A intenção de candidatar Sagres ao estatuto de Paisagem Cultural da Humanidade foi apresentada esta segunda-feira, pelo presidente da Região de Turismo do Algarve e pela diretora regional de Cultura, numa reunião em Lisboa com o presidente da comissão nacional da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Já em 2002, a Região de Turismo do Algarve, então presidida por Paulo Neves, tinha entregue na Comissão Nacional da UNESCO o pedido de inscrição de Sagres na Lista Indicativa do Património Mundial, com a respetiva ficha de inscrição e correspondente dossiê de fundamentação da pretensão. mas o processo acabou por ficar pelo caminho, apesar do muito trabalho feito. É que as objeções daquela Comissão, que pretendia uma candidatura mais abrangente, inviabilizaram o processo e a intenção de candidatura acabou por ser abandonada.
Para já, esta primeira reunião foi apenas «exploratória», para «dar a conhecer a nossa intenção, pedir informações e esclarecimentos sobre o processo, partilhar preocupações», revelou Desidério Silva, presidente da comissão executiva da RTA, em declarações ao Sul Informação.
«Fomos a Lisboa apresentar a nossa intenção de realizar uma candidatura a Paisagem Cultural da Humanidade, que engloba os valores naturais e patrimoniais de Sagres. Ao contrário da anterior candidatura, esta será centrada na região de Sagres exclusivamente», explicou, por seu lado, Dália Paulo, diretora regional de Cultura do Algarve.
«Alguns dos pressupostos que deram forma à candidatura de 2002/2004, entretanto já foram alterados, assim como os trâmites necessários, pelo que teremos de reiniciar o processo e reorientá-lo», esclareceu Desidério Silva. De tal forma que, desta vez, os promotores da candidatura querem a sua inscrição como «Paisagem Cultural Associativa».
«Queremos que seja uma proposta consistente tecnicamente e que, do ponto de vista científico, esteja muito bem fundamentada», disse ainda Dália Paulo. Ou seja, em termos de âmbito geográfico, desta vez a candidatura até poderá ser mais modesta, mas os seus promotores – a Região de Turismo, a Direção Regional de Cultura e a Câmara Municipal de Vila do Bispo – preferem que seja mais «consistente» do ponto de vista técnico e científico, para que o processo possa efetivamente avançar e não acabe remetido para uma gaveta, como aconteceu com a anterior intenção de candidatura.
«Há um trabalho e processo longo a cumprir. Creio que temos pela frente uns cinco anos de trabalho», acrescentou a diretora regional de Cultura.
Neste processo, sublinhou Desidério Silva, além do organismo a que preside, da Direção Regional de Cultura e da Câmara de Vila do Bispo, que serão os motores da candidatura, há a intenção de envolver «muitas outras entidades públicas, como o ICNB, mas não só, bem como entidades privadas». «Será um processo que exigirá muito trabalho sério, uma grande dose de paciência e persistência e muita intervenção no terreno», disse o presidente da RTA.
A candidatura terá como centro a Fortaleza de Sagres e um território envolvente, cujos contornos serão definidos no âmbito do processo.
Porque é que Sagres merece ser Paisagem Cultural da Humanidade?
O Turismo do Algarve entregou, no dia 15 de Novembro de 2002, ou seja, há quase onze anos, na Comissão Nacional da UNESCO, o pedido de inscrição de Sagres na Lista Indicativa do Património Mundial, com a respetiva ficha de inscrição e correspondente dossiê de fundamentação da pretensão.
No entanto, a Comissão Nacional da UNESCO suscitou observações que inviabilizaram uma candidatura limitada à região de Sagres, preconizando a sua integração numa candidatura mais ampla que, no entender da Comissão, se oferecia como mais suscetível de recolher parecer favorável do Comité do Património Mundial.
A Região de Turismo do Algarve solicitou a reanálise da candidatura, mas a posição da Comissão foi reiterada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, do qual depende o presidente daquele organismo, dois anos depois, em 11 de novembro de 2004. O processo foi então abandonado.
Mas o processo volta agora a ser reativado, recentrando-o em Sagres.
Segundo o Memorando sobre a candidatura de Sagres a Património Mundial, a que o Sul Informação teve acesso, são invocados como «Critérios de Valor Universal Excecional para a inscrição de Sagres», aplicáveis neste caso, o facto de esta zona estar «direta ou materialmente associada a acontecimentos ou a tradições vivas, a ideias, a crenças, ou a obras artísticas e literárias com um significado universal excecional», de «representarem fenómenos naturais ou áreas de uma beleza natural e de uma importância estética excecional» e ainda de «conter os habitats naturais mais representativos e mais importantes para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles onde sobrevivem espécies ameaçadas que tenham um valor universal excecional do ponto de vista da ciência ou da conservação».
Entre os «atributos e componentes de distinção», ainda de acordo com o Memorando, conta-se o facto de «o significado da paisagem cultural de Sagres estar diretamente relacionado com os atributos (tangíveis e intangíveis) que lhe conferem Valor Universal Excecional», nomeadamente ao nível dos bens culturais imóveis (critério VI).
Neste campo, o documento destaca que na zona de Sagres existe «uma das maiores concentrações de menires em toda a Europa», que Sagres foi a «localização da antiga Villa do Infante, lugar de acontecimentos com relevância para os Descobrimentos», e existe um «conjunto de fortificações modernas dependentes da praça de Sagres para defesa da pirataria e controlo da navegação (viagens de descobrimento; corso; carreira das Índias)».
Por outro lado, quanto aos valores culturais imateriais (critério VI), sublinha-se: «os textos da Antiguidade descrevem o extremo SW como um território sagrado, Promunturium Sacrum, domínio dos deuses; sob domínio islâmico, com o desenvolvimento do culto de S. Vicente, torna-se o mais importante lugar de peregrinação da Cristandade moçárabe; a partir da época moderna converte-se num dos altos lugares da mitografia nacional, onde se funda a dimensão ultramarina da nação».
Finalmente, em relação aos valores naturais (critérios IX e X), destaque para a «posição de esquina da Europa, no vértice SW do Barlavento Vicentino, que se bifurca em vários cabos; diversidade de unidades paisagísticas acentuada: o ambiente marinho, as arribas, as praias, as charnecas, as zonas agrícolas, as áreas florestais; especificidade da vegetação: a presença milenar do homem e o relativo isolamento são fatores determinantes da atual paisagem vegetal; especificidade da atividade económica e do habitat: complementaridade da atividade agrícola com exploração dos recursos haliêuticos; condições portuárias e condicionalismos da navegação atlântica (três angras complementares)».
Se Sagres, com a sua paisagem imponente, a sua localização geográfica, a sua longa história, e, em especial, a sua ligação algo mítica aos Descobrimentos e ao Infante D. Henrique, for classificada como Paisagem Cultural da Humanidade, ficará ao nível de outros locais do mundo que já ostentam esse estatuto, como Sintra (classificada em 1995), a Região Vinhateira do Alto Douro (2001), a Paisagem Cultural da Vinha da Ilha do Pico (Açores, classificada em 2004), ou ainda o Rio de Janeiro, no Brasil (2012).
NOTA: a foto inicial a preto e branco é da autoria de Sebastião Pernes, a quem o Sul Informação agradece a cedência da imagem. É que, nos arquivos do nosso jornal, não há nenhuma foto que traduza, como esta, porque razão há-de Sagres ser Património Mundial!