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aulas refugiados (2)Deixaram a Eritreia, o Iraque ou o Irão para fugir à guerra e procurar uma vida melhor e mais segura. Se calhar, não pensaram que Faro, Moncarapacho ou Albufeira fossem o destino, mas é aí que estão a tentar reconstruir as suas vidas, passo a passo. O primeiro de todos é aprender a falar a língua do país que acolheu estes 13 refugiados, que frequentam as aulas de “Português para Todos” promovidas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

A sala de aula, na sede da União de Freguesias da Sé e São Pedro, em Faro, está quase cheia (além do grupo de refugiados, há também imigrantes que frequentam a formação) e a mescla linguística é enorme: fala-se árabe, inglês, português ou tigrínio (a língua da Etiópia e da Eritreia) e a formadora Marta Santa Rita não pára um instante, dirigindo-se a cada um dos alunos para esclarecer as dúvidas que surgem no exercício que estão a fazer.

«É uma aula muito personalizada. Convém que a formação seja dada em português, mas este grupo tem um senão: são muito escolarizados e, por isso, a conversa “foge” muito para o inglês. Tento não falar, mas alguns alunos pedem a tradução. Quem aqui está tem níveis de língua portuguesa muito diferentes, pode ser o mesmo grupo, a mesma matéria, mas o processo para lá chegar é diferente», explica a formadora.

aulas refugiados (3)

A entrada do jornalista do Sul Informação na sala de aula, acompanhado pelo presidente da União de Freguesias da Sé e São Pedro, pela diretora do Centro de Emprego de Faro e pelo diretor de Serviços do IEFP de Emprego e Formação, interrompe a formação e há reações diversas. Há quem mostre entusiasmo, mas a princípio quase ninguém se mostra disponível para falar. A possibilidade de tirar uma fotografia com a turma também esbarra, numa primeira fase, na recusa de alguns formandos em aparecer na imagem.

A aula decorre e há a primeira abertura para uma conversa com um dos refugiados, alguns minutos depois. O eritreu Abdu Omer, vestindo uma camisola da seleção portuguesa, liberta a cadeira ao seu lado e começa a responder timidamente às perguntas que lhe são colocadas, aproveitando, desde logo, para elencar algumas das dificuldades que encontrou desde que está em Portugal.

«Sem trabalho, temos muitas dificuldades. Só temos 100 euros para todas as despesas, precisamos de mais. Já estamos quase em Agosto e não tenho trabalho, só saio para vir à escola», conta.

Ainda assim, Adbu, que trabalhava na área metalúrgica na Eritreia, diz que gosta de frequentar as aulas de português, apesar de serem «difíceis», e garante que «se tivermos condições, queremos ficar aqui [em Portugal]. Mas, se não melhorar, vamos para outro país».

Sobre a forma como foi recebido no Algarve, Abdu, que foi acolhido pela Fundação António Silva Leal, em Albufeira, só tem elogios. «As pessoas são muito boas e simpáticas, não tive problemas».

A conversa com Abdu desinibiu grande parte do grupo de refugiados e Fishale Kidane, de 20 anos, também eritreu, aproximou-se e também viu na presença de um jornalista uma rara oportunidade para falar dos seus problemas em Portugal. «O dinheiro que recebemos [100 euros] é tudo o que temos para comprar roupas e medicamentos. Já disse que quero arranjar trabalho, mas o meu responsável diz que preciso da aprovação do SEF e o SEF não liga. É um problema, vim com três amigos e dois já foram embora. Portugal é bom, mas, se não tenho trabalho, tenho de ir embora. Se tiver trabalho, eu fico».

Fishale, que está em Faro, na Santa Casa da Misericórdia, aproveita os tempos livres para «ir à praia». «Isso é bom», diz sorridente.

Menos sorridente estava a eritreia Tseadey Zewydu, a única mulher do grupo, acolhida pela Delegação da Cruz Vermelha de Faro, que pediu a Fishale para transmitir que vive numa casa sozinha, sem wifi, um problema que é agravado com o facto de os 150 euros que recebe não serem suficientes para comprar dados móveis, para utilizar no estrangeiro. Além disso, «não tem TV ou forma de lavar as roupas». Ou seja, sem ligação ao mundo, via internet ou pela televisão, Tseadey Zewydu sente-se ainda mais isolada.

O iraniano Mohammed Sgfor, de 21 anos, foi quem demonstrou mais abertura para falar com o “intruso” presente na aula, talvez para mostrar os seus dotes na língua de Camões, uma vez que fez questão que a conversa fosse mantida em português e já com uma fluência assinalável.

Santa Casa Misericordia Faro (Medium)
Cinco refugiados estão na Santa Casa da Misericórdia de Faro

Mohammed, que foi acolhido pela Santa Casa da Misericórdia de Faro, diz que está a gostar de Portugal e tem objetivos claros: «eu gosto de Portugal, mas quero crescer. Gosto das pessoas, são simpáticas. Para viver, Portugal é bom. Aqui só falta o trabalho, porque, sem dinheiro, não se vive».

Mas, antes de trabalhar, Mohammed quer estudar, porque tem o objetivo de ser médico e revela que até gostava que isso acontecesse no país que o acolheu.

Ao lado de Mohammed, está sentado Salwan, que veio do Iraque e que não tem tantas certezas sobre o seu futuro: «não tenho um plano», revela.

Sobre Faro, onde vive, Salwan diz que «é uma cidade sempre muito silenciosa, sem barulho e que ajuda a pensar e promover a imaginação». Para passar o tempo na cidade, Salwan gosta de passear, mas lamenta não poder ir às compras «sem dinheiro»

Apesar de não ter tido muito contacto direto com os portugueses, devido à barreira linguística, o iraquiano diz que, daquilo que vê, «os portugueses aparentam ser muito boas pessoas, com trato fácil e sempre sorridentes».

Berhe Tesfahuney e Maekele Atobrhan vieram ambos da Eritreia e não estão contentes com o que encontraram no país. «Portugal não é bom. Na Itália, prometeram-nos muito [para vir para Portugal], mas não temos comodidades e dinheiro», diz Behre.

Já Maekele diz que quer ficar em Portugal, «mas só se tivermos condições».

Apesar de considerarem as aulas de português muito úteis, todos lamentam que tenham começado «só ao fim de três meses». É que, salientam, «para trabalhar aqui, é preciso saber primeiro a língua».

«Disseram-me que, quando chegasse aqui, poderia ter o passaporte e depois podia trazer a família, mas ainda não temos nada disso, foram só promessas», lamenta Berhe.

Berhe e Makele foram acolhidos em Albufeira pela Fundação António Silva Leal e a adaptação à “capital do turismo” também não está a ser ideal: «Albufeira é para turistas, se é para eu viver em Portugal, porquê Albufeira?», questiona.

Apesar dos problemas, o ambiente na sala de aula não fica afetado e as queixas não se refletem na aprendizagem: «de um modo geral são interessados, alegres, trabalham, fazem o que se pede e estão motivados para aprender a língua», garante Marta Santa Rita, a formadora.

Se em Faro são 13 os refugiados que estão a ter o primeiro contacto com a língua portuguesa, no Centro de Emprego de Portimão, há também três já integrados numa outra turma, igualmente com imigrantes de várias nacionalidades.

 

Primeiro a língua, depois os documentos e, finalmente, o trabalho

IEFPAdbu quer trabalho, Behre quer trabalho, Fishale quer trabalho, Maekele, Tseadey, Mohammed e Salwan também, mas ainda vão ter de esperar, pelo menos, até dominarem melhor o português,.

Fátima Cortes, diretora do Centro de Emprego e Formação Profissional de Faro, explica que, para já, «o nosso objetivo é ensiná-los a falar português. Numa fase seguinte, seremos chamados à validação de competências que já têm. São pessoas que não trazem documentos que atestem a sua formação e esta parceria com o IEFP, mais tarde, será também para ajudar a que se integrem profissionalmente».

O IEFP ainda não foi chamado «a tentar integrá-los no mercado de trabalho. Essa será a fase seguinte. Vamos ter de saber história de vida, que competências têm, se há competências valorizadas no mercado de trabalho ou se há necessidade de completar a sua formação. A primeira fase é de integração, de domínio da língua, depois é necessária a documentação», que virá do SEF, com a autorização definitiva de permanência, explica António Travassos, diretor dos serviços de Emprego e Formação.

«Muitas destas pessoas nem inglês falam, têm muitas dificuldades em comunicar, por isso a prioridade é ajudar e dar-lhes ferramentas para se relacionarem connosco. Sem falarem português, não é possível avançar para mais nada. Para avaliarmos o que precisam, é necessário que consigam falar com os nossos técnicos», acrescenta Fátima Cortes.

O que quer dizer que Abdu, Behre, Fishale, Maekele, Tseadey, Mohammed, Salwan e os outros refugiados que já chegaram ao Algarve vão ter de manter a aplicação nas aulas de português, para que os problemas que agora enfrentam se possam resolver.

 

sulinformacao

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