A caldeirada já tinha ficado do ano passado e, logo de manhã, foi colocada no interior da caldeira do alambique. Depois, António Afonso colocou lenha na fornalha, por baixo, para aquecer aquela massa de medronhos fermentados e dar início ao processo de produção da aguardente.
Sob o olhar – e os palpites – de muitos outros produtores de medronho, António Afonso mexeu a caldeirada com um pau, verificou a temperatura, pôs mais lenha e, finalmente, quando já se começava a ver o vapor a sair da caldeira, tapou-a com a cabeça, uma espécie de chaminé curva em cobre, e ligou-a ao tubo, também em cobre, que depois atravessa a água fria do tanque e sai do outro lado, sob a forma de aguardente destilada, a escorrer em fio para um cântaro de barro, ainda quentinha.
Tudo isto aconteceu no sábado de manhã, na novíssima Casa do Medronho em Marmelete, que dali a pouco seria inaugurada. Depois da cerimónia, que meteu brindes – com aguardente de medronho, claro! -, discursos e música coral, houve quem tenha provado essa aguardente, ainda frouxa, que saía do alambique, acabadinha de produzir.
A Casa do Medronho de Marmelete é uma iniciativa da Junta de Freguesia local, que contou com o apoio do Proder e do Município de Monchique, e «tem por missão dar a conhecer uma antiga e tradicional atividade na região: a destilação de aguardente de medronho».
O novo equipamento, que cruza as funções de centro de interpretação com as de alambique comunitário e loja, funciona num espaço mesmo ao lado da sede da Junta, no centro da aldeia de Marmelete, na antiga Rua de Aljezur.
«Gosto de apanhar medronho, já o fiz muitas vezes e até já destilei, por brincadeira», contou ao Sul Informação Marta Martins, a jovem presidente da Junta de Freguesia, por acaso filha do mestre que estreou o alambique.
Um dos aspetos mais interessantes do projeto é que, além de estar aberta às visitas dos turistas, que aí podem aprender mais sobre a produção desta água da vida feita a partir dos frutos vermelhos colhidos na serra de Monchique, esta Casa funciona também como «destilaria comunitária, onde qualquer pessoa da freguesia pode vir destilar a sua aguardente, desde que seja para consumo próprio e cumpra as regras», explicou Marta Martins.
A Casa do Medronho, com projeto do arquiteto Vitor Lourenço, alia o tradicional, na zona da destilaria, com uma parede de taipa como se usava nas destilas da serra (construída com a ajuda de um velho mestre taipeiro local, Luís Albano), telhado em telha vã, e o contemporâneo, na zona dedicada a explicar aos visitantes o que é isto da aguardente de medronho.
Além de grandes painéis, com informação bem explicada e belas fotografias, na parede um plasma passa o documentário sobre a atividade, produzido, como tudo o que diz respeito à imagem e à comunicação do projeto, pela empresa 1000olhos, do fotógrafo João Mariano, e sedeada em Aljezur.
A autarca Marta Martins quer que a Casa do Medronho seja «mais um pólo de atração turística, mas também uma forma de valorizar um produto que tem crescido muito na freguesia». E por isso nenhum pormenor foi deixado ao acaso, nem sequer o da imagem cuidada do espaço e dos seus materiais de comunicação.
A Casa servirá ainda para vender não só a aguardente de medronho de Marmelete e de outros locais de Monchique, mas também diferentes produtos locais, como os enchidos, o mel e a doçaria.
Terá igualmente «uma vertente educacional, uma vez que o processo físico da destilação é focado nas aulas do 7º ano» da escola. Marta Martins, que é professora dessa disciplina na Escola EB 2,3 do vizinho concelho de Aljezur, sabe do que fala.
A ideia é também «criar uma dinâmica com os produtores, promovendo workshops, nomeadamente sobre a apanha do medronho». Porque agora está a decorrer a época para essa atividade, poderá haver notícias em breve do primeiro destes workshops.
Os projetos da presidente da Junta não param e ela fala da possibilidade de explorar «outras aplicações do fruto do medronho», em doçaria, por exemplo, mas não só.
A autarca não tem dúvidas de que esta Casa do Medronho é «um espaço único em todo o Algarve. Apesar da sua simplicidade, não há outro projeto assim». E, com ele, espera trazer mais visitantes não só à freguesia, como ao concelho de Monchique.
Também presente da inauguração deste novo espaço, o presidente da Câmara salientou que «falar de medronho sem falar de Monchique é impossível». Um facto que obriga este município e os seus produtores a serem «liderantes neste processo». Foi pelo concelho que começou o movimento de legalizar as destilarias – atualmente há cerca de 80 legalizadas nas três freguesias -, mas foi também de Monchique que partiu a iniciativa de criar a Indicação Geográfica Protegida (IGP) Medronho do Algarve.
Em declarações ao Sul Informação, antes da cerimónia, Rui André já tinha dito que a aguardente de medronho de Monchique é diferente das produzidas noutras zonas da região. Por isso, o autarca defende que «a IGP é o chapéu comum que era preciso criar num primeiro momento. A partir do momento em que esse chapéu está criado, havendo produtos diferentes dentro dessa IGP, o caminho que Monchique tem de fazer agora é o da certificação, o da criação de uma DOP Monchique. A marca Algarve é importante, até porque já é muito forte e nos permite chegar a mais mercados, mas a DOP Monchique também tem que ser criada».
Este e outros assuntos serão debatidos em finais de Novembro, aquando do congresso que integra o programa da primeira Feira do Medronho de Monchique, que decorrerá de 20 a 22 deste mês.
Rui André salientou, na inauguração, que a Casa do Medronho de Marmelete «servirá para beber e fazer medronho, mas também para contar a história por trás do produto». É que, o autarca não tem dúvidas: «o medronho tem um passado muito forte, mas tem sobretudo um futuro muito promissor».
A fechar a inauguração e depois do brinde com aguardente de medronho local e da entrega de placas aos produtores de Marmelete (entre os quais, uma mulher), o grupo de cantares da Confraria do Medronho de Monchique cantou algumas modas algarvias e alentejanas, para aquecer o ambiente.
Lá para o fim da cerimónia, dentro da nova Casa, disparou o alarme de incêndio, interrompendo quem estava a falar. O presidente da Câmara de Monchique logo pôs o dedo na ferida: «isto é bem exemplo das dificuldades que foi preciso vencer para criar este espaço, das incongruências dos regulamentos pouco adaptados à realidade. Isto de uma destilaria, onde há fumo e vapor, ter de ter um alarme de incêndios, é algo que não lembra a ninguém…»
Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação