Há quem tivesse sonhado com uma ida ao Estádio da Luz, que já concretizou, quem quisesse voltar a conduzir (e fê-lo a alta velocidade), mas também quem “apenas” deseje saúde para os filhos, conhecer um bisneto e ter mais visitas da família. Os utentes da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo têm muitos sonhos e deram-nos a conhecer em pleno Dia de Portugal, na Fortaleza de Sagres.
Na plateia, estiveram estes sonhadores, que, sorridentes, assistiram a uma sessão onde a palavra reinou. Até porque o dia também era de Camões.
E se o Poeta é um dos portugueses mais célebres um pouco por todo o globo, José Batista, aos 95 anos, tem um sonho: dar a volta ao mundo.
Já João Pinheiro fica-se por um país: o Brasil, onde viveu. «Este é um dos poucos sonhos que não estamos a conseguir realizar. Aceitamos propostas!», disse Armindo Vicente, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, que aproveitou a presença de Cláudio Guimarães dos Santos, vice-cônsul do Brasil em Faro, para lançar o desafio.
«Eu sou apaixonado pelo Brasil. Pode ser que alguma alma caridosa me ajude… A esperança é a última a morrer», comentou, entre risos, João Pinheiro.
O utente daquela Santa Casa da Misericórdia já acompanhou outros idosos na concretização dos seus sonhos e não hesita em eleger aquele que mais o marcou: «a ida ao Autódromo do Estoril».
O projeto “Eu sonhava” nasceu há quase nove meses, com a equipa de animação da Misericórdia de Vila do Bispo a ser importante. Aliás, sem ela, a iniciativa «não existia», revelou Armindo Vicente. O “Eu sonhava” tem comovido várias pessoas, sendo um verdadeiro sucesso nas redes sociais.
«Nenhum dos utentes é obrigado a participar, mas está a ser muito bom», explicou o provedor daquela instituição ao Sul Informação.
Por agora, já foram mais de 50 os sonhos concretizados, incluindo a ida de muitos idosos ao Estádio Algarve para assistir ao Portugal-Letónia. Alguns dos sonhos são comuns a vários utentes.
E como é feita a parte logística? «Tentamos o apoio através de empresas ou instituições: tem o mínimo de custo para nós. O objetivo também é procurar patrocinadores que não tenham um grande custo com isto», acrescenta. Por exemplo, na ida de Idalina Felicidade à Madeira, uma das pessoas a ajudar foi o futebolista Danny, que tem raízes madeirenses.
A Misericórdia tem ainda outras iniciativas. O propósito é mostrar que há vida além do projeto “Eu Sonhava”. «Temos a musicoterapia ou um plano de atividades para comemorar alguns dias especiais», conta Armindo Vicente.
A ideia é, assim, que os idosos sejam, sempre, proativos, havendo até quem escreva poesia. É o caso de Idalina Rodrigues, cujo sonho é editar um livro.
Num dos seus poemas, lido nesta sessão, escreve Idalina: “colheu-se às arrobas no Algarve tantos artigos/são uvas, nozes e figos/ campos e mares algarvios vamos todos defender/para isso não morrer e ficar a ver navios”.
Nada melhor do que poesia para celebrar um dia que também é da Língua Portuguesa. Até porque a Fortaleza de Sagres «sempre foi lugar de muitos sonhos», segundo Alexandra Gonçalves, diretora regional de Cultura do Algarve.
Também por isso, Cláudio Guimarães dos Santos brindou estes verdadeiros sonhadores com poemas do seu livro “Coleção de Epifanias”.
Os idosos assistiram atentos e tiveram direito a ouvir o vice-cônsul do Consulado Geral do Brasil em Faro confessar que «grande parte» da sua vida foi passada precisamente a trabalhar com pessoas de idade avançada. «Aprendi muito com todos eles», disse.
Quanto o assunto são os sonhos, não há limites de idade. Amanda Bittencourt explicou isso mesmo, na apresentação do seu livro “Na Cuca do Coqueiro”. «Esta é uma obra para crianças, mas que fala de sonhos. Quem vai sonhando a vida toda, mantém viva a criança dentro de si», disse, emocionada.
Houve poesia, sonhos, música, com a Academia de Música de Lagos, e também provérbios, ditos por Rui Soares, presidente da Associação Internacional de Paremiologia. Por exemplo: “guarda em homem, acharás em velho”, “já passou o dia em que eu trabalhava e cozia”, “nem na mocidade virtude, nem da velhice saúde”.
Até Setembro deste ano, os sonhos destes utentes continuarão a ser cumpridos. De sorriso no rosto, visivelmente orgulhoso pelo trabalho feito por aquela Misericórdia, Armindo Vicente concluiu: «a instituição é a casa destas pessoas. Uma das coisas que sempre quisemos mudar foi a abordagem à ocupação dos idosos».
Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação