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01_Watt_Mariana a MiseravelUm homem em cima de um escadote, com uma lâmpada na mão e a olhar as estrelas. Esta ilustração de Mariana dos Santos, aliás, Mariana, a Miserável, foi o ponto de partida para a intervenção de três outros artistas – Xana, Padure e Jorge Pereira – no Posto de Transformação da EDP, na estrada entre a Figueira e a Mexilhoeira Grande, no interior rural do concelho de Portimão.

Os quatro artistas abordaram esse objeto improvável como se de um cadavre exquis (cadáver esquisito) se tratasse: aquela espécie de jogo inventada pelos surrealistas em que um artista começa, o outro continua e por aí adiante, até que o resultado final seja algo que nenhum dos intervenientes alguma vez poderia ter imaginado por si só.

E agora, nas quatro paredes do PT há muito para ver. Esta é apenas uma das duas intervenções de Mariana, a Miserável, no âmbito do WATT?, um projeto artístico para a comunidade, integrado no projeto nacional Arte Pública da Fundação EDP, que o LAC – Laboratório de Actividades Criativas, de Lagos, coordena no Algarve.

A sua outra obra, também a revelar o seu percurso como ilustradora, está na parede principal do pequeno Mercado da Figueira.

 

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Mariana, a Miserável, junto à sua «senhora carregada de laranjas», no Mercado da Figueira

 

«Tinha poucas referências do Algarve e nunca tinha estado na Figueira, por isso pensei em desenhar uma senhora carregada de laranjas, com a óbvia referência às laranjas do Algarve», explicou a artista ao Sul Informação. E Mariana, a Miserável, ficou contente com a reação das pessoas, que se têm identificado com a ilustração.

A mesma artista interveio também em Barão de São João, outra localidade rural, mas do vizinho concelho de Lagos. «Em Barão, utilizei um desenho que já tinha feito, mas achei que fazia sentido, tendo em conta a descrição que a [Maria] João tinha feito, de uma aldeia com muitos estrangeiros radicados, gente a chegar e a partir».

Em Barão, a sua intervenção fala das «migrações dos pássaros, de pessoas a viajar em cima dos pássaros».

Quando o nosso jornal falou com Mariana, a Miserável, a artista ainda não sabia qual seria a intervenção dos restantes três no Posto de Transformação à beira da estrada da Figueira. «Estou muito curiosa», revelou.

 

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O “cadavre exquis” que junta Mariana, a Miserável, Xana, Jorge Pereira e Padure, num posto de transformação à beira da estrada

 

Xana (Alexandre Barata) explica o que foi feito: «cada um faz uma intervenção e eu faço um elemento que aglutine as outras três intervenções, uma espécie de friso que tenta conciliar as ideias, quase como se tivesse o papel de maestro das ideias». Tudo isso, acrescenta, com «alguma ironia, até em relação ao patrocinador EDP». O resultado é o que se pode ver nas fotografias desta reportagem, em que os grandes pontos amarelos são o contributo de Xana para este cadáver esquisito.

Este projeto, por ser mais do que simples arte de rua, ser também arte da e para a comunidade, partiu de assembleias com a população de cada localidade – São Bartolomeu de Messines, Barão de São João, Mexilhoeira Grande e Figueira, Vila do Bispo, Alte e Alportel – para definir os projetos concretos dos artistas. No entanto, esclarece Xana, «os artistas têm total liberdade, não estamos ali a fazer discos pedidos». Mas, dessa interação entre as ideias dos artistas e as das pessoas que vivem em cada uma das localidades, surgiram as obras.

Ali bem perto da Figueira, na parede antes nua do desinteressante edifício da Junta de Freguesia da Mexilhoeira Grande, Xana fez outra intervenção.

«Foi-me dado a escolher entre um mostruário de locais possíveis, mas escolhi este porque me pareceu que era um monumento mais limpo», explica o artista, em entrevista ao Sul Informação, depois de descer do andaime montado junto à parede, para lhe permitir chegar aos locais mais altos.

 

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Xana em ação

«Decidi focar o meu trabalho, no âmbito do projeto Watt, partindo da observação de um tema que já me interessava – as platibandas. É um tema que já tinha usado nas minhas intervenções, no Algarve e não só. A relação entre platibandas e desenhos dos barcos, esta ornamentação das casas algarvias sempre me interessou».

«Da pesquisa de platibandas na Mexilhoeira, encontrei uma casa com frisos quadriculados semelhantes ao que estou aqui a fazer e parti daí. Na assembleia com a comunidade, eu referi isso e alguém disse: é a antiga Junta de Freguesia. É perfeito!», exclama Xana. «A atual Junta não tem alma, por isso vou levar algo para a nova, em ligação com a antiga».

Além do friso ampliado, em azul («a arquitetura algarvia é marcada pela cor», salienta), a sua intervenção tem dois grandes círculos negros, que «deixam de ser elemento decorativo da arquitetura e transformam-se num ser com dois olhos. É que esta freguesia junta duas antigas freguesias [Mexilhoeira e Figueira], por isso é um olho para cada uma. Brinco com isso, o meu trabalho é um pouco isso», explica ainda o artista.

 

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A intervenção de Xana na parede lateral da Junta de Freguesia da Mexilhoeira Grande e Figueira, já terminada

 

Em São Bartolomeu de Messines, no centro da vila, Xana escolheu utilizar «elementos gráficos, espécie de ondas, relacionados com a Cartilha Maternal de João de Deus». E fez um «jogo com palavras que me andam a obcecar – Liberdade, Amor, Sabedoria».

«Faço a desconstrução das palavras, como se as paredes do Posto de Transformação fossem páginas da Cartilha Maternal», acrescentou.

Apesar de grande parte das intervenções artísticas estar já acabada, depois de até terem sofrido um insólito episódio de censura por parte da Câmara de Vila do Bispo, o trabalho vai continuar até Setembro próximo.

Maria João Alcobia, do LAC, explica que, «na mesma terra pode haver várias linguagens, as pessoas podem entender uma coisa mais fácil ou uma menos imediata. Apesar de termos dado opção aos artistas, todos eles se encaixam muito bem e mostraram essa diversidade de trabalhos».

 

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Padure criou seres marinhos neste PT na Mexilhoeira Grande…e o restaurante Oficina, que fica ali atrás, foi uma das referências…

Agora, quando já falta pouco para terminar este projeto, que deixará arte pública nas paredes de sete localidades mais periféricas do Algarve, durante pelo menos dois anos, resta ao público percorrer este mapa artístico para conhecer todas as intervenções.

E até haverá uma ajuda para estes percursos de descoberta: Maria João Alcobia revela que, em Setembro e Outubro, o projeto vai fazer visitas guiadas, com os artistas se possível, «até para as pessoas da terra, a contar histórias e a guiar». É que, «estas pinturas já não são dos artistas, mas da população». E acrescenta que era isso mesmo que o projeto pretendia.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

 

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