«Chavascal» é o novo longa duração do grupo algarvio Tribruto, lançado no último mês de 2014, com o selo da Kimahera. Além do trabalho de alta qualidade a que o trio já habituou o seu público, este novo álbum conta com um conjunto de convidados de luxo: Capicua, Valete, Sam The Kid, Mundo, Fus, Reflect, Mr. U, MGDRV, David Cruz, Mariana Norton e Ed Hoster.
A RUA FM e o Sul Informação estiveram à conversa com o trio mais bruto, composto por RealPunch, Kristóman e Gijoe, e mais uma vez se percebeu que conversar com os miúdos que estão de volta “cheios de truques” não é tarefa fácil. Por vezes, pode ser até um pouco assustador. É que eles dizem que vão a casa das pessoas “disfarçados de funcionários da Visabeira a perguntar: você tem um problema no cabo, não tem? Nós entramos e aí fazemos um Chavascal!”
Não se deixem enganar, pois os Tribruto não estão cá para resolver problemas nos cabos. Estão cá para levar o nome do Algarve a outras paragens. Continuam cá para quebrar barreiras, preconceitos ou estereótipos.
No ativo, enquanto trio, desde 2010, chegam a 2015 com uma bagagem bem recheada de beats, punchlines e muita boa disposição. Se se abrir a caixinha dos Tribruto, encontra-se dois EPS (Tribruto – 2010 e “Remixes” – 2013), o longa-duração “Algazarra” (2010) a mixtape “Moços Marafados” (2011) e o mais recente “Chavascal” (dezembro, 2014). Claro, e como não tinham mais nada para fazer, em 2012 resolveram editar a versão instrumental do álbum “Algazarra”.
RealPunch: “chamámos estes convidados porque nós estamos ao mesmo nível que eles. Isto é uma coisa do Algarve feita para todo o país. Apesar de termos de trabalhar o triplo, nós estamos lá”
Mas nem só de registos reza a história e a dos Tribruto completa-se ainda com diversas atuações de Norte a Sul do País, muitas histórias, amizade e uma personalidade coletiva sem igual.
O mote para o início da viagem estava lançado: balanço. No entanto, preferem falar de balança. RealPunch chega-se à frente e justifica que “neste caso é mais balança, porque eu e o Kristo estamos mais gordos”. É esta outra das características dos Tribruto: a boa disposição, a compreensão e a amizade que ainda os mantêm lado a lado, se bem que às vezes discriminam o Gijoe, porque é Dj.
Da balança, passa-se para a identidade, assumidamente algarvia, que se reflete nos títulos escolhidos para os registos: desde “Algazarra” até “Chavascal”, passando ainda por “Moços Marafados”, RealPunch defende “a identidade e a raiz algarvia sempre, acima de tudo.”
Gijoe acrescenta que, “como dá para perceber, na nossa música são feitas muitas referências ao Algarve e os nomes dos álbuns puxam exatamente para aí porque, no fundo, sentimos orgulho da nossa região e queremos destacar isso”. Vão mais longe pois consideram que são “responsáveis pelo dicionário algarvio não morrer”.
Desengane-se quem pensa que esta escolha surge aleatoriamente, pois “já decidimos seguir esta linha em álbuns futuros”, remata Kristóman. Como a internacionalização também se prevê, pensam mesmo traduzir as expressões algarvias para inglês. Assim, ficaria qualquer coisa como “Tribruto, Algazarra ou Chavascal mas com o accent”, exemplificam.
Ainda quanto à escolha do título para o novo registo, admitem que poderia ter sido Sarrabulho. No entanto, Chavascal levou vantagem porque “sarrabulho era um nome bastante comprido e um pouco panhonhas”. Chegaram então a Chavascal, que entendem ser uma “palavra esteticamente mais bonita”.
E da estética passa-se à estratégia. O “Chavascal” levou cerca de dois anos até chegar ao resultado final. Um lapso temporal estratégico para criar, compor e produzir. “Apesar de só sair agora, o “Chavascal” resulta de um processo que se iniciou desde os tempos dos “Moços Marafados”, partilha Kristóman. Gijoe acrescenta que nessa altura, em 2011, “já estávamos a estudar algumas coisas deste álbum”.
RealPunch recorda que, quando partiram para a mixtape, já tinham assumido a intenção de, posteriormente, fazer um álbum. Quanto às letras, Kristóman conta que já tinha letras guardadas para este trabalho.
Gijoe: “como dá para perceber, na nossa música são feitas muitas referências ao Algarve e os nomes dos álbuns puxam exatamente para aí porque, no fundo, sentimos orgulho da nossa região e queremos destacar isso”
Depois, chegou o momento de dar o passo seguinte, aquele em que se juntam os pés e avança-se ao mesmo tempo: a entrada em estúdio. Aí a primeira fase passou por escolher os instrumentais, as letras e depois “foi uma questão de adequar e distribuir” todo o material.
Tudo isto na editora a que continuam fielmente ligados: a Kimahera, de Pedro Pinto. Para Kristóman, a Kimahera “é a melhor editora e o melhor estúdio de gravação”. “O pessoal lá fora farta-se de gabar a masterização final do álbum”, garante.
RealPunch confidencia que “a Kimahera há-de ser sempre o ponto de partida em todos os trabalhos que nós fizermos , até nós nos chatearmos com o Reflect”. Mas não se referem a confusões profissionais, é tudo uma questão de sede: “porque às vezes ele não tem águas”.
Águas à parte, mas invadidos pela sede de chavascal, os Tribruto tentam falar um pouco do conteúdo do longa-duração. Para Gijoe, este álbum é claramente “um álbum de fotografias” (parece que o Dj, além dos beats e de uns truques, também manda umas dicas…).
Kristóman prefere responder “mais a sério” e partilha com a RUA e com o Sul Informação que este Chavascal “é uma evolução fantástica do Algazarra. Em termos de instrumentais, o Gijoe conseguiu evoluir para diversos parâmetros dentro do seu estilo de produção”.
No que toca à escrita, acrescenta que esta também evoluiu, em grande parte, devido à pressão dos dois companheiros. Explica que houve faixas que sofreram alterações: “eu escrevi e tive de rescrever, gravei e tive de regravar para ficar no ponto”.
O Mc vai mais longe e admite que o Realpunch “evolui em termos de flow. No outro álbum, eu tinha menos escrita e ele mais escrita e agora sinto que evolui na escrita e ele no flow”. Outra das características dos brutos, a competição altamente saudável.
E porque “Chavascal” não é apenas um CD, o grupo vê o álbum como um trabalho complexo e coeso, com um resultado muito técnico “em todos os aspetos, nos instrumentais, na escrita, no flow, no design”. Aproveitam para esclarecer que “apesar de muita gente dizer que o design é paint, é uma coisa coesa, um conceito completamente fechado e que agora o pessoal vai todo imitar”.
Na conversa, chega o momento de se falar um pouco dos convidados deste “Chavascal”: Capicua, Valete, Sam The Kid, Mundo, Fus, Reflect, Mr. U, MGDRV, David Cruz, Mariana Norton e Ed Hoster. E será que foram os convidados que safaram o álbum? Para Kristóman, a resposta é imediata: “Não! Por acaso acho que relançámos carreiras”.
RealPunch defende que o que safou o álbum foi a sua expressão “é chavão, choca, mas é sonante: vulva”.
Quanto aos convites e às escolhas, Kristóman diz que, “depois da música feita, achámos que esses convidados iriam encaixar no tema e no perfil da faixa”. No entanto, a relação com os músicos em questão não surge agora e eles são mesmo uma referência, pois “são pessoas que fomos conhecendo durante os tempos de estrada e que crescemos a ouvir “, recorda Kristóman.
Kristóman: “somos tão poucos no Algarve a fazer rap e acho que nos devíamos apoiar um pouco mais. Admitimos que estamos um bocadinho mais à frente, mas porque nós trabalhamos o triplo dos outros”
RealPunch acrescenta que, “neste álbum, conseguimos os convidados que achamos que faziam sentido e aqueles que nós queríamos”. A atitude passou também por “chamar estes convidados porque nós estamos ao mesmo nível que eles. Isto é uma coisa do Algarve feita para todo o país. Apesar de termos de trabalhar o triplo, nós estamos lá”, admite e remata que “é um privilégio tê-los no álbum”.
Mais focados no que querem fazer e apresentar, fruto da descoberta e evolução pessoal, mas também coletiva, os Tribruto assumem a consciência do próprio valor e desejam “sair do Algarve e levar sempre o Algarve connosco”. E, com ou sem sorte, o segredo do sucesso de um lançamento reside na capacidade de saber “sermos bons em comunicação, em management e bons performers”.
Já a conversa vai longa e toca-se na ferida: o fator incomodativo, que pode ser ainda apelidado de “dor de cotovelo”. Kristóman lança o repto e apela à união: “somos tão poucos no Algarve a fazer rap e acho que nos devíamos apoiar um pouco mais. Admitimos que estamos um bocadinho mais à frente, mas porque nós trabalhamos o triplo dos outros”.
Kristóman relembra que têm a vida pessoal e profissional, mas “tentamos estar sempre a par da música e do nosso sonho que é ter esta álbum aqui na mão”. Conclui que “se calhar outras pessoas não se esforçam tanto e queriam estar lá… Pois, mas assim é complicado”.
Depois de mais de uma hora de conversa, chegou a altura de tentar perceber porque é que há quem não leve os Tribruto a sério. “Isto é muito simples”, introduz RealPunch. “As pessoas gostam daquela coisa ou é muito sério ou então é palhaçada. Relativamente à palhaçada, as pessoas não levam a sério. Quem nos conhece sabe que nós somos isto, não há nada mais real do que isto”, conclui.
Na opinião de Gijoe, esta questão também está relacionada com “o estilo de música que fazemos, a punchline, a escrita, a energia em palco. Tudo isto bate certo com Tribruto”.
Verdade seja dita, o “Chavascal” elevou a fasquia e o nível do Hip Hop nacional, coisa que não os assusta. Para RealPunch, a resposta é (mais uma vez) imediata: “fasquia elevada ou não, isso é bullshit!”. Para Gijoe, o remédio é “fazer o que nos apetece no momento, sem pensar muito, este é o melhor processo”. Já Kristóman afirma que este “Chavascal” é “o melhor álbum de punchline em Portugal até hoje”.
Lembram-se de quando os Tribruto avisaram que vos vão bater à porta? Não se preocupem. Abram, deixem os Tribruto entrar… Pode ser que se surpreendam.
Oiçam aqui a entrevista na íntegra.