As obras da nova ETAR da Companheira, em Portimão, não colidem, pelo menos para já, com os importantes achados arqueológicos que foram feitos na zona e por isso podem continuar.
Este foi, em resumo, o resultado da reunião que teve lugar, no local da obra, na sexta-feira passada, com técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Direção-Geral do Património Cultural (ex-Igespar), do Centro Náutica de Arqueologia Náutica e Subaquática, da Direção Regional de Cultura, da Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão, do empreiteiro e ainda do dono da obra, a empresa Águas do Algarve.
De tal forma que, garantiu Teresa Fernandes, porta-voz da Águas do Algarve, e constatou o Sul Informação no local, «as obras de construção da Nova ETAR da Companheira continuam a bom ritmo».
Mas isso não impede que haja agora cuidados acrescidos. Rui Parreira, diretor de serviços de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura, disse ao nosso jornal que, na sequência da reunião, foram «asseguradas medidas de salvaguarda adequadas ao que se sabe que lá está».
Como o Sul Informação noticiou na semana passada, em primeira mão, uma gruta com vestígios de ocupação humana do Paleolítico Médio, de há mais de 40 mil anos, atribuíveis ao Homem de Neandertal, foi descoberta junto ao terreno onde há um mês começou a ser construída a ETAR da Companheira, na margem da ribeira de Boina, afluente do Arade, em Portimão.
«Foi identificada uma abertura na frente exposta da Estrada nacional 125, a qual está fora do perímetro da obra de construção da nova ETAR da Companheira, não tendo qualquer interferência com a obra», admitiu a porta-voz das Águas do Algarve, que não adiantou mais pormenores, considerando que «esta abertura está fora» dos seus terrenos, pelo que a empresa não é «a entidade que se pode pronunciar» sobre este assunto.
Só que, dias depois da descoberta dessa primeira gruta, onde uma primeira visita preliminar dos arqueólogos permitiu identificar artefactos talhados em pedra e atribuíveis ao Homem de Neandertal, foram detetadas duas novas cavidades, já situadas no terreno que está a ser alvo das obras. No entanto, segundo as Águas do Algarve, «considerando as características cársicas [calcárias] do terreno», essas cavidades «per si não têm significado especial».
Ainda assim, revelou Teresa Fernandes, «estamos neste momento a desenvolver estudos de levantamento do maciço, através de perfis geo-elétricos. Estes estudos têm a duração aproximada de um mês e possibilitam a obtenção de informações mais conclusivas».
Por outro lado, o nosso jornal apurou que a empresa Archeofactory, contratada pelo empreiteiro para fazer o acompanhamento arqueológico, vai reforçar a sua equipa com um especialista em espeleologia e um arqueológo da Pré-História.
«Existe em permanência em obra, uma equipa de arqueólogos, aprovada pela Direção Geral do Património Cultural, para relatar todos os possíveis vestígios de presença humana em tempos remotos», acrescenta a porta-voz das Águas do Algarve, salientando que «este procedimento, que é sempre seguido, permite que os trabalhos de construção se concretizem, mantendo o respeito pela existência de evidências de outras utilizações dos espaços».
«A atuação conjunta do empreiteiro e das várias entidades culturais que regulamentam e aprovam a atividade de construção sempre permitiu à Águas do Algarve realizar os trabalhos fundamentais para a manutenção ambiental, tão necessária de preservar, respeitando todas as regras que corretamente lhe são impostas pelas referidas autoridades», acrescenta a empresa, que reitera «a disponibilidade e colaboração com as várias entidades ligadas a este processo, para que conjuntamente todos possamos atingir os objetivos a que nos propomos, com a maior qualidade de serviço e respeito patrimonial».
A descoberta dos artefactos líticos atribuíveis, pelo seu tipo, ao Homem de Neandertal, está a entusiasmar a comunidade arqueológica e científica. Nuno Bicho, arqueólogo especialista na Pré-História e professor da Universidade do Algarve, adiantou ao Sul Informação que «foram encontrados, apenas numa intervenção de sondagem inicial, ossos de animais e utensílios em pedra talhada», com características atribuíveis a uma ocupação do Paleolítico Médio, feita pelo Homem de Neandertal.
«É uma cronologia muito rara no Algarve», garantiu Nuno Bicho, que é também responsável pelo projeto de levantamento do potencial arqueológico das grutas do Algarve. «Não temos assim tantas jazidas bem preservadas» desta época remota, salientou. Por isso, a descoberta acidental desta gruta da Companheira é «uma boa oportunidade para conhecer melhor» a ocupação feita pelo Homem de Neandertal no Sul do país.
Apesar de a gruta não estar situada, ao que se sabe, em zona que possa ser afetada pelas obras da ETAR da Companheira, falta ainda definir com rigor «se essa gruta tem ou não comunicação com as outras cavidades e quais as suas ramificações».
Daí que os trabalhos prossigam, mas com os devidos cuidados. E dentro de um mês, quando foram conhecidos os resultados dos tais estudos de levantamento do maciço, através de perfis geo-elétricos, a questão será de novo reavaliada pelas várias entidades envolvidas, nomeadamente as com tutela nos aspetos de ambiente e de património.