O sector da cultura, onde se incluem as artes, tem sido bastante desconsiderado durante a crise dos últimos tempos. Não só administrativa e politicamente falando, pela perda do defunto Ministério da Cultura, mas também pelos sinais que vão sendo dados pela sociedade. Estruturas a fechar, trabalhadores no desemprego e os sonhos cativos.
Ao Estado, cabe desenvolver políticas de fomento cultural, através dos seus diversos organismos, onde se inclui a DGArtes e os seus programas de apoio. Para tal, é importante manter uma monitorização constante do impacto desses programas e perceber como são aplicados no terreno. É por isso necessário dotar os organismos com trabalhadores qualificados, escolhendo cidadãos que, para além de serem técnicos, consigam comunicar com os agentes culturais, informados da realidade artística e cultural nacional e internacional.
Neste aspeto, o panorama que observo diz-me que existe ainda um longo caminho a percorrer, pois os escassos quadros técnicos de muitos organismos não permitem muitas vezes aplicar as políticas desejadas, quer pelo número reduzido de mão de obra, quer muitas vezes por profunda ignorância de técnicos que se instalaram na função pública, alheios à causa cultural e falando em seu nome, como se dela fossem especialistas.
Muitos dos que trabalham no sector da cultura saberão do que falo, e saberão também que, a contrastar com aqueles que tiveram a oportunidade de ingressar numa carreira no sector da cultura, temos uma enormidade de profissionais a viver no limiar da pobreza, com salários intermitentes e sem qualquer compromisso laboral com estruturas culturais, que, asfixiadas pelos cortes, não conseguem dar resposta a salários justos e dignos.
O anúncio feito esta semana pela DGArtes, para contratação de pessoal qualificado, diz-nos muito sobre este assunto. Fala-nos tudo aquilo que já sabíamos. O Estado é o primeiro a criar mecanismos de exploração dos trabalhadores, criando a precariedade de que tanto se fala.
Esta política do dizer descaradamente o que antes se julgava impensável vem-se tornando uma prática comum. Falando no megafone todos os dias, amplifica-se a barbárie e tornamo-la comum e aceite por todos.
Diz o anúncio de emprego da DGArtes que a “A Direção-Geral das Artes (DGArtes) convida ao envio de candidaturas para integrar as Comissões de Acompanhamento e de Avaliação das atividades desenvolvidas pelas entidades artísticas beneficiárias dos programas de apoio financeiro às artes em curso, nas vertentes Área Artística e Gestão Cultural.”, enumerando depois todas as atribuições do cargos que pretende ver preenchidos.
As pessoas a contratar terão que ter a seu cargo “a responsabilidade de monitorizar o cumprimento dos propósitos culturais que estão no fundamento dos apoios atribuídos em todas as áreas artísticas, bem como a incumbência de acompanhar e avaliar a execução dos programas no que concerne à gestão cultural” o que quer dizer, neste caso, o acompanhamento de 10 ou mais entidades e verificação do “cumprimento dos objetivos culturais e artísticos que justificaram a atribuição dos apoios”.
A necessidade de ter técnicos a acompanhar e avaliar as estruturas apoiadas é um fator importante, no entanto a solução não pode assentar no trabalho precário e na criação de um concurso tão aberrante quanto este.
Nenhum técnico de cultura irá desempenhar um trabalho capaz, mesmo que em part-time, com um ordenado de 400 euros por mês (com extra de 20 euros por cada entidade) num regime de prestação de serviços, e sem que se saiba à partida as contrapartidas dadas em termos de condições de trabalho e despesas de deslocação. Se, no caso do Algarve, as estruturas apoiadas estão sediadas em várias cidades, não será nos gabinetes das Direções Regionais de Cultura que este profissionais irão passar todo o seu tempo.
Propor isto a um profissional de cultura é no mínimo insultuoso. Aceitar uma proposta destas é sinónimo de desespero.
Autor: Jorge Rocha
Artista e Produtor independente