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A exposição «LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades», que abre hoje, 21 de Junho, no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, mostra mais do que sete milénios da ocupação humana daquele que é o maior concelho do Algarve e um dos maiores do país. Mostra «a alma daquele povo», como salientou Dália Paulo, uma das coordenadoras gerais da exposição.

É que, além dos 504 bens culturais provenientes de 35 dos 154 sítios arqueológicos identificados no território de Loulé – muitos dos quais são aqui mostrados pela primeira vez -, há toda uma secção dedicada às Identidades, onde, em grandes e expressivas fotografias a preto e branco da autoria do arqueólogo Pedro Barros, se mostra os rostos dos achadores e dos guardiões dos objetos e dos sítios que integram a exposição. São rostos de louletanos, portugueses e estrangeiros, gente mais ou menos anónima que tem em comum o amor a esta terra e à preservação da sua memória.

Dália Paulo salienta que o nome da exposição se refere a Identidades e a Memórias, no plural. E estas tanto podem ter a ver com «o sítio arqueológico que é guardado porque é propriedade de um louletano orgulhoso ou com Manuel Viegas Guerreiro, louletano de nascimento, que foi diretor do Museu Nacional de Arqueologia. Há essa ligação especial». Ou seja, «colocamos no palco principal estas pessoas que nos fizeram o favor de guardar este património». A exposição «não enjeita nada disso, antes funde tudo isso. São sítios arqueológico, são objetos, mas são também pessoas».

E há também os cheiros de Loulé: rosmaninho, tomilho, funcho e outras ervas aromáticas, que Antonieta Canteiro, técnica de arqueologia do Museu de Loulé, foi apanhar ao barrocal e levou para Lisboa, a pedido do diretor do Museu Nacional de Arqueologia, António Carvalho. Estes cheiros estarão por lá hoje, na inauguração da exposição, que contará com a presença do ministro da Cultura e outros membros do Governo.

 

Esta mostra resulta de um trabalho de 15 meses de preparação e de cerca de 50 técnicos das mais variadas especialidades e proveniências. Resulta, sobretudo, de uma grande «cumplicidade», como salientou António Carvalho, diretor do MNA, durante a visita para jornalistas, promovida na segunda-feira, na qual o Sul Informação participou.

«É muito interessante como se constituiu uma equipa de geometria tão variável, tão cúmplice. Há aqui 42 autores, cinco comissários, três consultores, uma escritora, três universidades». Mas há muito mais gente envolvida na produção desta exposição, técnicos de ambos os museus, o Nacional de Arqueologia e o de Loulé, num trabalho de «verdadeira cooperação e cumplicidade» como nunca tinha sido feito em nenhuma outra mostra do principal museu arqueológico do país.

António Carvalho sublinhou que a responsabilidade por esta postura foi «a forma como o presidente da Câmara de Loulé se posicionou desde o início. Logo na assinatura do protocolo, fez um apelo para que as duas equipas se juntassem e comungassem de uma bíblia de conceitos. Para a dimensão desta tarefa, foi dada muita liberdade a muita gente! E as pessoas organizaram-se no terreno sem necessidade de intervenção exterior». «É um momento especial o que vivemos aqui!», garantiu António Carvalho.

«As pessoas trabalharam com muita liberdade, envolveram-se, apaixonaram-se», salientou, por seu lado, o presidente da Câmara Vítor Aleixo.

Para além do que, a partir de hoje e durante um ano, vai ser possível ver numa das alas do Museu Nacional de Arqueologia, situado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, esta exposição deixa muitos outros frutos. Para já, segundo Dália Paulo, o número de sítios arqueológicos conhecidos no concelho de Loulé passou de 125 para 154. E todos eles estão agora localizados e registados no Endovélico, o site que inventaria todos os sítios arqueológicos do país.

«Ter toda esta informação sistematizada é muito bom», salientou a coordenadora da exposição.

Outro fruto do trabalho é a «rastreabilidade do espólio arqueológico de Loulé, disperso pelo país, em coleções públicas e privadas», nomeadamente em outros museus, como o Nacional de Arqueologia, o da Figueira da Foz, de Lagos, de Faro, de Silves, entre outros. Foram mapeados mais de 1000 objetos culturais, dos quais 504 estão na exposição.

E foi ainda feito um «investimento na conservação e restauro dos bens que estão aqui», como salientou António Carvalho. Foram restauradas 160 peças, uma aposta que «não serve só para esta exposição, tem a ver com a dignidade do bem e com a sua conservação futura», acrescentou.

Por último, houve espólio que estava entregue a outras instituições e que, por causa desta mostra, passou agora para as mãos do Museu Municipal de Loulé. É o caso das peças do sítio pré-histórico de Corte João Marques, escavado em 1978 pelo arqueólogo Victor S. Gonçalves, comissário científico do Núcleo da Pré-História da exposição, e que, desde finais dos anos 70, estavam guardadas e longe dos olhares do público na UNIARQ, o Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.

 

Tudo isto, salientou o diretor do Museu Nacional de Arqueologia, é «um importante prelúdio para se a Câmara Municipal de Loulé quiser fazer alguma alteração ao seu museu». E a Câmara louletana quer, como anunciou o seu presidente Vítor Aleixo, também presente na visita de jornalistas.

«Este é o bom momento para lançar o projeto do Quarteirão Cultural da cidade de Loulé, que passa pelo alargamento do Museu Municipal, já tendo sido comprado um edifício contíguo», revelou o autarca.

Para já, Dália Paulo não tem dúvidas de que «a realidade museológica de Loulé mudará» a partir desta quarta-feira. Porque esta exposição «vai ser fotografada por milhares de pessoas», visitantes do MNA, vindos de todo o mundo. Aliás, a pensar neles, a mostra está concebida em três línguas.

Mas a acessibilidade será ainda garantida de outras formas: há «peças arqueológicas verdadeiras em que se pode tocar», o que é uma inovação absoluta nas exposições do MNA. E em breve haverá audiodescrição para cegos. «Por favor, toque e sinta, será um dos lemas desta exposição», explicou Dália Paulo.

Além disso, uma especialista da Direção Geral do Património Cultural reescreveu os textos que acompanham a mostra, «para os tornar mais fáceis» para o grande público.

 

Depois da inauguração que está marcada para as 18h30 de hoje, a mostra vai ficar patente durante «pelo menos um ano», como revelou o presidente da Câmara Vítor Aleixo. Hoje, um autocarro cheio de louletanos – entre os quais se contam oito dos achadores e guardiões do património retratados – vai invadir o Museu Nacional de Arqueologia.

Mas o autarca quer que, ao longo deste próximo ano, «esta exposição chegue a cada louletano», prevendo trazer a Lisboa «o maior número possível de pessoas». Isso começará com os alunos das escolas e colégios do concelho que, até Dezembro, visitarão a mostra do MNA.

«Queremos que todos possam ter esta possibilidade de, saindo fora do seu contexto habitual,  se confrontarem com o património arqueológico riquíssimo, que até a mim me surpreendeu, do concelho de Loulé», acrescentou Vítor Aleixo.

Para o autarca, esta mostra é importante para afirmar Loulé para além da sua imagem de município ligado ao turismo e à praia. «Estes sete milénios de história vão surpreender quem visitar a exposição e dar uma nova imagem do nosso território. Mas até os louletanos ficarão surpreendidos. Os louletanos já são pessoas briosas e orgulhosas da sua terra, mas agora irá passar-se de um sentimento difuso a um sentimento comprovado de que esta terra que nos habita tem raízes profundas».

Com a exposição, frisa Vítor Aleixo, «mostramos que somos um povo que trata bem do seu património e que se orgulha dele. Não somos uns quaisquer, somos estes, com esta história!».

Mesmo para os turistas, que, afinal, são o principal motor da economia de Loulé, a exposição será muito útil. «É a oportunidade de lhes mostrar um património que daqui para o futuro está estudado, caracterizado, recuperado, que é uma componente identitária que poderá valorizar muito a oferta turística».

 

Mas não será só em Lisboa que haverá iniciativas ligadas à exposição «LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades». Também «nos locais mais recônditos» do concelho algarvio serão promovidas atividades. «Será uma exposição bidirecional», explica Dália Paulo.

E, ao longo do ano de duração da mostra, haverá no MNA outras atividades que irão manter a iniciativa nas bocas do mundo: será lançado o catálogo, que está a ser impresso pela Imprensa Nacional Casa da Moeda e integra, entre o que é normal num catálogo, textos concebidos especialmente para este fim pela escritora Lídia Jorge, nascida em Loulé. Haverá também lançamento de outras publicações ou palestras e visitas guiadas.

Falta ainda dizer que esta exposição dedicada a sete milénios de ocupação humana no território que hoje é o concelho de Loulé nem sequer esquece os milhões de anos antes de o homem ter aparecido à face da Terra. E assim, antes da entrada na exposição em si, no átrio do MNA, haverá um expositor dedicado às importantes descobertas paleontológicas feitas no interior louletano, na zona da Rocha da Pena. Aí estará, para quem o quiser conhecer em primeira mão, o Metopossaurus algarvensis, um género de salamandra gigante com 227 milhões de anos, espécie nova descoberta no grês da zona da Penina.

«A ideia de fazer esta viagem de milhões de anos foi dada pelo presidente da Câmara Vítor Aleixo, que lançou o repto no sentido de acompanharmos o que se faz, em termos de investigação, no território», explicou o diretor do Museu Nacional de Arqueologia. Este capítulo de «Loulé antes do Homem», salientou António Carvalho, «não faz propriamente parte da exposição, porque até em termos físicos está fora».

Lá dentro, uma ala de mais de 300 metros quadrados do Mosteiro dos Jerónimos dá a conhecer «LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades», apresentando um desenho expositivo inovador, que esteve a cargo da arquiteta Maria Manuela Fernandes.

As peças estão expostas em 10 vitrines e nove ilhas, divididas em três secções e oito núcleos. A secção Territórios apresenta o concelho na sua diversidade entre o Litoral, a Serra e o Barrocal, através de fotografias de grande formato, da autoria de Pedro Barros.

Na secção Memórias, são apresentados, por ordem cronológica, seis núcleos (Pré-história, Proto-história, Romano, Antiguidade Tardia, Islâmico e Medieval) e por fim, na secção Identidades são revelados os rostos de achadores, cuidadores e doadores de bens culturais de Loulé.

Além das vitrines e das ilhas, oito LCD estão espalhados pela galeria este/oeste do Mosteiro dos Jerónimos, para dar informação detalhada sobre os vários núcleos, e duas molduras digitais colocam em destaque cada um dos dois conjuntos de moedas que são apresentados.
Do grupo de cinco comissários científicos fazem parte Victor S. Gonçalves (pré-história), Amílcar Guerra (proto-história), Catarina Viegas (época romana), Helena Catarino (período islâmico) e Luís Filipe Oliveira (época medieval).

 

E o que poderá ser visto nesta ala do Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa?

Por exemplo, o fragmento de uma queijeira com cinco mil anos, encontrada no povoado pré-histórico de Corte João Marques, em cujos orifícios os técnicos de laboratório ainda encontraram resquícios de matéria gorda do leite.

Ou estelas gravadas com a escrita do Sudoeste, cujos caracteres se sabe serem derivados do alfabeto fenício, mas que os investigadores ainda não conseguiram decifrar. Ou ainda três esqueletos emaranhados, tal como foram descobertos numa sepultura da Idade do Bronze, encontrada na Vinha do Casão, em Vilamoura.

Ou escuras sementes de trigo e de bolota, da época islâmica, encontradas no Castelo de Salir. Ou mesmo uma enorme vértebra de baleia, com marcas de corte, da mesma época, descoberta na zona da Quinta do Lago por Rui Almeida, arqueólogo e comissário executivo do Museu Municipal de Loulé , que poderá resultar de um animal capturado no mar ou que tenha dado à costa.

Ou a mais antiga ata de vereação que se conhece no país (documento do Arquivo Municipal de Loulé), datada de 1384. Esta é, aliás, para o edil Vítor Aleixo, a peça que escolhe entre as 504 desta exposição. «É a mais antiga ata de vereação conhecida em Portugal, um testemunho vivo da democracia local», um «documento riquíssimo, que vai estar ali para o país inteiro olhar», salienta o autarca.

Na segunda-feira, a dois dias da abertura da exposição, enquanto arqueólogos e outros técnicos, dos Museus Nacional de Arqueologia e de Loulé, se afadigavam nos pormenores (quase) finais da montagem desta viagem de sete mil anos pelas origens de Loulé, o presidente da Câmara Vítor Aleixo fez questão de afirmar que se trata «talvez do acontecimento cultural mais importante do concelho de Loulé nos últimos 40 ou 50 anos».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

 

 

«Loulé. Territórios, Memórias, Identidades»

Local: Museu Nacional de Arqueologia, Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa

Horário: De terça a domingo, das 10.00 às 12.00 e das 14.00 às 18.00
Até 30 de dezembro de 2018

Entrada: 5 euros; 2,5 euros para estudantes, seniores, famílias numerosas e bilhete família; gratuito no primeiro domingo do mês, até aos 12 anos e para pessoas com mobilidade reduzida.

 

 

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