São quatro escavações, com níveis de profundidade e larguras diferentes (dependendo do que for sendo achado), mas com o mesmo objetivo: descobrir o que resta da cidade romana de Balsa, na zona da Luz de Tavira. Por agora, apenas uma está ativa, mas, até final de Maio, todas serão abertas por arqueólogos da empresa Archaeofactory. Pedaços de cerâmica, nomeadamente de telhas e de uma canalização, e aquilo que aparenta ser a estrutura de um muro, são os principais achados até agora, «mas ainda há muito a fazer».
É que esta é, mesmo, uma fase muito embrionária de todo o projeto. E nem as descobertas até agora feitas são «algo de muito relevante, mas apenas indícios», segundo explicou Vítor Dias, um dos coordenadores científicos dos trabalhos, ao Sul Informação.
Estes trabalhos arqueológicos, pagos pela empresa espanhola que, em Novembro de 2015, começou a instalar estufas de frutos vermelhos na Quinta da Torre D’Aires, que se situa na zona daquilo que se julga ter sido a antiga cidade portuária romana de Balsa, fazem parte das «medidas de salvaguarda e minimização de impactes» sobre este património, exigidas pela Direção Regional de Cultura do Algarve.
Esta entidade, bem como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, embargaram, em Novembro de 2015, os trabalhos agrícolas em curso, por estarem a ser feitos sem qualquer autorização. Para avaliar se o investimento agrícola pode ou não avançar, onde, e que impacto já teve nas estruturas arqueológicas que se sabe existirem na zona, foram exigidos pela Direção Regional de Cultura estes trabalhos.
No total, são seis os arqueólogos da empresa especializada portuguesa Archaeofactory que estão, literalmente, “no terreno”, mas para tal já houve trabalhos antes. «Na zona A [onde não haverá trabalhos de escavação], efetuou-se uma prospeção arqueológica sistemática, visual, da superfície. Já na zona B, foi feita uma prospeção geofísica, através de deteção remota», explica Tiago Dores.
Como na zona B, que é a Sul, há mais indícios de possíveis achados arqueológicos de Balsa, foram usadas aí duas metodologias.
Uma é a prospeção gradiométrica, que faz uma leitura passiva das alterações magnéticas, capaz de detetar qualquer material com massa metálica (comum a toda a área), e outra é a prospeção por geo-radar, que é mais ativa, porque faz uma espécie de radiografia ao subsolo. Este método foi usado nas zonas em que a gradiometria detetou mais indícios, no fundo para conseguir mais dados para saber onde a escavação arqueológica propriamente dita deveria avançar.
Feitas as análises, e com base nos resultados, definiram-se quatro pontos, sempre na zona B, um mais a leste, outro mais a oeste, outro mais a Norte e um mais a Sul, para se fazer as escavações nos locais em que as sondagens anteriores detetaram «mais anomalias».
E neste caso «anomalias» tanto podem significar achados arqueológicos… como não. «Só a verificação no terreno é que nos dá factos científicos», explica Tiago Dores. Apesar de, quando a reportagem do Sul Informação visitou o local, ainda haver pouca informação resultante das escavações, a esperança secreta dos arqueólogos é que as anomalias resultem mesmo em achados…
Por exemplo, na zona na qual se está a escavar (quando o Sul Informação visitou Balsa os trabalhos iam em 1 metro e 20 centímetros de profundidade de um lado e 80 centímetros de outro, numa escavação de 3 metros por outros 3) a prospeção geofísica detetou haver algo que poderia ser interpretado como um caminho, já que as linhas até eram paralelas.
A escavação começou, mas na realidade «eram marcas de ripper» de um trabalho agrícola. Portanto, os resultados da escavação no terreno acabam por revelar, por vezes, dados bem diferentes do que se esperava.
No entender de Vítor Dias, esta realidade acentua-se ainda mais por uma razão: «eu ouço falar de Balsa desde os tempos de faculdade. Toda a gente diz que era uma [cidade romana] fantástica, enorme, mas na verdade não se sabe nada de concreto». Também por isso «temos de saber gerir aquilo que é uma expetativa de décadas e aplicar sempre metodologia científica», acrescenta.
Aliás, no estado atual da investigação nem sequer se sabe ainda, com todo o rigor, se a cidade romana de Balsa se situava mesmo aqui. «Há registos que indicam que existiria algures no Algarve uma cidade romana que se chamava Balsa. Mas se é aqui não há nada que o prove em definitivo. Há especulações que deram origem a publicações e livros, mas são interpretações a partir de material arqueológico recolhido e de imagens aéreas e de alinhamentos, que valem o que valem», salienta Vítor Dias.
Na verdade, nunca houve um trabalho arqueológico sistemático para definir, de uma vez por todas, se é ali na zona da Torre d’Aires, quase à beira da Ria Formosa, que se situava Balsa. O resultado da intervenção arqueológica atual pode dar uma boa ajuda, ou seja, «pode levar-nos a perceber se de facto há aqui estruturas, a sua expansão e o que são», acrescenta o investigador.
«Nesta fase do trabalho, quando encontramos algo, pensamos: o que é? Que estrutura é? Que função tinha? Na verdade, não conseguimos saber por agora: este estudo é de diagnóstico», atira, por sua vez, Tiago Dores. E só após estas escavações de diagnóstico estarem concluídas é que a tutela irá decidir se é preciso mais investigação no terreno, ou seja, mais escavações, ou não.
Tudo o que está agora a ser feito segue um caderno de encargos da tutela, – neste caso, a Direção Regional de Cultura do Algarve. Aliás, para qualquer mudança nos trabalhos, que poderá acontecer caso se encontre algo de relevante, é precisa a autorização daquela entidade.
Um dos pontos importantes prende-se, também, com o estado de conservação de possíveis achados. «O índice de preservação é crucial. Tivemos trabalhos agrícolas aqui nas últimas quatro décadas, o que, de certeza, influenciou o estado» de conservação dos vestígios arqueológicos, explica Vítor Dias.
É que os últimos trabalhos arqueológicos feitos na zona que se pensa ter sido Balsa datam de 1976, mas a zona continuou sem nenhuma proteção eficaz durante estes mais de 40 anos. Tendo em conta que esses trabalhos agrícolas foram feitos com maquinaria pesada, muita coisa terá sido destruída. E os mais recentes trabalhos, de instalação das estufas de frutos vermelhos, também poderão ter dado a sua ajuda na destruição.
Por isso, o arqueólogo lança fortes críticas: «Palmira foi bombardeada e ficámos muito indignados, mas a afetação mecânica dos sítios, como aqui em Balsa, também é violenta. Apenas é mais silenciosa». Ou seja, durante décadas nenhuma entidade oficial se preocupou com a destruição que aqui estava a ocorrer.
Por agora, os trabalhos vão continuar, sempre na expetativa de encontrar verdadeiros tesouros arqueológicos de Balsa (e bem conservados). Para o futuro… «nada está definido», diz Vítor Dias. Será, sempre, a Direção Regional de Cultura a decidir o futuro, que poderá passar por outras escavações, ou novas sondagens, por exemplo.
As incertezas são muitas, mas o arqueólogo Tiago Dores, de colherim na mão e capacete na cabeça, garante, entre risos: «vamos escavar até ser cientificamente válido que não há lá mais nada. Isto é um pouco como jogar à batalha naval e acertar logo no porta aviões».
Os trabalhos em Balsa
Segundo a Direção Regional de Cultura, «pela primeira vez em quase quatro décadas, após a abertura do processo administrativo de proteção da Cidade Romana da Balsa na Direção-Geral do Património Cultural (em 1977), 16 anos após a classificação de parcelas da cidade antiga como Imóvel de Interesse Público (em 1992) e cinco anos após a criação da respetiva Zona Especial de Proteção (em 2011), estão em curso trabalhos científicos com caráter multidisciplinar, extensivo e inovador na quinta da Torre d’Aires».
Estes trabalhos são dirigidos pelos arqueólogos Vítor Dias e Jorge Freire, com coordenação científica dos professores João Pedro Bernardes, da Universidade do Algarve, e Vasco Mantas, da Universidade de Coimbra, e incluíram já trabalhos de prospeção realizados por Helmut Becker (1ª fase) e Cornelius Meyer (2ª fase), dois reconhecidos especialistas em geofísica aplicada à arqueologia.
Em Novembro do ano passado, a Direção Regional de Cultura salientava que «se encontram finalmente reunidas as condições para, com base nos dados concretos (ou seja na ‘evidência empírica’) dos mapas geofísicos, do rigoroso mapeamento da dispersão dos materiais à superfície do terreno e das estruturas identificadas, decorrentes da intervenção arqueológica agora em curso, poder proceder a uma redefinição dos limites do imóvel classificado».
Para isso, a entidade anunciava que iria propor «em breve», à Direção Geral do Património Cultural, a «abertura de um procedimento de ampliação da classificação da ‘Estação Arqueológica Romana da Luz’ como Sítio de Interesse Público, abrangendo a totalidade das áreas onde se localizam vestígios efetivamente documentados pelos trabalhos arqueológicos, com definição das restrições a que o uso do solo deverá ser sujeito, e, simultaneamente, procedendo à delimitação de nova ZEP, igualmente com definição de restrições de uso do solo».
Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação