vertentes, aprofundando mudanças com base em factos, estatísticas, princípios e articulando propostas concretas e objetivas.

Mas em Lagos isso não acontece. Os folhetos de campanha que me chegaram às mãos são sinónimo de impreparação e de falta de respeito para com os eleitores, na medida em que, na ausência de propostas fundamentadas, quem vota é obrigado a passar um cheque em branco.

Não é caso local, é um desígnio nacional, exigir programas sérios, mas também, uma população mais informada, capaz de os analisar e perceber que, quando vota, valida propostas e ideias que vão ser concretizadas no futuro. Ou não!

Todos sabemos que a conversa de compromisso com isto, compromisso com aquilo, é de facto, uma circunstância de campanha. Uma vez lá dentro, os programas são efémeras poéticas que ficam para trás e o horizonte passa a ser gerido sem ordem.

Não tendo conseguido analisar o programa completo de todas as candidaturas, não poderei portanto desenvolver o artigo que pretendia. Mas posso afirmar que a Cultura ficou perdida nos discursos, com frases feitas que jorram ignorância, e propostas que denotam falta de preparação no tema. Uma visão de que Cultura é animação e que é preciso criar festivais de música para animar a malta.

A Cultura como veículo de exercício de cidadania, de preparação humanística, como um espaço onde conseguimos mudar os paradigmas de uma sociedade, defendendo o passado, mas investindo também no futuro, não se encontra nas propostas para Lagos. Existem sim ideias soltas, que enunciam intenções, sem, no entanto, demonstrarem como as vão concretizar.

Aproveito, portanto, esta ocasião para deixar aqui alguns temas que, num futuro próximo, gostaria de ver debatidos no âmbito cultural:

 

Museu Municipal de Lagos

Este espaço aparece enunciado em diversos programas políticos, com discursos pomposos que pretendem elevar a sua museografia, e tornar aquele num espaço de excelência no programa cultural e turístico da cidade.

Mas a conceção museográfica deste espaço será aquela que menos emerge tratar. Não que seja menos importante, mas por ser consequência de todo um trabalho que falta fazer.

O Museu Municipal de Lagos tem sido gerido de forma pouco eficiente, sem programa nem autonomia. Representa atualmente muito mais uma fonte de receita do que de investimento.

Em Portugal, para pertencer à rede portuguesa de Museus, é necessário reunir uma série de critérios, incluindo a própria definição do que é um museu, conforme o estipulado na Lei Quadro dos Museus Portugueses.

O Museu de Lagos está muito aquém de conseguir reunir as condições necessárias para ser um museu que dê seguimento a esta lei. Começando logo pela sua coleção, que tem que ser conservada e estudada, porque sem estudo das coleções não se pode pensar em museologia, museografia ou em qualquer outra palavra que invoque o Museu.

O Museu de Lagos, para existir como tal, tem que se modernizar, mas não apenas na sua apresentação. Precisa de uma intervenção de fundo, estruturada na ciência e projetada na sociedade, inventariando coleções, para que estas possam estar disponíveis para uso dos investigadores e demais interessados.

Não chega dizer que o Museu é uma prioridade. É preciso prová-lo na prática, com políticas e objetivos bem definidos, regulamentados e devidamente orçamentados.

Porque, de facto, o Museu de Lagos continua algures no século XIX e não é a museografia proposta pela candidatura do PSD que o irá salvar e trazer para o século XXI.

 

Centro Cultural de Lagos

A candidatura da CDU propõe a elaboração de um Plano Estratégico da Cultura, com uma reformulação da gestão do Centro Cultural. Boa proposta esta, contudo só nos falta perceber como pretendem executar tal tarefa. Devo concordar que, sem planeamento, não existe programa de cultura e que só projetando as linhas estratégicas poderemos alcançar objetivos.

O Centro Cultural de Lagos é hoje um espaço à deriva, sem programação cultural eficiente, com uma oferta de baixo nível, pouco crítica e incapaz de participar na construção de uma sociedade mais exigente.

As exposições, espetáculos e demais atividades que ali se apresentam, não podem continuar a ser programadas sem critérios. A programação tem que ser devidamente orçamentada, com clareza de serviço público e regulamentos que permitam um equilíbrio entre as actividades escolhidas pelos programadores, e as propostas pela sociedade.

 

Software Livre

Foi com agrado que encontrei o software livre referenciado. Contudo, as bases que o defendem no âmbito da candidatura do PS são apenas de ordem financeira. O Software livre tem que ser encarado como uma escolha política que revele uma vontade de mudança de princípios profissionais, sociais e culturais.

Adotar software livre é o prenúncio de uma mudança estrutural no modo de funcionamento tecnológico de uma sociedade, nomeadamente, revelando a implementação de uma nova estrutura social digital, com subsequente implicação na cultura dos indivíduos.

Será por isso importante que, caso seja eleita, Joaquina Matos tenha a coragem de vestir esta camisola, incorporando diretivas municipais que exijam uma migração para o software livre, implementando sistemas operativos livres nos computadores e adaptando os sistemas informáticos a uma linguagem mais sustentável e de acordo com uma sociedade que, também nas suas soluções tecnológicas, se quer participativa.

Os dois websites do município precisam de ser fundidos, também eles assumindo o software livre como base, com informação alojada em servidores independentes, abandonado iniciativas desajustadas, tais como a integração no AlgarveDigital.

 

Museu da Escravatura

Um assunto que vem na ordem do dia das campanhas, transversal a quase todos os partidos. Um projeto que promete ser um novo equipamento cultural para a cidade, mas que até agora não provou ter uma estrutura participativa, capaz de enquadrar a comunidade na construção da sua identidade.

Este museu é uma criação burocrática, cozinhada nos bastidores, como foi possível constatar na cerimónia da sua apresentação. O projeto de arquitetura deste museu surgiu como num toque de mágica, respondendo muito mais aos egos institucionais, do que à real necessidade de integrar o museu num projeto de cidade.

São muitas as reticências em relação a este projeto, conforme já tive a oportunidade de escrever aqui. Começando desde logo por partir da construção de uma falsa ideia de que ali existiu um cemitério de escravos. Ali, existiu uma lixeira, onde foram encontrados esqueletos de escravos e deveria ser esse o ponto de partida para uma abordagem ao assunto.

 

Criação artística e bienais de arte

A criação artística aparece neste contexto, mas os desígnios revelam falta de conhecimento.

A candidatura do CDS é aquela que mais me saltou à vista pela negativa, quando se lê nas entrelinhas que o único veiculo de fruição artística e cultural é a música. O PS e o PSD evidenciam a vontade de apoiar as estruturas locais e a CDU pretende retomar a Bienal de Lagos, agora com o nome de Joaquim Bravo.

Acresce que tudo tem o seu tempo e a bienal de Lagos, nos moldes em que existiu, não tem mais enquadramento possível numa sociedade onde as artes, tal como todas as outras áreas, sofreram mudanças estruturais, deixando este tipo de certames de ter o impacto e o vigor de outros tempos.

 

Arte Pública

Este é um assunto preocupante. Como já tive a oportunidade de escrever aqui, a arte pública em Lagos está moribunda. A autarquia há muito que tem os problemas identificados, mas de facto não tem feito nada.

Será necessário desenvolver um plano de recuperação de algumas das obras de arte pública, envolvendo profissionais qualificados. A sua recuperação não pode ser feita sem ter em atenção as especificidades dos materiais, tendo a autarquia o dever de zelar por essas obras e evitar que ela própria se transforme num agente vandalizador.

Falo de casos flagrantes, como a vergonhosa recuperação da escultura de Jorge Vieira, a deslocalização desajustada da escultura de João Cutileiro ou do ato de vandalismo levado a cabo pela autarquia, quando pejou a escultura de Vera Gonçalves com os famosos autocolantes da poupança energética, não tendo até hoje sido tomada nenhuma medida para a sua remoção.

Falo ainda da estátua de El Rei D. Sebastião, que continua com o seu braço a bandear, sem se perceber porque é que, até hoje, não se tomou nenhuma medida que zele pela segurança da obra e dos transeuntes.

 

Em conclusão

É preciso defender o passado, mas é também necessário que se largue as visões nostálgicas e se aposte em novas linguagens e novos criadores. Que se desenvolva a cidade com os seus criativos, provocando o cruzamento com outras linguagens exteriores que tenham a capacidade de se contaminar entre si.

É preciso usar o espaço público com responsabilidade e conhecimento de causa, tendo a ombridade de recorrer a quem percebe, valorizando os profissionais das artes e da conservação e restauro, entre outros. Porque, apesar de muitos artistas trabalharem à borla e as autarquias acharem isso normal, ser artista é uma profissão, consagrada no código das profissões, e merece ser respeitada, tal como todas as outras.

São apenas alguns dos assuntos que com mais ou menos profundidade poderiam ser debatidos, mas parece que essa vontade não tem existido. Porque, afinal, não é preciso ir à bruxa para adivinhar resultados, quando o centro das campanhas deixa de ser o serviço público e passa a ser os interesses e o protagonismo das individualidades que se candidatam.

Dia 29 vamos a votos com uma certeza: no dia 30 permanecerá tudo igual. Porque, parafraseando o que li no Facebook, um povo que elege sem saber onde vota, não é vítima, é cúmplice.

 

Autor: Jorge Rocha é Artista e Produtor independente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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