A indústria conserveira está a renascer na bacia do Arade, pela mão de três jovens empreendedores, que criaram a marca «Saboreal».
A nova empresa conserveira, que começou a laborar em princípios do mês de Julho, situa-se na Zona Industrial do Pateiro, no Parchal (Lagoa), frente a Portimão, do outro lado do rio Arade.
Os três jovens empreendedores são o belga Vincent Jonckheere, de 34 anos, professor universitário de Economia na Bélgica, Manuel Mendes, de 30 anos, farmacêutico de formação, e André Teixeira, de 28 anos, armador de pesca, todos nascidos ou ligados a Ferragudo. Não se consideram industriais, mas sim «artesãos conserveiros».
«Apesar de nos conhecermos apenas desde há alguns meses, somos um trio que funciona como uma verdadeira equipa, todos com o objetivo de desenvolver bons produtos e manter a qualidade», explicou Vincent ao Sul Informação.
Como é que tudo começou? Vincent Jonckheere explica, no seu português impecável, embora com sotaque: «estudámos primeiro a cultura local. Na bacia do Arade, deste lado do Parchal e Ferragudo e em Portimão, chegou a haver 23 fábricas de conservas. Desde há décadas que não havia nenhuma, aliás, neste momento, não haverá em Portugal inteiro 23 fábricas de conservas».
Já que sempre se interessou por estes temas, Vincent quis «saber as razões porque desapareceram essas conserveiras», para poder desenvolver «um projeto inovador que recupere as fábricas de conservas, mas não caia nos mesmos erros».
É por isso que os três empresários se consideram «artesãos conserveiros» e não industriais. «Não temos nada contra as grandes indústrias de conservas, mas acreditamos nos artesãos, nos que fazem tudo com as próprias mãos, para podermos ter um produto diferente». «A manualidade traz qualidade», acredita Manuel Mendes.
Para aprender essa manualidade, no seu período de pesquisa e testes, os três empreendedores passaram «algum tempo» com antigas operárias conserveiras, que lhes explicaram como eram feitas as conservas, mas também lhes ensinaram «os gestos necessários, como o gesto do descabeçar do peixe».
«Tenho uma grande paixão pela cultura e pela história portuguesa. Um dia fui ao Museu de Portimão e saí de lá com a ideia de que era impossível que esta região não voltasse a ter uma indústria de conservas», conta Vincent, entusiasmado.
Vincent Jonckheere: «Um dia fui ao Museu de Portimão e saí de lá com a ideia de que era impossível que esta região não voltasse a ter uma indústria de conservas»
Ao longo de três anos de pesquisa, o belga visitou «vários tipos de fábricas de conservas, de peixe e de legumes, em especial em França, para imaginar uma linha pequena e artesanal, mas com a possibilidade de triplicar a sua produção, se o mercado assim quiser».
Por seu lado, André Teixeira salienta que a nova conserveira só trabalha «com matéria prima local». «Nós conhecemos os pescadores e sabemos que o peixe provém de pescas sustentáveis», acrescenta.
Também os legumes utilizados – tomate, cebola, cenouras – «são produtos locais, produzidos num raio de 20 ou 30 quilómetros», garante Vincent. O sal também é algarvio. «É formidável haver uma região como o Algarve, onde é só fazer uns quilómetros e encontra-se produtos de grande qualidade».
Quando a «Saboreal» começar a transformar atum, o peixe não será proveniente da costa algarvia, mas de mais longe, do Atlântico Sul e do Índico, mas, ainda assim, «são atuns pescados e congelados pelos barcos da minha empresa armadora, a Pescarade, registados em Ferragudo, ou seja, sabemos a qualidade e a proveniência desse peixe», garante André.
Para já, a pequena unidade produz dois tipos de conservas de sardinha, cavala e carapau, apresentados não em lata, mas em frasco de vidro.
Nesses frascos, envolvidos em bom azeite extra virgem de 1ª pressão a frio, estão sardinhas, cavalas ou carapau (Sardinha e Cavala tradicional com azeite e Carapau com molho à Algarvia), ou “tapas”, um novo produto que desenvolveram e que consta de uma mistura de peixe com outros “condimentos”. Dessa mistura, resulta, por exemplo, cavala com amêndoas e azeitonas, mas também outras delícias gourmet.
As razões para usar frasco de vidro são explicadas por Manuel Mendes: «para começar, dá uma imagem de manualidade, de produto de artesãos conserveiros, que é o que nós somos. A lata precisa de uma industrialização muito maior, de maior volume de produção. A nossa linha trata menos de 100 quilos de peixe por dia e nem sequer compensava adquirirmos a maquinaria para fazer as latas».
Manuel Mendes: Frascos de vidro dão «uma imagem de manualidade, de produto de artesãos conserveiros, que é o que nós somos»
Por outro lado, salienta André Teixeira, com o frasco de vidro «vê-se o produto que se está a comprar».
Ao afirmar-se como artesãos conserveiros, os três jovens empreendedores apostam em produtos criados em pequenas quantidades, gourmet, que se afirmem pela sua qualidade.
Um dos segredos dessa qualidade, nomeadamente ao nível da textura e do sabor, é o facto de as conservas serem feitas numa autoclave de pequena dimensão, construída em Portugal.
A cozedura rápida em autoclave, em pequenas quantidades, permite, segundo explicam, «manter o sabor genuíno e a cor original do peixe». «Temos a impressão de estar a comer peixe fresco», garante André Teixeira.
A fábrica – que tem apenas um funcionário, além dos três empreendedores – começou a produzir em princípios de Julho, depois de meses de testes e provas. As primeiras conservas foram vendidas para a Casa do Panito (na Rua Vasco da Gama, em Ferragudo), para a Casa Grande, um bar de petiscos em Ferragudo, para a Loja e Café «Earth», em Carvoeiro, e para a loja Maria do Mar, em Portimão.
E quanto irão produzir? «Isso depende do mercado. Temos uma linha de produção muito versátil, que pode suportar uma produção pequena, mas pode também chegar a produzir 6 mil conservas por mês», explica Vincent.
«O mercado ainda está a ser criado agora. Os nossos clientes serão lojas e restaurantes gourmet, no Algarve e não só. Prevemos que uma percentagem da nossa produção será para exportação, já que as conservas de qualidade são um produto com muita procura, por exemplo, na Bélgica, na Holanda e no Luxemburgo», salienta o empresário belga.
Para se dar a conhecer, este trio de jovens empreendedores que está a fazer renascer a indústria conserveira no Barlavento Algarvio vai levar a sua marca «Saboreal» à FATACIL, em Lagoa, e «talvez» ao Festival do Marisco, em Olhão.
Apresentadas num frasco de vidro que deixa ver a qualidade do produto, com rótulos criados por um designer belga amigo de Vincent, as conservas da «Saboreal» custam 5,5 euros (o frasco grande, com o dobro da capacidade de uma lata) e 4 euros (frasco pequeno).
«O preço fica justificado pela qualidade e pelo sabor», asseguram os empresários, aliás, os artesãos conserveiros.