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Ribeira do Vascão_1O Saramugo (Anaecypris hispanica), que é o mais pequeno peixe da fauna da bacia do Guadiana, raramente ultrapassa os 7 centímetros de comprimento. No entanto, este peixe minúsculo está a ser alvo de um Projeto LIFE+ financiado pela União Europeia, uma vez que a sobrevivência da espécie, por causas variadas, corre extremo risco.

Uma das maiores ameaças ao pequeno Saramugo vem das espécies de peixe exóticas. «Um achigã faz posturas de 30 a 50 mil ovos, enquanto as do saramugo são de 200 ovos», explica o biólogo Ricardo Silva a um grupo de voluntários que, no início do mês, na ribeira do Vascão, junto à aldeia alcouteneja de Giões, participou num passeio interpretativo e ação de voluntariado integrados na vertente de educação ambiental do LIFE Saramugo.

Além do achigã, foram identificadas como espécies de peixe exóticas (ou seja, trazidas de outras regiões do planeta e introduzidas pelo homem nos cursos de água) no Vascão, afluente do Guadiana, a perca-sol, o chanchito (ou perca-espanhola), e o peixe-mosquito. «São espécies muito agressivas e com uma capacidade de reprodução brutal. Por isso, as nossas espécies têm muita dificuldade em competir com estas», acrescenta Ricardo Silva.

 

Saramugo
Saramugo

 

Segundo Natasha Silva, foram já identificadas «12 espécies exóticas na Bacia do Guadiana». «Essas espécies expandem-se e colonizam as ribeiras afluentes. O lúcio-perca, por exemplo, foi detetado pela primeira vez em 2013 na foz do Vascão, por uma equipa da Universidade do Algarve. No ano passado, voltaram a capturar esta espécie. Os seus impactos no ecossistema são imprevisíveis, mas serão negativos, já que se trata de um aespécie extremamente voraz», acrescenta Hugo Lousa.

Naquele sábado nublado do início de Fevereiro, era fácil o trabalho do grupo de duas dezenas de voluntários vindos de todo o Algarve e do Baixo Alentejo e guiados por Ricardo Silva, Hugo Lousa e Natasha Silva, os três técnicos do Projeto LIFE+ “Conservação do Saramugo (Anaecypris hispanica) na bacia do Guadiana (Portugal)”, que tem a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) como principal promotora.

Primeiro, houve um passeio interpretativo ao longo das margens do Vascão, que marca a fronteira entre Algarve e Alentejo, desde a Ponte de Giões junto ao arruinado moinho de Relíquias até ao Moinho do Alferes. Um curto passeio de dois quilómetros, ao longo dos quais foi possível ver, por exemplo, os resultados de uma intervenção feita pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para erradicação dos canaviais, que são uma espécie de flora exótica e invasora, das margens do Vascão.

No fim, os voluntários ajudaram a plantar cerca de duas dezenas de árvores e arbustos (freixos, loendros, murtas) num terreno junto à ponte na estrada entre Giões e Mértola, onde será criada uma pequena zona de descanso e de interpretação da paisagem. Uma tarefa que os voluntários despacharam numa hora, fazendo votos para que a chuva continuasse, para que as pequenas plantas tenham condições para sobreviver, antes que chegue o Verão, que por aqui é bem seco.

 

LIFE Saramugo_ribeira do Vascão_02

«O Vascão é uma das ribeiras mais emblemáticas e mais bem conservadas do Sul de Portugal, por isso mesmo ainda aqui há o saramugo», explicou Natasha Silva. Pelas suas características únicas, a Ribeira do Vascão foi designada, em 2012, como um dos dois novos Sítios Ramsar em Portugal.

Como todos os cursos de água desta região, no Inverno, o rio tem regime torrencial, mas, no Verão, pára de correr ou corre apenas por baixo do cascalho, e forma pegos. Mostrando que a vida é dura nestas paragens, os peixes, crustáceos, insetos e anfíbios que dependem da água conservam-se nesses pegos. Daí que a conservação desses charcos no meio do leito das ribeiras seja considerada fundamental.

O saramugo, que tinha inicialmente sido identificado em «10 sub-bacias do Guadiana», ou seja, em 10 afluentes deste rio, ficou reduzido, com a seca de 2005, a apenas cinco. «Talvez ocorra nas outras, mas não em quantidade suficiente para ser detetado. Este ano, vamos fazer um esforço para ver se o saramugo ainda se mantém nas outras sub bacias», explica Ricardo Silva. Para já, ao que se sabe, o pequeno peixe sobrevive ainda nas ribeiras da Foupana, Odeleite, Ardila/(Murtigão e Safareja), Chança e Vascão.

O projeto LIFE Saramugo, que começou em 2014 e se prolonga até Janeiro de 2018, já identificou as principais ameaças. E elas são a seca, as alterações do habitat, como o assoreamento da ribeira que reduz os pegos, as espécies exóticas de peixes, e ainda fatores humanos, como a poluição ou a destruição das margens.

E têm avançado ações concretas no terreno para corrigir algumas situações, como o trabalho feito pelo ICNF já referido, de retirar uma mancha grande de canavial, substituindo-o por espécies de arbustos e árvores locais, como o tamujo, o salgueiro, o freixo e o loendro.

No que diz respeito ao leito, também estão previstos mais dois desassoreamentos em locais pontuais, depois de um primeiro feito em 2014 pelo ICNF, previsto no Plano de Ação do Saramugo e financiado pela Somincor SA.

Assim como, em alguns dos pegos mais importantes, avançarão medidas para limitar o acesso direto do gado à linha de água, fornecendo, segundo Natasha Silva, «outras formas de abeberamento» para esse gado, como charcas ou bebedouros. Esta limitação do acesso deverá ser feita em cinco ou seis pegos nas várias ribeiras.

 

Ribeira do Vascão_2

Mas a ação mais importante, e que dá mais trabalho, é a remoção das espécies de peixe exóticas. Segundo é explicado na página do projeto, no site da LPN, «uma das ameaças à sobrevivência do saramugo é a pressão causada pelas espécies exóticas (espécies não pertencentes à fauna portuguesa), neste momento distribuídas pela maioria dos afluentes do rio Guadiana. Essa pressão verifica-se ao nível da competição pelo espaço e alimento bem como da predação direta dos ovos, dos juvenis e dos adultos».

«Durante o Verão, as ribeiras deixam de correr e formam-se pegos que servem de refúgio aos organismos aquáticos. Alguns destes pegos estão identificados como locais onde existe uma grande abundância de espécies exóticas, que coexistem com espécies nativas entre as quais o Saramugo. É nestes locais e nestas condições que o Projeto LIFE Saramugo, prevê a remoção de espécies exóticas, com o objetivo de reduzir substancialmente esta ameaça».

E é para esta tarefa que a LPN tem promovido ações de voluntariado, entre meados de Julho e finais de Setembro, para a remoção de exóticas, com recurso a pesca com rede, em alguns pegos da ribeira do Vascão.

«Este tipo de atividade requer um conjunto de meios humanos, onde a ajuda de voluntários é sempre bem-vinda». Este ano, até haverá uma novidade: vai ser testado um dispositivo de remoção de exóticas, que os três técnicos do projeto não quiseram adiantar qual será.

Apesar de, na manhã nublada de Fevereiro, a perspetiva de passar umas horas dentro de água não ser das mais atrativas, Natasha Silva fez questão de deixar o convite. «Apelo a quem quiser, a estar atento às nossas informações (nomeadamente no Facebook), para depois se inscrever e ajudar-nos».

 

LIFE Saramugo_ribeira do Vascão_07

E como é feita essa remoção dos peixes exóticos? São usadas redes de cerco, que fazem um arrasto e depois é feita a triagem. «Os nativos são devolvidos à água, os exóticos são removidos e servem para estudos ou são cedidos a centros de recuperação de animais selvagens, onde são usados para a alimentação desses animais».

E não se pense que o pequeno saramugo é a única espécie de peixe autóctone destas ribeiras. Há aqui 12 espécies nativas, mas a verdade é que, salienta Hugo Lousa, «mais de três quartos de todas as indivíduos capturados são de espécies exóticas».

«Ao longo da campanha do Verão de 2015, capturámos 13 mil peixes e só 10% de todos eles é que eram espécies autóctones». Dados que ilustram bem a guerra titânica que o saramugo e os outros peixes locais têm que travar todos os dias para sobreviver…

E a Barragem de Alqueva, que impacto teve na já frágil situação do saramugo? «Piorou a situação, uma vez que, com as suas águas paradas, tem condições ideais para estas espécies exóticas», revela Ricardo Silva.

«Cada vez que há uma descarga de água do Alqueva para o rio Guadiana, a temperatura cai dois graus, o que é suficiente para os bichos não terem estímulo suficiente para se reproduzirem», acrescenta Hugo Lousa.

Por isso, uma das propostas do LIFE Saramugo é que se evite que, quando há descargas de Alqueva, esses peixes exóticos saiam de lá. Está mesmo em estudo um projeto que passa por colocar uma grade nas descargas.

 

LIFE Saramugo_ribeira do Vascão_01

Para o ano de 2016, além da campanha de remoção de exóticas que decorrerá no Verão, há muito trabalho no terreno a fazer, para lá da investigação científica pura e dura. Um dos projetos é afundar mais alguns pegos.

Ou seja, ao longo de quatro anos de duração do projeto, muito trabalho haverá ainda a fazer. Mas, como salientam os promotores do LIFE Saramugo, este projeto «pretende ser um catalisador decisivo para a conservação a longo prazo desta espécie tão ameaçada no Mundo, que apenas existe no Sul da Península Ibérica e que é um símbolo vivo dos nossos rios selvagens, saudáveis e sem poluição». E todos podem dar o seu contributo, ainda que pequeno, como se viu naquele sábado de Fevereiro.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação:

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