O Festival Terras sem Sombra de Música Sacra do Baixo Alentejo inicia a sua 12ª edição no próximo sábado, dia 27, às 21h30, no espaço de uma obra-prima da arquitetura alentejana: a igreja de Santo Ildefonso, matriz da vila de Almodôvar.
«Como as Árvores na Primavera: Avison, Avondano, García Fajer» é o título deste concerto de abertura, que reúne a orquestra barroca Divino Sospiro, sob a batuta de Massimo Mazzeo, e duas sopranos portuguesas que triunfam nos palcos internacionais, Bárbara Barradas e Joana Seara, mostrando o alcance que o belcanto conhece entre nós, graças ao esforço de novas gerações de artistas líricos que unem o talento a uma preparação técnica invejável.
«Quando tanto se fala de indústrias artísticas, o seu exemplo é digno de grande atenção – e muito apreciado pela crítica e pelo público», salienta a organização do Festival Terras sem Sombra.
“Os Divino”, como simpaticamente são apelidados no meio artístico, ocupam hoje um lugar incontornável na vida cultural portuguesa, sendo reconhecidos pela sua entrega, pela sua curiosidade e, mais ainda, pela forma viva e intensa como abordam o desafio da interpretação musical historicamente informada.
Desde a fundação, em 2004, este ensemble tem-se apresentado em importantes palcos nacionais e internacionais, sendo enaltecido pelos serviços prestados à causa da nossa música.
O trabalho de investigação e recuperação do património musical português (ou ligado a Portugal), nomeadamente do século XVIII, constitui uma das prioridades de Massimo Mazzeo, irradiando hoje, com fulgor, a partir do Centro de Estudos Musicais Setecentistas, que tem a sede no Palácio Nacional de Queluz.
É um pouco desta atmosfera singular, entre o Barroco e o Rococó, sob a influência renovadora da arte italiana, que poderá escutar-se em Almodôvar, numa iniciativa levada a cabo em parceria com o município local.
Lembrando a tradição italianizante, o concerto de Almodôvar estabelece um triângulo cheio de virtuosismo entre um mestre inglês, outro português e outro espanhol: Charles Avison (1709-1770), brilhante continuador, em terras de Sua Majestade Britânica, do legado de Domenico Scarlatti, mas pouco conhecido – e ainda menos ouvido entre nós –; Pedro António Avondano, nascido em Lisboa em 1714 e também aqui falecido em 1782, mas de ascendência italiana, excelente compositor e intérprete que o ensemble Divino Sospiro tem ajudado a redescobrir; Francisco García Fajer (1730-1809), mestre-de-capela da catedral de Saragoça e autor, entre outras, de uma peça-chave do repertório europeu, Las Siete Palabras de Cristo en la Cruz.
Juan Ángel Vela del Campo, o diretor artístico do Terras sem Sombra, enfrenta assim «o passo prévio para a “grande viagem” artística que o festival desenha em 2016 e tem, nesta edição, como país convidado, o Brasil. Fá-lo através de uma evocação coerente do pano de fundo em que a música brasileira bebeu as suas raízes, um encontro entre a valentia da música italiana, onde não faltam ressonâncias operáticas, mas profundamente espiritual, e uma sensibilidade mais ibérica. Tudo isto resulta num conjunto de excecional beleza, cheio de emoções, que apela ao que há de mais fundo na alma humana. Ponderadas as notáveis condições acústicas da igreja matriz de Santo Ildefonso, um belo espaço que une o requinte arquitetónico a uma ornamentação em que impera a talha dourada e polícroma, tudo promete um concerto de referência». A apresentação do monumento corre a cargo de José António Falcão, diretor-geral do Festival.
No fio da navalha: Conciliar o Montado com a Agricultura e a Pastorícia
Um dos traços essenciais do Terras sem Sombra assenta na trilogia Património-Música-Natureza. Após cada concerto – todos os espetáculos ocorrem nos serões de sábado –, artistas, espetadores e membros das comunidades locais “arregaçam as mangas” e, domingo, pela manhãzinha, estão ativos no terreno, em ações ao serviço da defesa da biodiversidade, tendo por palco diferentes espaços naturais dos concelhos visitados.
Isto representa uma importante oportunidade para conhecer o património natural e cultural desta região, que apresenta alguns dos mais altos índices de preservação da Europa do Sul.
Assim, no dia 28, às 10h00, realiza-se a atividade No Fio da Navalha: Conciliar o Montado com a Agricultura e a Pastorícia, com o objetivo de contribuir para a valorização do montado português, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
Trata-se de uma sessão prática de demonstração do método que se deve aplicar na poda de quercíneas (sobreiros e azinheiras). A atividade visa a intervenção num projeto de arborização jovem, permitindo compreender a essência da engenharia florestal, avaliar densidades de povoamento, medir árvores e executar podas de formação.
Será também um fórum para se refletir sobre questões candentes, como a das alterações climáticas, cujo efeito na agricultura se está a revelar preocupante. Almodôvar é, aliás, um concelho que se distingue pela beleza das suas paisagens e pelos seus contributos para a salvaguarda da biodiversidade.
De entrada livre, o Festival é organizado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, prolonga-se até 2 de Julho, e segue para Sines, Santiago do Cacém, Ferreira do Alentejo, Odemira, Serpa, Castro Verde e Beja, sob o título Torna-Viagem: o Brasil, a África e a Europa (Da Idade Média ao Século XX).