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Vestido com um fato impermeável e com as mãos enfiadas em grossas luvas de borracha, o investigador João Oliveira segura uma vara metálica comprida e tem água acima da cintura. A vara está ligada por um cabo ao gerador e serve para dar pequenas descargas elétricas na água da ribeira e atordoar os peixes, que ficam a boiar à superfície e são imediatamente capturados no camaroeiro.

«O que fazemos aqui é a pesca elétrica, ou seja é atordoar os peixes para os poder capturar com o mínimo de danos. Depois é medi-los, identificá-los, tomar nota dos dados e finalmente devolvê-los à ribeira», explica João Oliveira, do Instituto Superior de Agronomia (ISA).

Este trabalho de recolha de dados está a decorrer, este ano, pela terceira vez consecutiva, na Ribeira de Odelouca, a jusante da barragem com o mesmo nome, e integra-se nos trabalhos de monitorização da ictiofauna (peixes), integrados nas medidas de compensação ambiental pela construção da barragem.

Espécies da zona (endémicas) e mais ou menos raras como barbos-do-sul, bogas-do-sudoeste, escalos-do-Arade, mas também verdemãs, taínhas, enguias, ou ainda espécies exóticas, como a perca-sol, a gambúzia ou o chanchito, têm estado a ser pacientemente recolhidas, medidas, identificadas e depois devolvidas de novo às águas da ribeira.

A espécie mais ameaçada que ali tem sido encontrada é a enguia, a qual, salienta o investigador do ISA, «no plano europeu, é uma espécie em declínio». Mas ali, na ribeira de Odelouca, há muita enguia.

Uma tainha da ribeira de Odelouca nas mãos do investigador

João Oliveira recorda o original ciclo de vida da enguia, que desova no Mar dos Sargaços, no meio do Oceano Atlântico, depois sofre uma metamorfose e regressa ao rio onde já os seus antepassados estiveram, migrando para montante, ou seja, subindo o rio. Por isso, sublinha, «a sua principal ameaça são as barragens. Mas aqui na ribeira de Odelouca, até à barragem, há muita enguia, talvez seja até a espécie mais abundante».

Os trabalhos de monitorização decorrem de um protocolo entre a empresa Águas do Algarve SA, responsável pela obra e exploração da Barragem de Odelouca, o ISA e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), contando ainda com a participação da Universidade do Algarve. Integram-se no âmbito das medidas de compensação ambiental exigidas pela Comissão Europeia para autorizar a construção de uma albufeira que veio ocupar áreas de grande sensibilidade ambiental, nomeadamente grande parte de um Sítio Natura 2000. A barragem é também obrigada a manter o caudal ecológico, ou seja, a libertar água para a ribeira a jusante, de modo a manter o seu funcionamento normal.

Os trabalhos de monitorização da ictiofauna e de recuperação das margens da ribeira já estão a decorrer há três anos. Mas o investigador João Oliveira está preocupado: «por muito boa intenção que haja ao nível do caudal ecológico e das requalificações, esse esforço é torpedeado pela ribeira de Monchique e pelas descargas descontroladas das suiniculturas ao longo dessa linha de água».

Um pequeno verdemã a ser medido

É que, logo abaixo do paredão da barragem, portanto não afetando a qualidade das águas da albufeira, fica a confluência da ribeira de Monchique com a de Odelouca. E, enquanto na bacia que drena para a albufeira tem havido atenção aos focos de poluição – ainda recentemente foi consignada a obra da ETAR de São Marcos da Serra, para eliminar mais esse foco -, na ribeira de Monchique não tem havido «qualquer controlo».

«Este Inverno, como choveu muito, frequentemente nos apercebemos de descargas ilegais dos efluentes das suiniculturas que se situam junto a essa ribeira, poluindo as águas», admitiu Marisa Viriato, engenheira de Ambiente das Águas do Algarve.

«Para gerir um rio, há que pensar em toda a sua bacia hidrográfica. Só a gestão integrada de toda a bacia permite melhorar a ribeira», insiste João Oliveira.

Apesar deste alerta, o investigador considera que há «fatores de motivação» para o trabalho que tem estado a fazer na ribeira de Odelouca: «nas amostragens que fizemos, as espécies endémicas e mais em perigo ainda existem, em alguns locais, com efetivos muito interessantes». Mas, sublinha mais uma vez, «todo este esforço pode ser comprometido pelo que se passa na ribeira de Monchique».

 

Margens da ribeira estão de cara nova

 

O programa ambiental de Odelouca, as tais medidas de compensação e de sobre compensação ambiental exigidas pela CE, têm como estrela o Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico, na Herdade das Santinhas, ali perto na serra e Silves.

Mas inclui também a monitorização e recuperação da ictiofauna e da avifauna (com a águia-de-Bonnelli como espécie emblemática), a valorização e requalificação das galerias ribeirinhas na Ribeira de Odelouca, a requalificação de habitats nas serras de Silves e Monchique, que tem passado, por exemplo, pela plantação de milhares e milhares de árvores, nomeadamente de sobreiros.

No que diz respeito à recuperação das margens da ribeira, foram definidos cinco troços para esta intervenção, todos localizados abaixo do paredão da barragem. «São troços não contínuos, que totalizam dois quilómetros de galeria ripícola, apresentando cada um uma proposta de intervenção específica para resolver um problema em concreto», explicou a engenheira Marisa Viriato, na visita de jornalistas que a empresa Águas do Algarve (AdA) organizou, na semana passada.

Troço da ribeira de Odelouca a ser recuperado: os gabiões seguram as margens e neles foi plantada vegetação, para renaturalizar

No âmbito do protocolo entre a Ada, o ISA e a UTAD, «foram recolhidas as espécies que eram mais importantes nas galerias ripícolas desta ribeira, foram reproduzidas em viveiro no ISA e depois replantadas aqui, nos troços definidos para requalificação», explica a técnica. «Desta forma, preservámos o material genético das árvores e arbustos daqui, salgueiros, tamargueiras, loendros, e foram essas plantas que foram aqui colocadas».

Ao todo, já foram plantadas 30 mil pequenas árvores e arbustos e em muitos troços das margens de Odelouca as canas que invadiam já os terrenos agrícolas dão agora lugar a loendros, tamargueiras e salgueiros. Além disso, em certos locais no meio da ribeira, foram criadas pequenas ilhas artificiais, também plantadas sobretudo com salgueiros, para servirem de abrigo a animais, mas, sobretudo para funcionarem como zonas de acalmia das águas, numa ribeira cujo regime é torrencial, como todas no Algarve.

Curva da ribeira de Odelouca a ser recuperada
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