Uma autocaravana estacionada a escassos vinte centímetros da beira da arriba tem, de facto, uma vista privilegiada sobre o mar. Mas, porque se está no Algarve e as arribas são instáveis, podendo desmoronar-se a qualquer momento, se esta autocaravana cair por aí abaixo, causando feridos ou mortos, quem é responsável?
Não se pense que este é um cenário hipotético. O estacionamento de autocaravanas à beira das arribas é o que se passa todos os dias, em especial neste caótico mês de Agosto, junto à Praia da Marinha, no litoral do concelho de Lagoa, como as fotos bem documentam.
Por isso, o Sul Informação quis saber o que estão as entidades oficiais e as autoridades a fazer, para evitar que situações de potencial perigo como esta continuem a acontecer.
O comandante Santos Pereira, capitão do Porto de Portimão e por isso comandante-local da Polícia Marítima (PM), contactado pelo nosso jornal, diz que a jurisdição sobre o que se passa no litoral pode ser da PM, «na faixa de 50 metros do domínio público marítimo», ou da GNR, para lá dessa faixa.
E se for na faixa dos 50 centímetros ou menos? «Aí, é sem dúvida jurisdição da Polícia Marítima», admite.
Então e o que fazem os agentes da PM para controlar a situação do autêntico parque de autocaravanas estacionadas em cima das falésias da Praia da Marinha, quase todos dentro da faixa de domínio público? «Vamos lá de vez em quando, mandamos saírem de lá. Eles saem, mas no dia seguinte está igual».
E porque não multar, aplicar contraordenações aos prevaricadores? «As contraordenações são inglórias. A maior parte dessas autocaravanas são estrangeiras, os agentes passam as contraordenações, temos de enviar as notificações para o estrangeiro, mas a maioria delas acabam por prescrever, ninguém as paga». Ou seja, nem vale a pena o tempo e o papel que a Polícia Marítima gasta…
E porque não obrigar os prevaricadores a pagar as multas na hora, como já acontece no trânsito? «A Polícia Marítima não o pode fazer, tinha que ser alterada a lei».
E, havendo poucos agentes da Polícia Marítima para a imensidão de coisas que se passam no litoral algarvio no Verão, há quem consiga fazer férias em sítios maravilhosos, desafiando o perigo, pisoteando vegetação, deixando lixo para trás, fazendo fogueiras, cortando árvores para fazer lenha. Até um dia…
Anabela Simão, vereadora do Ambiente da Câmara de Lagoa, manifesta a sua preocupação com a situação que se vive nas arribas do concelho, devido ao caos das autocaravanas. Preocupação…e impotência.
«A Câmara não tem poderes para mandar sair os autocaravanistas desses locais, tem que pedir a intervenção da Polícia Marítima ou da GNR. Mas as autoridades vão lá de manhã e à tarde está igual ou pior», desabafa a autarca.
Tanto na Praia da Marinha, como na Praia do Carvalho, a curta distância, Anabela Simão constata que as autocaravanas vão «até à beirinha das arribas, se pudessem iam até dentro da praia. Eles acabam por pisar a vegetação toda, por abrir novos caminhos, são uma sobrecarga enorme na arriba que, de si, já tem um grande risco de queda».
E então, que solução há? «Queremos colocar, ao longo da estrada de acesso à praia da Marinha uns impedimentos, para que as carrinhas, as autocaravanas e mesmo os carros não consigam ir para cima das falésias. Ainda estamos a estudar qual será a melhor solução, se será colocar ali uns pedregulhos ou uma vedação em madeira. Mas temos receio que, se for uma vedação, eles num instante partam tudo, para terem na mesma acesso».
A vereadora manifestou também a sua preocupação com o caos que se tem gerado, neste mês de Agosto, no acesso à praia da Marinha, com a estrada entupida de carros mal estacionados, de tal modo que apenas se consegue fazer um sentido de trânsito. Ainda há dias, quando houve um foco de incêndio na zona, o carro dos Bombeiros de Lagoa teve de esperar mais de meia hora que a GNR viesse rebocar carros mal estacionados, para poder sair.
«É uma situação que nos preocupa, porque, se houver a necessidade de passar uma ambulância para a praia ou um carro de bombeiros, não se consegue». Ainda no domingo uma turista francesa que teve um acidente na praia, fraturando uma rótula, teve de ser retirada por mar, como o Sul Informação noticiou.
«Este ano, as praias do concelho de Lagoa têm tido uma procura muito superior aos Verões passados, tem sido demais. Quanto à Marinha, temos de pensar, em conjunto com a Agência Portuguesa de Ambiente, como limitar o peso em cima da arriba, criando parques de estacionamento noutra zona»…ou simplesmente limitando o acesso à praia, com recurso à GNR, como há anos se faz nas praias do Portinho da Arrábida.
Mas as soluções, para o estacionamento selvagem das autocaravanas ou para os acessos entupidos de carros, sejam elas quais forem, só deverão avançar depois de terminado o mês de Agosto.
Até lá, é fazer de conta que casos como o da arriba da praia Maria Luísa, em Albufeira, que voltou a cair há duas semanas, chegando a temer-se o pior, não são um perigo iminente na costa rochosa do Algarve. E rezar para que nada corra mal, muito mal.
Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação