Para muitos destes jovens, a história da capital algarvia é território desconhecido. Não tem mal: a noite é de descoberta, à boleia da iniciativa “Faro Desvendado”. Guiados por fenícios, romanos e árabes, os alunos dos cursos de Verão da Universidade do Algarve (UAlg) mergulham no passado de uma terra que já é sua por alguns dias, mas que poderá vir a sê-lo por muitos mais.
Tudo começa na Sé de Faro, numa quente noite desta semana. Sentados na escadaria, os jovens, que frequentam o ensino secundário e procuram o que fazer a seguir, recebem a visita de um tartesso, povo que existiu entre os séculos X e VI antes de Cristo (a.C) e que terá passado pelo Algarve.
Desde aquela primeira visita, e até ao final desta viagem teatral, todos os alunos passam a encarnar o papel de tartessos. «O que é que nós somos?», pergunta-se. «Tar-te-ssos!», gritam, em uníssono.
Paulo Luã Manhiça é um deles. Com 16 anos, este moçambicano veio de propósito ao Algarve para frequentar os cursos de Verão da UAlg. «Esta iniciativa do “Faro Desvendado” é muito boa. Tem piada por ser em teatro», comenta.
A próxima paragem é “fenícia”. Aceitando o desafio, os alunos tentam “vender”, uns aos outros, tecidos que imitam aqueles que os fenícios comercializavam. Por esta altura, já alguns curiosos se juntaram aos jovens para embarcar na aventura do “Faro Desvendado”.
Maria Adelaide Ferreira é a atriz que assume a personagem de fenícia e recorda precisamente «o passado comerciante» daquele povo, que passou pelo Algarve depois dos tartessos.
André Botelheiro, coordenador do Gabinete de Comunicação e Protocolo da UAlg, vai assistindo, sorridente. «A nossa aposta tem sido sempre dar uma oferta variada nestes cursos de Verão. Queremos que conheçam a cidade e a sua história. Está a ser tudo muito divertido», diz.
Aliás: um dos objetivos dos cursos de Verão é despertar a curiosidade pela Universidade do Algarve e levar a que aqueles jovens queiram depois ingressar na academia algarvia. Até porque, dos 300 participantes nos cursos de Verão, que se realizaram de 3 a 7 e 10 a 14 de Julho, «a maior parte já é de fora do Algarve», revela André Botelheiro, em declarações ao Sul Informação.
Pelos caminhos da história, chega-se, depois, ao período romano, no século II a.C. E, para tal, nada melhor do que ter a visita de um habitante de Ossónoba, na sala do Museu de Faro que acolhe o mosaico romano Deus Oceano.
Era ali, na zona da hoje chamada Vila-Adentro, que se situava o núcleo cívico e religioso de Ossónoba. Tal é recordado por André Canário, o ator vestido de romano, que também mostra algumas ânforas.
Paulo Ferreira é um dos monitores dos cursos de Verão e vai coordenando os seus pupilos para que nada falhe. A realidade do que são estes cursos não lhe é desconhecida. Antes de estar «do lado de cá, participei nos cursos de Verão, que me fizeram querer vir para a Universidade do Algarve», explica ao Sul Informação.
«Como formador, sinto-me bem ao vê-los felizes. Aqui criam-se amizades que duram muito tempo. Eu ainda hoje falo com pessoas que conheci nos cursos de Verão», diz o aluno de Gestão da UAlg, natural de Lisboa.
De repente, já nos claustros do Museu, surge um visigodo. E não é um qualquer: trata-se do rei Leovigildo. O seu reinado durou de 571/572 a 586. Quanto aos visigodos, estiveram no Algarve depois dos romanos.
«Foi este rei que permitiu o casamento entre povos», explica Rui Gonçalves, diretor artístico do “Faro Desvendado”, e que encarna a personagem.
Essa é razão suficiente para que ali mesmo, séculos depois, se recrie um casamento entre o rei Leovigildo e uma romana. Na plateia, Paulo Luã Manchiça é escolhido para ser o bispo do matrimónio. O momento era a fingir, mas o jovem moçambicano estava «muito nervoso», como confessou depois ao nosso jornal.
Já foram vários os séculos de história percorridos, mas ainda mais alguns estão para vir. Os muçulmanos são parte importante da história do Algarve (e de Faro). Por cá ficaram de 712/713 até 1249. Um dos legados que deixaram na capital algarvia é o Arco do Repouso, nas Muralhas.
É lá que se desenrola o final deste “Faro Desvendado”. O pano de fundo é precisamente a reconquista cristã. Reza a lenda que, entre as tropas de D. Afonso III e do governador árabe de então, houve uma história de amor. Um cavaleiro cristão apaixonou-se por uma das filhas do governador. Furioso, aquele chefe muçulmano, após descobrir este amor proibido, terá enfeitiçado a própria filha.
Tudo é explicado (e até exemplificado) para gáudio dos jovens, que, atentos, vão bebendo cada palavra das histórias de outro tempo.
Paula Fraustein tem ascendência alemã, vive em Odemira, e resume no final: «aprendi muito sobre a história de Faro». O diretor artístico Rui Ferreira não podia concordar mais. «Todos vão daqui a saber o que é a história da cidade».
«Senti que todos estavam muito atentos o que se estava a dizer. O “Faro Desvendado” vale pelo seu percurso também. Nunca se sabe o que surgirá a seguir», acrescenta o ator, ainda vestido de visigodo.
Quanto a Paulo Luã Manchiça, ainda não sabe se virá para a Universidade do Algarve estudar, mas diz que as hipóteses são «mais altas», depois deste curso de Verão.
Por seu lado, Paula Fraustein, que veio a Faro ao abrigo de um protocolo da UAlg com a Câmara de Odemira para o apoio aos cursos de Verão, também não tem certezas. Já o curso a seguir… «cinema, se calhar», revela, timidamente.
Até à escolha final, ainda falta algum tempo. Por agora, certo é que todos partem da capital algarvia a saber mais sobre a cidade que os acolheu durante uns dias. E onde, cada um à sua maneira, poderão continuar a escrever a sua história – e a de Faro.
Fotos: Ana Madeira|Sul Informação