Poucos dispensam o telemóvel ou o tablet, outros focam-se em trazer muita roupa ou comida, e há quem dê mais importância em colocar na bagagem o brinquedo favorito ou até mesmo livros. Cada um de nós, se tivesse de fazer uma mala para partir, à pressa, fugindo da guerra e da destruição, faria escolhas distintas. Os alunos do Agrupamento de Escolas João da Rosa, em Olhão, não são diferentes.
Este foi um dos cerca de 600 estabelecimentos de ensino portugueses a aderir à iniciativa «E se fosse eu?», de sensibilização e alerta para a situação vivida pelos refugiados. A premissa desta ação era simples: desafiar os elementos das comunidades escolares a fazer o exercício virtual de pegar numa mala e enchê-la com aquilo que pudessem carregar e considerassem fundamental.
Em Olhão «houve uma adesão surpreendente de toda a gente», desde professores a alunos, mas também das famílias destes. Durante a manhã de quarta-feira, as salas de aula dos diferentes estabelecimentos do agrupamento de escolas, cuja sede é «uma escola intercultural», onde convivem jovens de mais de 20 países, encheram-se de “refugiados”, que mostraram o conteúdo das suas malas.
Estas mochilas foram levadas para a escola e o seu conteúdo foi partilhado por alguns dos alunos. O Sul Informação ouviu testemunhos de alunos de uma turma do 8º ano, da professora Mónia Mesquita (que deu o exemplo e também preparou uma mochila), que ilustram bem como as escolhas variam, de pessoa para pessoa.
Uma das alunas fez uma mala em que levava «guardanapos, bolachas, um pão de leite, limão, sumo, a caixa dos óculos, pensos higiénicos, soro fisiológico, álcool, atarax, pensos rápidos, compressas, batons, maquilhagem, um carregador, fotos da família, um livro do Justin Bieber, desodorizante e perfume».
A jovem olhanense até causou um susto, lá em casa. «Os meus pais pensaram que eu ia fugir de casa», contou, a rir, no testemunho que deu na sala de aula.
Um colega da mesma turma fez, em alguns casos, escolhas diferentes, e até explica porquê. «Eu trago água e refrigerantes, para o caso de precisar de açúcar para dar energia, enlatados, um canivete, carteira com dinheiro e identificação, lanternas e pilhas extra, roupa interior, dois pares de sapatilhas, gorro, lembranças familiares, telemóvel e carregador caso fosse possível, headphones, um pente, medicamentos e pensos rápidos, fósforos, álcool e uma toalha».
Estes são apenas exemplos, mas que ilustram bem o que se passou, ontem, na João da Rosa. «Corri o primeiro ciclo e até o pré-escolar. Ainda tivemos algum receio com os mais pequeninos, mas o engraçado é que a maior parte dos miúdos percebeu o que estava em causa. Desde logo, preocuparam-se em trazer mochilas pequenas, por terem a consciência que teriam de andar muito tempo e, eventualmente, ter de andar de barco», contou ao Sul Informação Luís Felício, diretor do agrupamento João da Rosa.
Nesta escola até «há miúdos que, ou eles, ou os pais, foram refugiados, nomeadamente romenos». Os testemunhos dos colegas e o exercício proposto pelo «E se fosse eu?» levou a que as crianças e jovens da João da Rosa «descessem um pouco à terra».
Esta iniciativa da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), do Alto Comissariado para as Migrações, do Conselho Nacional de Juventude (CNJ) e da Direção-Geral da Educação (DGE) também promoveu a exibição de um filme com testemunhos de refugiados, em que estes revelam aquilo que trouxeram consigo, quando saíram das suas casas. Além disso, houve uma discussão prévia e exercícios sobre este tema nas salas de aula.
Em alguns casos, havia da parte dos alunos uma perceção negativa dos refugiados. «Muitos deles ficaram com uma ideia diferente, depois de ver os filmes. E foi bom, também, para os adultos, pois, apesar de podermos estar sensibilizados, é algo que não esperamos que nos venha a acontecer um dia», ilustrou o diretor do agrupamento.
Também os pais se envolveram nesta ação, com a Associação de Pais do agrupamento a unir esforços com a direção, para que a iniciativa fosse um sucesso.
«A informação chegou-nos na semana passada, já em cima do acontecimento. Eu disse logo que sim, pois não havia tempo para auscultar os professores. Mas cedo comecei a sentir que toda a gente estava a aderir. Além disso, ostentamos ali à porta o símbolo de escola intercultural com muito orgulho e esta é mais uma forma de o assinalar», contou.
A comunidade escolar «empenhou-se a fundo e todos deram o seu contributo», o que leva a crer que, a partir de ontem, a tolerância intercultural foi reforçada, no Agrupamento de Escolas João da Rosa e em muitos outros do país.