O inquérito aberto pela Universidade do Algarve à praxe na Praia de Faro, que levou uma aluna da Universidade do Algarve ao hospital, deve estar concluído até ao final do mês. O prazo só será prolongado se a complexidade do caso o justificar.
António Branco, reitor da Universidade do Algarve, revelou, em entrevista ao programa Impressões da RUA FM, em parceria com o Sul Informação, que o inquérito «está a ser feito por uma personalidade independente, capaz e, na qual, tenho confiança total. Esta pessoa tem 30 dias para ter resultados, mas, se houver maior complexidade, como está previsto em todos os mecanismos legais desta natureza, pode vir a pedir a prorrogação do prazo».
O reitor diz que, para já, não comenta o decorrer do processo, porque, «por iniciativa própria, não sei nada sobre o inquérito». António Branco diz que nem sequer falou com nenhum envolvido na referida praxe. «Não falei com nenhum protagonista, por vontade própria, porque deve ser uma pessoa independente a fazê-lo, e, sobretudo, porque vou ser chamado a tomar decisões depois. Não tenho informação privilegiada sobre o que aconteceu, tenho a informação que toda a gente tem. Estou a aguardar serenamente e tranquilamente que haja resultado do inquérito que instaurei três dias depois».
Na entrevista, António Branco reforçou a importância de averiguar o que se passou naquela noite. «A perceção que temos como cidadãos é que aconteceu alguma coisa que tem que ser explicada, não tenho dúvida nenhuma! Se tivesse, não tinha feito as declarações que fiz. Isto tem que ser apurado, temos que saber o que aconteceu».
Como já tinha dito ao Sul Informação, o reitor voltou a reforçar o seu poder de atuação fora dos muros da Universidade em situações como esta: «um acontecimento fora dos muros, mas em que os seus protagonistas envolvidos, ou alegadamente envolvidos, são identificados com a sua condição ou de professores, ou funcionários, ou estudantes, é matéria da Universidade. Está na lei, a minha visão da lei é esta, apoiada por pareceres jurídicos muito sólidos. Estou determinado que essa fronteira, fora ou dentro, não seja a fronteira que me faz decidir se ajo, ou não ajo. Só vou agir quando tiver resultados rigorosos e objetivos, porque não faço ideia do que aquelas pessoas todas, incluindo a jovem que esteve no hospital, vão dizer no inquérito».
No caso de o inquérito apurar responsabilidades de um ou mais “praxantes”, as penas podem ir desde uma advertência até à expulsão da academia.
«Não há uma queixa registada na Universidade sobre nenhum comportamento abusivo»
Apesar de, todos os anos, haver relatos de praxes, e algumas “denúncias”, António Branco diz que a atuação do reitor a nível disciplinar é difícil – «perguntar-me-ão: “mas o reitor da Universidade do Algarve vive numa ilha? Não tem noção dos relatos que são feitos sobre coisas que acontecem?” Tem, como qualquer cidadão. O problema é que não tem elementos que lhe permitam atuar no âmbito das suas competências, com inquéritos de averiguação ou processos disciplinares – não há uma queixa registada na Universidade, sobre nenhum comportamento abusivo», explica.
O reitor exemplifica ainda alguns relatos que lhe chegam e que não lhe permitem atuar. «Alguém chega ao pé de um reitor, que encontra no corredor, e diz: “o que é que eu acabei de ver na Rua X!”. E eu pergunto: “quem eram? Que curso era, e o que foi feito?” E não tenho resposta para isto, apesar de ter sido uma coisa que foi vista. Esta tendência de pensar-se que é suficiente dizer: “eu vi acontecer isto e o senhor que resolva, porque é o órgão máximo da instituição, não é suficiente”. O reitor age, mas tem de ter colaboração. Isto não é uma sociedade policial, é colaboração dentro do Estado de Direito. Se eu passo na rua e vejo uma coisa grave a acontecer à minha frente, tenho duas hipóteses: ou fingir que não vi e passar ao lado, ou correr o risco e intervir. Qualquer cidadão tem esta hipótese para qualquer coisa que aconteça».
Além de querer «despertar a comunidade, não só académica, mas também envolvente» para a responsabilidade partilhada e para evitar que «abusos que nos são relatados aconteçam», António Branco também quer «a colaboração de outras forças vivas da comunidade». «Será que é possível articular, com a Câmara Municipal e com a Associação Académica, estratégias que ajudem a conter as anormalidades? É uma questão muito importante, tem que ser colocada. Estou convencido que este presidente de Câmara é muito sensível, até porque é professor. As autoridades policiais e militares, dentro do uso restrito dos seus poderes e daquilo que deve ser uma autoridade policial num estado de direito, estão disponíveis para articular connosco uma estratégia?», desafia o reitor.
«Se eu fosse estudante, era anti-praxe»
António Branco tem uma posição bem definida em relação às praxes: é contra. No entanto, o reitor tem dúvidas que a proibição seja uma solução para o problema.
«Eu seria hoje, se fosse estudante, anti praxe, no sentido de não querer participar nesse tipo de código, de querer ser recebido de outra maneira. Mas o reitor não está ali para aplicar o seu ponto de vista, de forma repressiva. Era muito fácil, tão fácil… amanhã saía um despacho e dizia: “estão proibidas as praxes”. Provavelmente, a sociedade ficava mais descansada, desse ponto de vista, parece uma resposta muito eficaz. Mas qual era o resultado imediato disso, era o melhor? Era aquele que nós queremos? Eu tenho dúvidas».
Apesar das dúvidas, esse é um caminho que o reitor não exclui totalmente: «não estou a dizer que isso não é um caminho possível, mas, enquanto tiver dúvidas, vou ser muito cauteloso na maneira de lidar com o problema. Até porque a repressão pode levar à clandestinidade dessas práticas, como acontece com outras situações desreguladas socialmente».
A via unicamente repressiva não é a preferida de António Branco, que considera que a pedagogia é importante para mudar a forma como são recebidos os alunos na Universidade. «Há uma dimensão repressiva que tem de atuar. É um Estado de Direito, mas há uma dimensão pedagógica que é essencial, porque é preventiva. Onde temos de atuar é na dimensão pedagógica preventiva. Porquê? Porque é um fenómeno geracional, não tenho dúvidas de que é um fenómeno geracional. Estou a falar de gerações académicas. Quanto mais conseguirmos intervir junto de gerações académicas no sentido de os alertar para a consciência que devem ter, de quem são como cidadãos, e dos valores que é suposto preservarem e defenderem, quanto mais conseguirmos ganhar terreno nisso, mais as gerações seguintes vão estar mais preparadas para receber os novos estudantes e irem eliminando os abusos que ainda existem», considera.
António Branco tem dúvidas que seja possível eliminar totalmente as praxes, mas tem a certeza que «temos de reformar profundamente a maneira como os alunos são recebidos quando se é matriculado pela primeira vez. Não tenho dúvidas, temos de reformar profundamente essas práticas!», conclui.
Esta entrevista pode ser ouvida na íntegra esta quarta-feira, a partir das 19h00, na Rua FM (102.7 FM). Repete no sábado, ao meio dia.