Em São Teotónio, cabe o mundo. A imigração naquela localidade do concelho de Odemira tem vindo a crescer. Há imigrantes do Nepal, do Bangladesh, da Índia ou da Bulgária a trabalhar na apanha de frutos vermelhos. No total, são cerca de 4 mil os que estão legalizados – a que se somam ainda mais por legalizar. A milhares de quilómetros das suas casas, há quem os ajude, mas nem todos vêem com bons olhos esta imigração. Trocar o aroma do pão, do azeite e do alho pelo do caril nem sempre é fácil.
Naquela vila, as culturas juntam-se. Um passeio pelas ruas de S. Teotónio basta para o provar. Na zona do “Quintalão”, bem no centro, há um supermercado nepalês, mas também cafés e lojas portuguesas.
Os rostos são muito diferentes. Há idosos, de boina, que falam com aquele tão típico sotaque da região, ou homens de turbante e barba até ao peito, a apreciar a sombra do jardim em frente à Igreja.
A coexistência é pacífica. Mas haverá aproximação entre estes dois povos?
A coreógrafa Madalena Victorino tentou juntar os dois mundos, com o espetáculo “Al Teo Bú”, em Almograve e São Teotónio. Tudo se passou em Novembro do ano passado. Madalena Vitorino pegou numa ideia e criou um povo com pessoas de várias culturas e nacionalidades. De forma ficcional, essas pessoas «desciam das montanhas do Mundo e chegavam a São Teotónio», conta.
Depois, «encontravam-se por acaso e dialogavam sobre a necessidade de procurar uma vida melhor». «As pessoas foram-se juntando até formarem um povo, mestiço, cheio de etnias. Um dia, ao fim da tarde, esse povo entra em São Teotónio e pergunta-se: posso caber nesta vila?».
Tal como acontece com aqueles imigrantes. Pela arte, se quis passar uma mensagem. Houve música e dança, da Índia, do Nepal, do Bangladesh ou do Paquistão.
E portugueses? «Houve 90 pessoas a participar, maioritariamente imigrantes. Os portugueses não os consegui seduzir. Todas as pessoas me fecharam as portas». Ou melhor: quase todas.
Da aldeia do Cavaleiro, vieram duas senhoras. De São Teotónio, outra, assim como seis idosos do lar daquela localidade. «Não há integração destes imigrantes na comunidade. É uma contestação triste. As ruas cheiram a caril e as pessoas ficam zangadas», diz Madalena.
Só que quem não quis participar, não deixou de ir assistir. «Tivemos 600, 700 espectadores portugueses. As pessoas ficaram curiosas e, acima de tudo, pasmadas. Isto trouxe uma imagem diferente dos asiáticos. Normalmente, a população local apenas os vê a sair das estufas, sujos, cansados, mas ali estavam lindos e felizes. Até cantavam», conclui.
Em São Teotónio, toda a gente sabe quem é a Tânia
Tânia Guerreiro, diretora do Centro Local de Apoio ao Imigrante (CLAIM), chega à Junta de Freguesia de São Teotónio, dirige-se rapidamente para o seu gabinete, mas quando lá chega ainda não há ninguém à espera.
«Normalmente, nem imagina como isto está. São pessoas e pessoas de pé aqui à minha volta», começa por contar. O CLAIM, que é um projeto da TAIPA – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado, é uma iniciativa que junta o melhor de dois mundos: o público e o privado.
O financiamento é feito em 50% pelo Município de Odemira. O restante é dividido pelas próprias empresas que acolhem os imigrantes que vão trabalhar para o Alentejo: 25% da Lusomorango, um grupo que tem várias empresas, e os outros 25% divididos pela Sudoberry, Vitacress, Haygrove e Multitempo, uma empresa de trabalho temporário. Sempre com o objetivo de dar uma resposta social, ajudando a integrar pessoas que vêm de realidades completamente diferentes.
«Nós damos apoio nos procedimentos burocráticos, de legalização, em questões ligadas ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ou à Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT)», diz a diretora do CLAIM.
Vamos aos números. Atualmente, 15% da população do concelho de Odemira já é composta por imigrantes, segundo dados do SEF, de Dezembro de 2016, o que dá cerca de 4 mil pessoas legalizadas, mas há, certamente, ainda mais, uns em processo de legalização, outros ilegais. Quanto às nacionalidades, há indianos, nepaleses, ucranianos ou tailandeses. 42% têm entre 26 e 35 anos. 86% são homens.
Já o CLAIM está a ajudar, neste momento, 1149 pessoas.
Bakvinder Singh é o primeiro a chegar ao gabinete de Tânia. Entra timidamente e senta-se em frente à diretora do CLAIM. Fala um inglês quase impercetível, mas lá consegue, a custo, explicar que quer resolver o problema de um amigo.
«Sabe, em Portugal, o que mais me chateia é que precisamos de um papel para tudo», conta este indiano à reportagem do Sul Informação.
Corria o mês de Fevereiro de 2016 quando Bakvinder chegou a Portugal. Na Índia, deixou a mulher e dois filhos. Passado um ano e meio, é na apanha de frutos vermelhos que trabalha e di-lo com todo o orgulho.
O Sudoeste Alentejano – em particular as freguesias de São Teotónio, Vila Nova de Milfontes e Almograve – é um verdadeiro oásis na área dos frutos vermelhos.
E porquê? Em primeiro lugar, é no concelho de Odemira que se concentra cerca de 90% da produção nacional de framboesa. As condições de água, em parte devido ao Perímetro de Rega do Mira, e do clima são preponderantes nesta equação que rende milhões de euros anuais em exportações. É que também 90% da produção se destina à exportação.
Certo: há trabalho. Então e a população local? «Há falta de mão de obra. Por isso é que estes imigrantes vêm para cá», explica Tânia Guerreiro, exemplificando: «as empresas têm de contratar quem está disponível e, mesmo assim, houve fruta a apodrecer este ano por falta de pessoas para a apanhar».
Para a diretora do CLAIM, o seu trabalho é um misto de sentimentos. Por um lado, é gratificante ajudar a integrar tanta gente num território, mas há o reverso da medalha. «Não é fácil gerir tudo. Eu moro aqui em S. Teotónio. Vou ao supermercado e encontro as pessoas de cujos processos estou a tratar. Toda gente sabe quem é a Tânia», confessa.
Mesmo fora do local de trabalho, Tânia nunca abandona o papel de “heroína”. «Às tantas da manhã, ligam-me da Índia a perguntar se sou a Tânia. Acabo por perder um pouco de vida própria», conta.
Em Odemira, «só não trabalha quem não quer»
José Alberto Guerreiro é presidente da Câmara de Odemira. Para o edil, no concelho que dirige «só não trabalha quem não quer». Quanto ao fenómeno da imigração naquele território, não é novo. Por exemplo, «desde a década de 80 que, no concelho de Odemira, 12% da sua população são estrangeiros residentes», explicou.
E porquê? «Os imigrantes gostam do território e das pessoas. O alentejano tem essa particularidade», segundo o edil.
Estes novos imigrantes são, na maior parte, asiáticos. Muitos deles pertencem à religião Sikh, como é o caso de Bakvinder. Aliás, o seu apelido “Singh” vem daí. Todos os homens praticantes desta religião adotam o nome “Singh”, que significa leão. Já as mulheres ficam com “Kaur” (princesa).
Outra das regras daquela religião é não cortar nem o cabelo nem a barba, mas essa não é linear. Bakvinder é um exemplo. Tem o cabelo pequeno e a barba cortada, apesar de estar por fazer. «Alguns optam por abandonar essa prática, para ficarem com uma aparência mais europeia», explica Tânia Guerreiro. E para não os confundirem com os muçulmanos.
Enquanto está a ser atendido, Bakvinder vai mexendo no seu smartphone e não é para falar com os «amigos portugueses» que tem. «O melhor povo da Europa!», segundo o indiano.
Mais do que um mero telemóvel, aquele objeto é um elo de ligação com a Índia. «Falo todos os dias com a minha família pelo Whatsapp. Quero muito trazê-los para cá no futuro», confessa, emocionado, ao Sul Informação.
«Não queremos que estas pessoas vão embora»
A vereadora Deolinda Seno Luís é o principal rosto do trabalho que o Município tem tentado fazer de integração destas populações na comunidade local. «Odemira sempre foi destino de imigração porque estamos num território que é extenso e muito rico», considera, em declarações ao nosso jornal.
Nestas estufas onde trabalham os imigrantes, a agricultura é intensiva. A vinda de todos eles só pode ser vista de uma forma: «é uma oportunidade para combater a desertificação. Isto traz dinâmicas económicas ao território», diz a vereadora.
Só que nem tudo é um “mar de rosas”. A convivência entre as duas culturas até «é sã, mas não há aproximação».
«Há alguma resistência da população mais idosa. As novas gerações já crescem em contexto escolar com estas pessoas. Isto trouxe algumas assimetrias a nível da coesão do território e ficam sempre possibilidades de situações de exclusão social».
Por exemplo, segundo Tânia Guerreiro, há no concelho «turmas com 12 nacionalidades, o que mostra como estamos num mundo multicultural».
No fundo, para as populações mais idosas há uma grande barreira: a língua. «Obviamente, não falando a mesma língua, o processo de aproximação torna-se mais difícil». Também por isso há aulas de português para estes imigrantes, no Agrupamento de Escolas de S. Teotónio.
O CLAIM é quem faz a mediação entre aquele agrupamento e o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), «mas há muitos inscritos», alerta Tânia.
Só que esta resistência não é exclusiva dos portugueses. «Pela força do número, estas comunidades de imigrantes tendem a fechar-se em si próprias e a serem autossuficientes entre elas. É isso que queremos quebrar», defende Deolinda Luís.
Em Odemira, há um documento orientador para estas questões: o Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes. Da análise, feita junto de 34 parceiros, como o IEFP, a Segurança Social, o SEF, o ACT, e as próprias empresas empregadoras, surgiu o plano.
Definiram-se medidas: a criação do CLAIM, por exemplo, é uma delas. Os Dias da Interculturalidade também: e daí vem o “Al Teo Bu”. Há, ainda, uma “bolsa de recrutamento”, na qual as empresas podem ir contratar imigrantes desempregados do concelho.
Mas ainda há «muito a fazer». Agora, no 1º semestre de 2018 será criado um novo plano, para o qual já há «outro know-how».
Quanto ao desejo, esse, é o mesmo: «que haja um número fixo de pessoas no território». «Se estamos a fazer este esforço, não queremos que as pessoas vão embora», diz Deolinda Seno Luís.
Trabalhar na apanha de frutos vermelhos é «bem melhor»
Mashesh Acharya, que está em processo de legalização, chega à manhã de atendimento do CLAIM de mochila às costas, como se fosse para a escola, o que não seria estranho de todo.
É que o jovem nepalês tem apenas 23 anos, idade de estudos universitários. No ouvido, traz um auricular bluetooth. A vinda para Portugal, em Setembro de 2016, teve um objetivo: «tornar-me independente».
Em Catmandu, onde vivia, Mashesh sustentava a família. «Começava de manhã, bem cedo, e trabalhava até à noite. Aqui é bem melhor!», exclama.
Na verdade, todos estes imigrantes vão para aquele concelho alentejano à procura de uma vida melhor. Na apanha dos frutos vermelhos, ganham, de certeza, o salário mínimo. A este ordenado, podem-se juntar ainda extras, ganhos na altura do pico da apanha. Normalmente, trabalham seis dias por semana.
As condições de habitação dos contentores onde muitos vivem, nos campos de produção, também são «de certeza muito melhores» do aquelas que tinham nos seus países de origem, de acordo com Tânia.
Quando emigram, estas pessoas vêm «ganhar uma fortuna», diz a vereadora Deolinda. Isto se for tido em conta o que são os salários nos seus países de origem. «Isso impressiona». Também há a questão de «morarem em casas onde só têm um quarto e aceitarem isso como natural», considera.
Talvez por ser mais novo do que Bakvinder, Mashesh tem um inglês fluente e até arrisca algumas palavras de português. Só que o melhor que consegue dizer é um arranhado “mais ou menos”. Quando a palavra é “framboesa”, o fruto que passa o dia a apanhar, o caso muda de figura e Mashesh di-la sem qualquer problema.
O jovem nepalês confessa não ter «muito tempo para passear». «Sabes: trabalho durante o dia, depois estou em casa, mas às vezes também vou à praia da Zambujeira do Mar com os meus irmãos».
Irmãos de sangue, Mashesh? «Não. Os meus colegas, com quem trabalho», explica. Mas nunca é o mesmo. «Tenho tantas, tantas saudades da minha família».
No meio da diferença, já há quem plante sementes da Tailândia
Odemira é um verdadeiro cadinho de culturas, onde há «coisas incríveis». «Imagine velhotes a plantar sementes da Tailândia, como eu já vi», conta, entre risos, a diretora do CLAIM.
Será este um primeiro indício de que, no futuro, haverá mais aproximação entre as duas culturas?
Poderá ser. Para Marta Cabral, presidente da Associação Rota Vicentina e que assistiu ao “Al Teo Bu”, por agora os imigrantes «não estão integrados» na comunidade.
«Muitos vêm por pouco tempo. Os homens vêm, mulheres e filhos não… Há uma série de condicionantes que não facilitam o trabalho de integração. Se viessem famílias, sem data de ir embora, era mais fácil», considera.
O desafio para o novo Plano Municipal é esse mesmo. «2018 é um ano de relançar tudo. A integração é um processo desejado por todo o território», diz, por sua vez, a vereadora Deolinda.
«Isto aqui é um caso de estudo», atira Tânia, entusiasmada. O Alto Comissariado para as Migrações já anda de olho naquela pequena vila. «Tivemos um pedido para integrar refugiados sírios. Não sei se vai ser fácil…», diz a diretora do CLAIM.
No futuro, Madalena Victorino, que esboçou uma aproximação dos povos através da arte, não tem dúvidas. As diferenças «vão ter de esbater». «Sinto que é uma inevitabilidade».
Por agora, certo é que este é «um trabalho infinito». «Há sempre arestas por limar», diz a vereadora Deolinda.
E vidas, culturas e hábitos por aproximar.