A torre albarrã do Castelo de Paderne vai ser restaurada, numa intervenção que será coordenada pelo arquiteto Manuel López Vicente, especialista em conservação de taipa militar, e que custará no total cerca de 100 mil euros.
As obras neste monumento, classificado como imóvel de interesse público, são promovidas pela Direção Regional de Cultura do Algarve e contam com o apoio, enquanto mecenas, da Fundação Millenium BCP, e ainda da Câmara Municipal de Albufeira.
O custo dos trabalhos é de 87 mil euros mais IVA, o que dá os cerca de 100 mil euros já referidos. Mas esta é apenas uma pequena parte da intervenção total que o Castelo de Paderne, com os seus 900 anos de história, precisaria, como salientou Alexandra Gonçalves, diretora regional de Cultura, na assinatura dos protocolos entre as três entidades.
No total, o Castelo precisaria de 400 mil euros de investimento, segundo a estimativa já feita pelos técnicos da direção regional. Por isso, admitiu aquela responsável, o montante agora garantido «está longe de ser o ideal, mas é mais um passo».
E porquê todo este interesse por um pequeno castelo rural, que só se tornou conhecido dos algarvios (e não só) desde que existe a Via do Infante, já que, como sublinhou Fernando Nogueira, presidente da Fundação Millenium BCP, «quem quer que entre no Algarve vindo de Norte, pela A2, depara-se com este castelo, que está ali há 900 anos»?
Em primeiro lugar, porque, «se chegou até hoje, seria pecaminoso não conservarmos aquilo que herdamos», disse ainda Fernando Nogueira.
É que o chamado Castelo de Paderne, que a lenda até diz ser um dos que figuram na bandeira nacional, é o mais bem preservado exemplo de um ishn ou fortificação rural, inteiramente construído em taipa militar, existente em Portugal, e um dos melhores de toda a Península Ibérica.
Depois, o castelo tem, ele próprio, características que o tornam ainda mais único, como o facto de ter apenas uma torre, exterior e maciça, a torre albarrã que agora precisa urgentemente de conservação e restauro.
O arquiteto espanhol Manuel López Vicente é um dos mais conceituados especialistas mundiais em conservação e restauro de taipa e já tinha sido o responsável pela assessoria técnica prestada pelo então IPPAR aquando da obra de conservação e restauro das muralhas de taipa do Castelo, realizada em 2004/2005.
O especialista, numa curta apresentação antes da assinatura dos protocolos, admitiu que a intervenção na torre albarrã «não será fácil», como nunca o são as obras de conservação e restauro em taipa, uma milenar técnica de construção que usa a terra do local como material primordial.
As patologias já identificadas na torre albarrã (termo que significa maciça, apenas com um terraço superior ao qual se acedia por um arco que liga ao adarve da muralha) «concentram-se sobretudo na parte superior da torre», onde há zonas com grandes fissuras e muita erosão, em que a taipa está, literalmente, a desfazer-se. No entanto, salientou o arquiteto, ainda se conservam «alguns panos com qualidade muito notável».
A intervenção a fazer, que terá acompanhamento arqueológico, nomeadamente quando for feita a drenagem do embasamento da torre, começou com «ensaios para saber a granulometria da terra para fazer a nova taipa». É que, na nova taipa, e para garantir mais êxito à intervenção, será utilizado o mesmo tipo de terra usado há 900 anos na construção da torre quase quadrada, com 6 metros de largura na base e cerca de 9 metros de altura.
No entanto, explicou Manuel López Vicente, «ainda que se utilize o mesmo tipo de terra, a aderência entre a taipa antiga e a nova é difícil». E como se resolverá esse problema? «Colocando uma série de grampos de aço inoxidável, entre a taipa nova e a antiga, para garantir a sua aderência», revelou. Esses grampos, colocados no interior da taipa, serão mesmo «o único elemento atual» a ser utilizado no restauro. Tudo o resto passará por utilizar técnicas e materiais com milhares de anos. A avaliar pelos nove séculos do Castelo de Paderne, técnicas e materiais, apesar de tudo, de grande, grande resistência.
Para que estes trabalhos na torre albarrã, que são os mais urgentes, possam avançar, a direção regional de Cultura do Algarve teve de inventar onde ir buscar o dinheiro. E foi assim que, em Maio passado, Alexandra Gonçalves foi bater à porta da Fundação Millenium BCP. A intervenção será agora alvo de uma candidatura a fundos europeus, mas era preciso garantir a contrapartida nacional. E é aí que entra a Fundação presidida pelo ex-ministro Fernando Nogueira.
Assim, de acordo com os protocolos assinados na sexta-feira, do custo de 87 mil euros (mais IVA), a Direção Regional de Cultura será responsável por 75% desse montante, mediante candidatura a fundos europeus, que terá de ser feita até 20 de Agosto. A Câmara Municipal de Albufeira assume o pagamento dos restantes 25% da verba, ou seja, cerca de 30 mil euros. Quanto à Fundação Millenium BCP, na na qualidade de mecenas, assegurará «até 30 mil euros», garantindo assim a contrapartida nacional da candidatura.
A intervenção inclui o restauro da torre, introdução de sinalética e manutenção da zona envolvente.
Os trabalhos, que serão bastante condicionados pelas condições meteorológicas (não podem ser feitos durante o tempo chuvoso nem com demasiado calor), deverão ter lugar, se tudo correr bem, este Outono ou, mais provavelmente, na próxima Primavera.
Durante a assinatura dos protocolos, todos os intervenientes valorizaram a importância do Castelo de Paderne enquanto monumento que traduz, na prática, a ligação entre Cultura e Turismo, com todos os benefícios que daí podem advir, até para a economia local e regional.
O presidente da Fundação Millenium BCP, que se afirmou um «munícipe por adoção de Albufeira durante o Verão», recordou a «lenda de que Castelo de Paderne é um dos castelos da bandeira nacional». «Não sabemos se é assim, mas foi de certeza um dos últimos castelos conquistados à ocupação muçulmana e permitiu a constituição do Estado Português».
Fernando Nogueira recordou que «Portugal tem mais de 23 mil monumentos e essa é uma riqueza a nosso cargo que também pode ser rentabilizada. Desses, 2800 monumentos estão classificados, havendo no Algarve apenas 93 classificados».
Daí que, salientou, «ajudar a preservar este que se distingue dos outros pela sua antiguidade e porque é vosso, além do valor patrimonial, pode ser gerador de emprego». É que «Portugal tem dos mais baixos níveis de emprego pelo património», apesar de o «património ser gerador de emprego durante todo o ano» e por isso ajudar a combater a sazonalidade.
Por essa razão, concluiu Fernando Nogueira, «a Fundação Millenium BCP tem apoiado a recuperação de património em todo o país», e agora apoia-a no concelho de Albufeira.
Alexandra Gonçalves, diretora regional de Cultura, sublinhou a conjugação entre «vocação turística e vocação cultural» do Castelo de Paderne, um aspeto que seria também recordado por Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara de Albufeira, ao valorizar a «ligação entre a cultura e a nossa principal atividade, que é o turismo».
«Quando verificámos a necessidade urgente de fazer uma intervenção neste monumento, surgiu a ideia de captar o mecenato para isso. O que hoje é protocolado é apenas a parte mais urgente de uma intervenção que, no total, está estimada em 400 mil euros», reforçou Alexandra Gonçalves. O protocolo com a Fundação Millenium BCP é «a contrapartida necessária para levar a candidatura a fundos europeus a bom porto».
A terminar, o presidente da Câmara de Albufeira deixou a promessa de que a iluminação noturna do Castelo de Paderne não está esquecida. Só que, explicou, «duas vezes foram lá postas as luzes, duas vezes foram vandalizadas e roubadas». Agora «vamos estudar uma forma de desincentivar os amigos do alheio, tornando mais difícil que roubem ou vandalizem a iluminação».
«Temos a obrigação de zelar por aquilo que é nosso. Um povo deve tratar da sua herança cultural e valorizá-la cada vez mais», concluiu Carlos Silva e Sousa.
Durante os meses de Julho e Agosto, o Castelo de Paderne está aberto ao público todas as quartas-feiras, entre as 10h00 e as 18h00. Trata-se de uma iniciativa do Município de Albufeira e da Direção Regional da Cultura do Algarve, com o intuito de dar a conhecer um importante monumento da região.
Caracterização do Projeto
(informação técnica fornecida pela Direção Regional de Cultura)
A intervenção proposta para a Torre Albarrã, no Castelo de Paderne, assumiu os critérios e as recomendações internacionais das Cartas e Convenções, assinadas pelo Estado Português, sobre Património Cultural.
Os documentos de referência da intervenção são a “Carta do Restauro” de 1972 e a “Carta de 1987 da Conservação e Restauro de obras de arte e de cultura”.
Os conteúdos, critérios e instruções destes documentos continuam plenamente atualizados relativamente às boas práticas do ofício, em matéria de conservação e restauro de obras de interesse cultural.
Entende-se restauro quando uma intervenção se destinada a atalhar danos e deteriorações, a facilitar a leitura e a transmitir integralmente, ao futuro, o monumento mantendo a sua autenticidade e integridade, bem como as suas condicionantes ambientais e paisagísticas envolventes.
O projeto de intervenção baseou-se numa série de opções técnicas adequadas e compatíveis com a natureza do monumento Castelo de Paderne de forma a permitir enquadrar a sua valorização, compreensão e leitura, com base nos seguintes critérios e princípios práticos:
- Manter a autenticidade e a identidade da Torre Albarrã, evitando o falso histórico ou um acabamento de estilo histórico ou incongruente.
- Evitar que a Torre Albarrã se converta numa cópia, caricatura ou falsificação de si mesma.
- Respeito por todos os acréscimos de todas as épocas, pois apresentam-se como um documento para leitura das diferentes fases da torre, desde que não sejam incongruentes, não entrem em conflito e não sejam incompatíveis com o restante monumento.
- Admitem-se reintegrações e inserções de novos elementos a fim de preservar e estabilizar a estrutura interna do suporte que devem ser percetíveis e adequadas em termos cromáticas.
- Qualquer intervenção não poderá impedir possíveis ações futuras de conservação e restauro.
De acordo com esses princípios, optou-se por uma intervenção conservadora, centrada no saneamento das patologias que apresentam os módulos de taipa constituintes da Torre, garantindo assim uma maior durabilidade desta.
O grau de intensidade da intervenção será proporcionado e de acordo com o estado de conservação do módulo ou da zona a tratar, procurando manter aqueles cujo grau de conservação esteja aceitável, individualizando os acrescentamentos e as alterações sofridas, proporcionando assim uma adequada e controlada melhoria estética do perfil da silhueta da Torre.
Isto implica procurar eliminar o mínimo de material original e que as reintegrações e inserções sejam reduzidas ao estritamente necessário e implicam que estejam em harmonia com o contexto.
O castelo
O castelo apresenta a forma de um polígono irregular de 10 lados, que modela uma forma quase trapezoidal.
Está orientado na bissectriz do quadrante NE, em coerência com a topografia do local e a forma e a orientação do cabeço onde está implantado.
As características mais notáveis do recinto são o uso massivo da taipa como sistema construtivo e a inexistência de torres esquineiras ou intermédias, com a presença de uma única torre de albarrã.
Talvez por tratar-se de uma fortaleza de pequena escala, localizada num sítio tão escarpado, o quebrar dos muros seja um recurso defensivo suficiente para compensar a falta de torres. A arquitetura militar tem a característica de ser completamente racional, no sentido que não há desperdícios nos meios para garantir os fins.
Como é lógico, a torre albarrã, avançada em relação à muralha, flanqueia o tramo NE, que, de todos, é o mais acessível e vulnerável.
Uma única porta de acesso ao recinto abre-se diretamente ao exterior, no côvado do alçado NE. Curiosamente não corresponde à preferencial tipologia almóada que era a porta em cotovelo.
O interior da fortaleza corresponde 2.557 m2. Como curiosidade, aplicando um cálculo convencional que determina 2m2 de espaço livre por pessoa, como atualmente se calcula a capacidade de um centro comercial, este recinto poderia albergar quase um milhar e meio de pessoas, em momentos de máxima ocupação, faltando saber se os recursos alimentícios e de água estariam garantidos para tanta gente.
A torre
Trata-se de uma torre de maciça de um só corpo com um piso ou um terraço superior acessível desde o adarve geral.
A planta é um quadrilátero quase quadrado, cujos lados arredondam 5,85 metros. A altura máxima atual é 9,30 metros.
O módulo empregado no seu desenho e construção parece ajustar-se ao côvado comum almóada de 0,418 metros. O uso deste módulo verifica-se na Torre na altura de caixas (2 côvados) e na largura na base (14 côvados).
A altura da torre atualmente está formada por uma sucessão de onze filas ou módulos de taipais, nove que formam o corpo da torre e os dois últimos, muito degradados, formam o parapeito do terraço. Já não há vestígios de ameias. Junto ao solo, sobre uma base compactada, há um nível de módulo em taipa (com maior teor em cal e aglomerado grosso).
Piso Superior
Ao terraço da torre, acede-se por vão ao centro da face SO, desde o adarve geral, através da pontezita cuja abóbada de canhão arranca a nível inferior do módulo 6 numa simples imposta.
No solo do passadiço, parece que existiu uma fresta/abertura para bater a zona inferior da ponte.
Os parapeitos do terraço apresentam importantes perdas de massa e estão muito erodidos. Não há vestígios de ameias e o parapeito desapareceu totalmente no lado NO e esquina O. Observam-se restos de seteiras nas caras SE e NE.
Ao centro da torre, registaram-se restos de um muro transversal intermédio que dividia terraço em dois espaços.
No solo de ambos os espaços se conservam marcas de uma possível estrutura de madeira e certas covas, no solo, a modo de silos para munições ou apetrechos.
Não obstante, todos estes vestígios arqueológicos não permitem conformar uma imagem do acabamento do terraço da torre para alem do parapeito.
Taipa
A taipa é uma técnica construtiva de origem remota, estendida por todo o âmbito mediterrânico desde a antiguidade, especialmente na Península Ibérica e norte de África.
Hoje em dia, esta técnica construtiva tradicional está reconhecida como património cultural a nível internacional e estudam-se as suas aplicações na arquitetura bioclimática.
Basicamente, consiste em amassar um conglomerado de granulados, terras mais ou menos selecionadas e cal em distintas proporções segundo seu uso e função, que vão desde a mais modesta arquitetura doméstica até poderosas muralhas. Neste caso, em Portugal denomina-se especificamente “taipa militar” que se caracterizam pelo seu elevado teor em cal e a cuidada composição da mistura, ademais pela sua espessura.
A massa obtida desta mistura, ligeiramente humedecida com água, põe-se em obra mediante cofragens de madeira chamados taipais, onde se verte e compacta manualmente de forma mecânica, mediante um maço. Terminado um módulo de imediato se retiram os taipais, se colocam em continuação ou em cima, para continuar o pano.
A composição da mistura de terra tem um papel importante. A terra empregada como material de construção deve conter uma porção de argila para garantir a coesão e areia suficiente para dar esqueleto interno ao muro. Uma boa terra para fazer taipa deve conter menos de 30% de argila e limos e mais de 35% de areia. O teor de gravilha deve oscilar entre os 10-20%.
Do sistema de construção, fazem parte elementos de madeira embebidos na parede, a intervalos, para sujeitar a cofragem e absorver os esforços horizontais durante a compactação.
Esses elementos de madeira embebidos na parede chamam-se agulhas, e foi o seu desaparecimento ao longo dos séculos que deu lugar aos orifícios dispostos metricamente nas muralhas de taipa almóada, que são uma sua marca exclusiva.