Um Museu acessível é muito mais do que um edifício onde qualquer pessoa pode entrar, fisicamente. É um espaço onde cada vez mais pessoas, de todos os géneros, idades e condições sociais, querem entrar e onde desejam voltar por diversas vezes ao longo das suas vidas. No fundo, trata-se de mudar o paradigma «de público para utentes» dos museus, ilustrou Dália Paulo, diretora regional de Cultura do Algarve.
«Museus e Acessibilidades», com o segundo mote a referir-se a esta perspetiva mais ampla, foram o tema do I Encontro Transfronteiriço de Profissionais de Museus, que juntou em Alcoutim responsáveis e funcionários de museus de Portugal e Espanha, no passado fim-de-semana.
Dália Paulo, Rui Parreira, diretor de Serviços de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg), e Pedro Nascimento, do secretariado do encontro, foram os convidados desta semana do programa radiofónico «Impressões», dinamizado em conjunto pelo Sul Informação e pela Rádio Universitária do Algarve. A entrevista foi para o ar ontem quarta-feira e pode voltar a ser ouvida na íntegra no sábado, às 12 horas, em 102.7 ou no site da RUA FM.
A DRCAlg e a Associação Transfronteiriça Alcoutim Sanlúcar (ATAS) foram os parceiros das associações Portuguesa de Museologia e de Museólogos y Museógrafos de Andalucía, que lançaram esta iniciativa com o objetivo de agrupar e aumentar a qualificação dos profissionais que trabalham em museus e organismos afins, com o objetivo de elevar o nível dos serviços técnicos prestados a essas entidades e, através delas, à sociedade.
«Nós, quando falamos de acessibilidades, pensamos logo em pessoas com mobilidade reduzida e pessoas que têm alguma dificuldade. Mas este encontro visou vários tipos de acessibilidade, ou seja, pretendeu debater o museu como um espaço em que tudo tem que ser acessível. E estamos a falar dos conteúdos, quer dos virtuais, quer dos das exposições, e a forma como se dá a ver esse conteúdo», enquadrou Dália Paulo. Um tema muito atual, que «era importante trazer aqui a este espaço transfronteiriço».
«Há um museólogo e arquiteto espanhol que diz que, se as pessoas não vão aos museus, temos de nos encontrar com elas nas ruas e chamá-las para dentro dos museus. E isso também é acessibilidade. Falar, expressar e apresentar o museu como uma instituição que faz parte da sociedade, que quer estar com as pessoas e não é algo onde vamos só uma vez na vida», acrescentou.
«Os museus são como as pessoas. Há aqueles mais acessíveis e outros menos. E quando falamos em pessoas acessíveis são aquelas mais abertas para nos ouvir, para comunicar connosco…pessoas disponíveis. Com os museus passa-se o mesmo, têm de estar disponíveis. Já não se fazem museus para as pessoas, fazem-se com as pessoas», reforçou Rui Parreira
Esta nova visão pode ser resumida à imagem de «ter um museu que comunica», o que, com os avanços tecnológicos e os hábitos de acesso ao conhecimento e cultura que potenciaram, obriga a que essa comunicação se faça «24 sobre 24 horas». «Temos de estar mais atentos, chegar mais às pessoas e usar uma linguagem compreensível», disse a diretora regional de Cultura.
Uma mensagem compreensível não deve, ainda assim, ser confundida com um discurso infantilizado ou simplista. Mediar o discurso puramente cientifico para uma linguagem universal é o grande objetivo, mas sempre sem perder o rigor e qualidade da mensagem que se pretende transmitir.
Só conservar não basta
Como em todas as áreas, sempre que há necessidades de mudança e adaptação ao progresso, nos Museus também há os chamados «Velhos do Restelo», embora Dália Paulo tenha garantido que no encontro «não viu lá nenhum».
Neste campo, Rui Parreira tem uma ideia bem definida. «Há resistências nos museus e há sobretudo duas situações que marcam muito a vivência das equipas que neles trabalham. Uma delas tem por base a perspetiva que os museus existem essencialmente para conservar as suas coleções».
«Ainda há pouco tempo ouvi um diretor de Museu dizer que, mesmo que todos os outros serviços fechassem, como consequência da crise, a obrigação que o museu teria era a conservação das suas coleções. Podia fechar serviços, exposições, o público poderia de deixar de lá ir. Aquilo que o museu tem de fazer como sua prioridade máxima é conservar a coleção que lhe foi confiada, no melhor estado possível, para a legar às gerações futuras. Isto, sendo inquestionável, é uma forma de resistência», considerou Rui Parreira, que adiantou que uma visão puramente conservadora e «de entrincheiramento» dos museus «está totalmente ultrapassada».
«Outro aspeto é o medo de usar as novas tecnologias, algo que tem que ver também com a incapacidade de o museu se assumir como mediador. Muitas vezes assistimos, em exposições, que se passa diretamente do cientista para o museógrafo, sem passar pelo museólogo. Ou seja, a linguagem que se vai colocar à disposição dos utentes de uma exposição é criada, trabalhada e elaborada pelo cientista, que não admite que haja um editor do seu trabalho, porque aquela é que é a verdadeira essência. Portanto, são exposições que consistem em painéis e texto, aquilo que eu costumo chamar de livros em pé», acrescentou Rui Parreira.
«As pessoas têm de ver utilidade nos museus para as suas vidas. Quando se fala em acessibilidade é, precisamente, tornar universal o conhecimento que se produz e transmite através dos museus, não só tornar o espaço fisicamente acessível», resumiu.
Para comunicar bem tem de se envolver os destinatários
Uma das intervenções do Encontro Transfronteiriço de Profissionais de Museus foi ligada à comunicação para surdos e autistas. «Há experiências curiosas de como, em alguns museus franceses, começaram a ser preparadas visitas comentadas para surdos. Fizeram-no com os próprios surdos, ou seja, usando a linguagem para surdos e envolvendo os portadores de deficiência no trabalho do museu», começou por dizer Rui Parreira.
No encontro, foi apresentada uma experiência espanhola, de uma Fundação que «desenvolveu uma aplicação interativa de comunicação para surdos», que se baseia, «em texto visualizável». Uma solução que tem vindo a ser aplicada «não só em museus, mas também em palácios e fortalezas» do país vizinho.