Cerca de duas centenas de mariscadores e viveiristas da Ria Formosa manifestaram-se ontem frente à delegação de Olhão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera contra a reclassificação das zonas de produção de bivalves.
Naquele que foi o exemplo perfeito de um protesto pacífico, marcado por serenidade e sem cartazes nem palavras de ordem gritadas em coro, os profissionais deste setor foram informados que, para já, conseguiram que fosse marcada uma reunião em Lisboa com a tutela, esta sexta-feira, às 16h30, onde também estarão presentes todas as entidades públicas com responsabilidades sobre a Ria Formosa.
«Meia hora antes das 15 horas, as diferentes Câmaras da Ria Formosa e as associações do setor, fomos convocados para estarmos amanhã [hoje] com o secretário de Estado. Aguardamos o que ele tem para nos dizer. Nós também teremos algo a dizer e uma proposta concreta, baseada em análises, para que se possa promover ou uma suspensão ou uma alteração da portaria», disse o edil de Olhão António Pina aos manifestantes.
A portaria em causa e que era o alvo da contestação dos viveirista e mariscadores foi publicada há cerca de 15 dias e determinou uma reclassificação, por baixo, de quase todas as zonas de produção de bivalves do país.
Na prática, isto significou que a zona lagunar algarvia passou a ter predominantemente zonas classificadas como C, a classificação mais baixa e que impede a comercialização dos bivalves, que nem sequer podem ir para depuradora. As únicas hipóteses são a sua transposição para uma zona classificada como B por um longo período ou a venda à indústria, com muito baixa rentabilidade.
Um problema nacional, que tem uma repercussão especialmente grave no Algarve, onde há vários milhares de pessoas que dependem dos frutos da Ria Formosa, oficial e não oficialmente.
«Com documentos, haverá 2 mil a 3 mil pessoas a viver da Ria. Sem documentos, há o dobro. São pessoas que tiram um pouco, para ganhar 10 euros, muitas vezes para juntar ao magro rendimento», disse o presidente da Cooperativa Formosa Augusto da Paz.
Na deslocação a Lisboa, esta tarde, as associações do setor (às que hoje foram à reunião com as técnicas do IPMA, junta-se a Vivmar, de Faro) e as autarquias vão levar o trabalho de casa feito. Segundo Augusto da Paz «há análises de dia 25 e 26 de novembro que dão só áreas A e B» e serão um dos argumentos apresentados.
Munidos com estas e outras provas, a delegação algarvia vai exigir a suspensão ou alteração da portaria, mas também «a criação de um Fundo de Compensação Salarial diferente do que já existe, pois esse não contempla os mariscadores da Ria Formosa, se esta situação persistir».
Da parte do dirigente do Sindicato das Pescas do Sul Josué Marques, a reunião de ontem serviu apenas para o IPMA e a tutela perceber quais as reivindicações dos profissionais do setor, «para que já tenhamos resposta quando chegarmos a Lisboa».
«Eu acho que, depois da reunião de amanhã [hoje], nada será igual. Mal voltemos, marcaremos nova reunião com as pessoas, para dar conta do que lá foi tratado lá. Se não der resposta aos anseios e às inquietações destas pessoas, certamente que o plenário decidirá o que vamos fazer», disse Josué Marques, lançando para o ar uma ideia: «e porque não a ocupação do Terreiro do Paço?».
Com calma, também se aumenta a pressão
A manifestação de ontem foi convocada num plenário que juntou mais de 500 pessoas no Auditório de Olhão, na quarta-feira. Talvez pela exposição mediática que esta reunião teve, a reação do Governo foi célere.
Sem saber deste desenvolvimento, os mariscadores e viveiristas começaram a juntar-se no pátio do IPMA de Olhão a partir das 15 horas e depressa o seu número engrossou. E, embora os ânimos nunca se tivessem exaltado, sentia-se que não seria preciso muito para que o protesto subisse, e muito, de tom. Basta dizer que, no plenário de quarta-feira, houve quem se disponibilizasse a pagar dez autocarros para levar a manifestação à porta do Ministério do Ambiente, em Lisboa, logo no dia a seguir.
Por muito tempo, a zona da portaria desta entidade ficou livre e só quando pequena delegação, composta pelo presidente da Câmara de Olhão e os dirigentes do Sindicato das Pescas do Sul, da Associação de Moradores da Ilha da Culatra e da Cooperativa Formosa, procurou entrar no edifício é que a massa humana “acordou”.
Neste momento, houve alguns protestos, já que havia quem defendesse que «se entra um, entram todos». Ainda assim, acabaram por ser apenas os representantes das associações e o autarca olhanense a entrar, para falar com duas técnicas do IPMA.
Cá fora, o tema de conversa dominante era, como não podia deixar de ser, a nova classificação das áreas de produção. Até porque a medida não podia ter sido tomada numa pior altura, na visão dos profissionais.
«Agora, nesta altura do Natal, é quando sai mais o marisco. Depois temos até maio. Se até então não despacharmos todo o marisco, as águas começam a aquecer, o marisco desova e fica mais fraco», ilustrou o viveirista Joaquim Mendonça.
Neste momento, a área em que tem o seu viveiro está classificada como C, mas garante que análises feitas «há pouco tempo dão como A». Com a nova classificação, as amêijoas «são para dar às galinhas, não dão para nada», disse, desanimado.