O anúncio, feito há poucos dias pela empresa CBRE, de que é «a entidade responsável pela comercialização» do agora chamado Praia Grande Eco-Resort, junto à Lagoa dos Salgados, voltou a atrair as atenções sobre esta que é a única faixa de terreno ainda não construída no litoral do concelho de Silves.
A CBRE, que se apresenta como «consultora líder mundial na prestação de serviços para o setor imobiliário», em nota de imprensa enviada às redações, revela que o novo empreendimento tem «uma área de construção potencial de 122 mil metros quadrados», e inclui três hotéis de 4 e 5 estrelas e cerca de 350 unidades residenciais integradas em aldeamentos turísticos, bem como um campo de golfe com 18 buracos.
O terreno é agora propriedade do banco Millenium bcp, na sua qualidade de credor da recém-falida empresa Finalgarve (ex-Grupo Galilei / ex-SLN-BPN). Se avançar, o empreendimento poderá envolver um investimento de 200 milhões de euros.
Escreveu-se acima «se avançar», mas deveria ter sido «quando avançar». É que, como disse Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, em declarações ao Sul Informação, depois de todas as aprovações que o mega empreendimento recebeu, quer da parte do anterior executivo municipal, quer da administração central, nomeadamente do secretário de Estado do Ambiente do governo anterior, que emitiu uma declaração de impacte ambiental condicionada favorável, a empresa proprietária «requereu a emissão do alvará de licença urbanística», a 1 de Julho de 2016.
A autarca, que, quando era apenas vereadora da oposição, votou contra este projeto, acrescentou que «o alvará de obras ainda não foi emitido, mas poderá sê-lo a todo o momento, tendo em conta tudo o que tinha sido já aprovado e decidido pelo anterior executivo da Câmara Municipal».
«Quando eles quiserem, o alvará terá mesmo de ser emitido e depois só lhes falta levantar a licença de construção», para que as obras comecem, acrescentou Rosa Palma. «Se quisessem começar a construir as infraestruturas iniciais, poderiam já ter começado».
Apesar das aprovações a nível local e central, a Câmara Municipal de Silves recordou na quinta-feira, em comunicado, que ainda estão a decorrer «ações judiciais que contestam a legalidade do Plano de Pormenor da Praia Grande, dos termos de execução da Unidade de Execução 1 desse plano urbanístico, e da declaração de impacte ambiental, cujo desfecho incerto pode influenciar o projeto urbanístico, ainda que, até ao momento, não tenha havido qualquer ordem judicial de suspensão dos efeitos dos atos de aprovação praticados».
Por tudo isso, a autarca manifesta-se «impotente» para travar um processo que já estava demasiado avançado quando, em 2013, a CDU ganhou a Câmara de Silves ao PSD. «Sempre disse que não me revia neste projeto, que prevê uma área de construção demasiado grande. Numa zona com um ambiente tão particular, a haver construção, devia ser um projeto mais sustentável», acrescentou Rosa Palma.
No seu comunicado, a Câmara de Silves esclarece: «é público que o atual executivo municipal permanente não se revê no conteúdo do Plano de Pormenor da Praia Grande, defendendo, antes, para a área territorial em causa, um projeto diferente e sustentável, que vá ao encontro do turismo de natureza, em detrimento da construção em massa, que constitui uma fórmula já gasta, que implica a destruição de zonas sensíveis do ponto de vista ecológico, que, por serem tão raras no Algarve, justificam antes a sua salvaguarda e proteção».
Mas o executivo permanente, da CDU, que não tem maioria, não deixa de apontar o dedo aos restantes vereadores (dois do PSD, entre os quais o anterior presidente da Câmara Rogério Pinto, e dois do PS): «também é preciso compreender que, neste processo decisório, onde já existem compromissos urbanísticos assumidos por anteriores executivos, participam igualmente os vereadores não permanentes, que têm tido uma opinião e um sentido de voto maioritário distinto do executivo municipal permanente, influenciando, assim, o destino de um dos últimos “oásis ecológicos” do Algarve».
Apesar de não o dizer, o executivo CDU está a referir-se à decisão tomada, já em Março de 2013, pela maioria formada pelos vereadores da oposição (PSD e PS), que obrigou a Câmara de Silves a contestar a ação intentada pela plataforma de associações ambientalistas contra o Plano de Pormenor da Praia Grande.
Questões políticas à parte, tendo em conta o anúncio da entrega da comercialização do mega resort a uma empresa com grande experiência no setor – que até apresenta como credencial o facto de ter atuado como consultora na «venda do Grupo Lusort, detentor de Vilamoura, a maior transação imobiliária da década neste setor» – tudo indica que as obras podem começar em breve, nesta faixa de terreno ao longo da frente de praia com mais de dois quilómetros, entre a Lagoa nos Salgados e Armação de Pêra.
Francisco Sottomayor, diretor de Promoção da CBRE, em nota enviada à comunicação social, salienta precisamente essa localização do novo resort, que se distingue «pela sua envolvência privilegiada, junto à Lagoa dos Salgados e junto à praia, numa zona premium desta região de Portugal».
Por seu lado, Eduardo Abreu, sócio da Neoturis, outra empresa ligada ao negócio, sublinha que o «Praia Grande Eco-Resort representa uma oportunidade única de promoção turístico-imobiliária, pela sua qualidade, localização e envolvência natural altamente conservada. Para além de promotores imobiliários, acreditamos no interesse de vários grupos hoteleiros no projeto. É com grande satisfação que aceitámos este desafio conjunto e apoiamos a criação de um projeto ímpar em Portugal».
Apesar de agora ser apresentado pelos seus promotores como um «eco-resort», a associação ambientalista Almargem, que tem lutado contra este projeto, frisa que «o projeto agora divulgado é exatamente o mesmo de 2012, então apresentado com grande pompa e circunstância, e que contou com o beneplácito do executivo do Município de Silves e do Governo de então».
A associação acrescenta que os atuais promotores «esforçam-se por associar o seu “Eco”-Resort ao que anteriormente foi designado por Parque Ambiental/Área Protegida de Iniciativa Privada, isto é, uma área supostamente intocada, de forma a branquearem (ou melhor, esverdearem) o impacto brutal do empreendimento».
Ora, salienta a Almargem, «aquela área não é mais que o conjunto formado pelas zonas de uso restrito integradas na REN, e como tal inviáveis para ocupação urbana, mas que não deixam de ser ocupadas parcialmente pelo campo de golfe, para além de terrenos situados na margem da Lagoa dos Salgados que não integram o empreendimento, por oposição dos respetivos proprietários».
A Almargem diz que «gostaria obviamente de acreditar que o “Eco”Resort destes novos promotores pudesse ter significado uma mudança radical no paradigma de desenvolvimento previsto para a zona, num modelo sobretudo centrado nos valores naturais que a área oferece e na ótica de um turismo sustentável».
Só que, sublinha, «não é isso que acontece, antes se revelando como mais uma réplica de tantos outros projetos existentes por todo o Algarve litoral, repetindo erros de um passado infelizmente ainda bem presente e contrariando as boas intenções tantas vezes propaladas nos últimos tempos por responsáveis do turismo nacional e regional, que têm vindo a defender a importância para a região de um turismo de excelência e diferenciador».
Recusando-se a baixar os braços, e na sequência de um encontro de ativistas ambientais, no passado dia 13 de Maio, na zona da da Lagoa dos Salgados e Sapais de Pêra, a Associação Almargem decidiu «avançar desde já com a apresentação ao ICNF de um projeto de classificação de toda esta área como Reserva Natural ou Paisagem Protegida de âmbito nacional».
Vai também ser enviada «uma exposição aos principais responsáveis políticos locais, regionais e nacionais, para que possam desenvolver os esforços necessários de forma a que os valores naturais passem a ser aqui a prioridade número um, em detrimento dos interesses de especulação imobiliária».
Numa altura em que a própria secretária de Estado do Turismo disse que o Algarve tem «todas as condições para ser líder mundial do turismo sustentável», o caso do mega empreendimento da Praia Grande parece pôr em causa essa bela intenção.
Veja aqui o vídeo divulgado pelos promotores do mega empreendimento da Praia Grande: