Até 2011, Mohamed Tarek Said tinha uma «vida boa», numa pequena cidade, perto de Damasco, a capital da Síria, onde «ia para a escola, estava com os amigos e com a família, ia passear…». Depois, veio a guerra e Tarek perdeu tudo isso. A escola passou a fazer recrutamento para o exército, os tiroteios passaram a ser uma constante e a família foi obrigada a separar-se.
Tarek fugiu para a Turquia, onde terminou o ensino secundário, e, há pouco mais de um ano, chegou a Faro, antes de a crise migratória ocupar as capas de jornais por toda a Europa. Agora, com 19 anos, o estudante de Ciências Farmacêuticas da Universidade do Algarve recuperou uma parte da «vida boa» que tinha na Síria, mas, se puder, é para lá que gostaria de voltar «para ajudar as pessoas».
Foi a Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios, promovida pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio, que trouxe Tarek para Portugal e para a Universidade do Algarve, de modo a prosseguir os estudos, mas nem tudo foi fácil nos primeiros tempos.
«No início, tinha medo de falar com os portugueses, porque não os conhecia. Tinham outra cultura, outro país, e eu nunca tinha visto pessoas europeias», contou o jovem sírio ao Sul Informação, na primeira entrevista que deu a um jornal.
Agora, a imagem que tem de Portugal é diferente: «os portugueses são simpáticos, simples. São boas pessoas. Não sinto que pensem: “ah ele é da Síria, não quero falar com ele”. Tratam-me como uma pessoa portuguesa, uma pessoa normal».
Em Portugal, tal como no pré-guerra na Síria, Tarek gosta de se encontrar com os amigos, jogar futebol ou ir à praia. «Agora tudo está mais fácil, mais calmo, gosto do Algarve, tem bom tempo», diz.
Os melhores amigos de Tarek em Portugal são portugueses e é com eles que procura aprender a língua, depois de ter frequentado o primeiro nível do curso de iniciação ao português na UAlg. Enquanto fala com o Sul Informação, nota-se que algumas palavras já entraram no seu vocabulário, introduzindo vocábulos portugueses nas frases construídas em inglês, língua em que prossegue a conversa.
O facto de ser sírio é, normalmente, tema de brincadeira entre o seu grupo de amigos. No entanto, Tarek já passou por algumas situações desconfortáveis: «já tive quem me dissesse, quando fui apresentado pelos meus amigos, que tinha medo de mim, porque sou da Síria».
Essa frase foi dita meio a sério, meio a brincar, mas Tarek sabe que há quem ache «que os refugiados vão trazer a guerra para a Europa».
A opinião que o jovem tem sobre esse tipo de pensamento é clara: «eu digo que isso é estúpido, porque foi a guerra que nos levou a deixar o nosso país. Também há quem diga que os refugiados vêm roubar os empregos ou para ganhar dinheiro. Isso é também impossível. Eu chego a um país novo, não conheço a cultura, ou a língua… é impossível».
O drama de quem arrisca a vida para entrar na Europa, atravessando o Mediterrâneo, é bem conhecido de Tarek. «Tenho um primo na Áustria que fez isso, tenho também conhecidos na Alemanha e um deles diz que está arrependido, que é difícil e que quer voltar. É difícil aprender a língua, adaptar-se ao país. Alguns chegam e não têm nada para fazer e não sabem como aprender a língua», explica.
Em relação à família mais próxima, Tarek tem uma irmã na Jordânia, os outros irmãos estão a estudar na Turquia e o pai conseguiu um trabalho numa clínica síria, também na Turquia, como médico.
No entanto, há quem não consiga o que o pai de Tarek alcançou e essa é uma das motivações para tentar a sorte na Europa: «as pessoas perderam tudo. Na Síria não têm casa, na Turquia não têm dinheiro, nem trabalho. As pessoas não têm nada a perder, assumem o risco e vão».
Ainda assim, caso Tarek não tivesse conseguido a oportunidade de estudar em Portugal, esse é um cenário que não coloca: «eu acho que não faria algo assim. Apanhar o barco até à Grécia, depois andar durante dias para chegar à Alemanha… Isso não é para mim, não sinto que fosse capaz de o fazer».
Sobre o futuro, Tarek tem um desejo: regressar ao país onde nasceu e viveu antes de a guerra começar, um país bem diferente daquele que deixou em 2012. «Tudo mudou. A guerra começou e as pessoas começaram a ficar agressivas, com combates entre o governo e gente comum. Não digo que seja uma guerra civil, porque não é bem isso, era o governo contra as pessoas, na rua. Havia pessoas com armas a matar outras sem armas, só porque elas gritavam que não queriam corrupção… eu vi isto», lembra.
A «vida boa» que tinha, desapareceu. «Na minha escola, começaram a convencer os estudantes a alistar-se no exército, havia combates na rua e não podíamos sair, não havia eletricidade, havia muita pressão».
O auto-denominado Estado Islâmico chegou depois da saída de Tarek da Síria, também por isso, o jovem não sabe como irá encontrar a cidade que deixou, caso possa voltar. «Durante o tempo em que lá estive, a minha cidade não mudou muito, não houve bombardeamentos, apenas tiros, mas depois não sei. Sei que à volta da minha cidade houve muita destruição».
Por isso, quando terminar o curso, Tarek gostava de voltar para ajudar a reconstruir o país que conheceu antes de 2011. «A Síria está em guerra há quatro anos, está tudo destruído, gostava de regressar para ajudar as pessoas».
No entanto, este é um cenário que coloca apenas se a guerra que o levou a alterar os planos tiver um fim. «Se o meu país estiver bom e puder trabalhar lá… Se não, posso trabalhar em Portugal e dar algo de bom aos portugueses. Se vocês me dão coisas boas, acho que devo retribuir», concluiu.