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A Associação Almargem vai apresentar uma queixa contra o Estado português junto da Comissão Europeia, devido à recente publicação do Despacho nº 5191/2014, de 11 de Abril, dos Gabinetes dos Secretários de Estado do Turismo e das Florestas e do Desenvolvimento Rural, que autoriza, na opinião da associação, «a destruição do que resta de uma das maiores e melhores manchas de solos agrícolas do Algarve», em Vilamoura.

Esse despacho reconhece o «relevante interesse público» da utilização não agrícola de 36 hectares de solos abrangidos pelo regime da RAN, destinados à execução do projeto  “Lagos e Infraestruturas da Cidade Lacustre de Vilamoura” e respetivas medidas de compensação.

Fontes ligadas ao processo contactadas pelo Sul Informação sublinharam que este Despacho conjunto surge na «data limite» para evitar que caducassem as anteriores aprovações garantidas para aquele mega projeto previsto pela Lusotur. «A Declaração de Impacte Ambiental [DIA] foi dada em 2009. A lei dita que a DIA caduca ao fim de dois anos, se a intervenção a que respeita não avançar. Neste caso, como houve um RECAPE [Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução], que só foi avaliado em 2012, o prazo estendeu-se por mais dois anos, que terminam agora, em 2014», disse uma fonte ao nosso jornal.

Ora, segundo Luís Brás, da direção da Almargem, «este Despacho conjunto agora publicado não significa que as intervenções previstas avancem já. Não quiseram foi deixar cair o projeto». Uma situação que nem assim deixa a associação mais tranquila.

A Almargem, que desde há anos tem questionado o projeto, sublinhou, em comunicado, que «quis o destino que seja precisamente quando passam 20 anos sobre a publicação do Despacho-Conjunto de exceção que viria a viabilizar o projeto Vilamoura XXI, que o Governo tenha vindo recentemente autorizar a destruição do que resta de uma das maiores e melhores manchas de solos agrícolas do Algarve».

«Ressuscitada em 1994 pelas mãos de um expediente de última hora em vésperas da despedida do governo de então, sob a capa de Projeto Estruturante a par de outros dois mega-empreendimentos (Verdelago e Vale de Lobo III), a Cidade Lacustre de Vilamoura viria depois a ganhar o rótulo governamental de PIN, facto que contribuiu para a sua aprovação final em 2012. Tratou-se de um processo que avançou, desde o início, ao arrepio dos vários instrumentos de ordenamento e planeamento que estavam já aprovados, nomeadamente o PROTAL, o Plano Diretor Municipal (PDM) e a legislação que rege as Reservas Agrícola e Ecológica Nacionais (RAN e REN) fazendo tábua rasa desses instrumentos legais», acrescenta.

Volvidos que estão vinte anos sobre esta «página negra na já longa lista de atropelos ao ordenamento da região do Algarve», eis que a história se repete» com a publicação do Despacho n.º 5191/2014, de 11 de Abril, dos Gabinetes dos Secretários de Estado do Turismo e das Florestas e do Desenvolvimento Rural, o qual reconhece o relevante interesse público da utilização não agrícola de 36 hectares de solos abrangidos pelo Regime da RAN, destinados à execução do projeto  “Lagos e Infraestruturas da Cidade Lacustre de Vilamoura” e respetivas medidas de compensação.

Antevisão da cidade lacustre a criar pelo projeto Vilamoura XXI

Luís Brás considera que referir-se à intervenção prevista como projeto de «Lagos e Infraestruturas da Cidade Lacustre de Vilamoura e respetivas medidas de compensação» é um «eufemismo» que quase faz passar «despercebido que o que está em causa é simplesmente a destruição do pouco que já resta de uma das melhores e maiores manchas de solos agrícolas do Algarve, por isso classificados na Classe A, naquela que já foi a maior propriedade agrícola da região, e que agora vão ser escavados ou inundados para dar lugar a uma série de lagos com ligação à marina existente e rodeados de um complexo turístico com 3.000 novas camas. Tudo isto num total previsto de mais de 17.500 camas para Vilamoura XXI, o que faz deste empreendimento turístico uma megacidade que ultrapassa já a vizinha cidade de Quarteira».

«O conteúdo do Despacho é uma pérola, usando argumentos que são qualquer coisa de extraordinário», sublinha o dirigente ambientalista. É que «o governo, apesar de reconhecer o elevado valor da mancha de solos em causa, tenta justificar a destruição em definitivo daquela área com um rol de argumentos qual deles mais assombroso, que vão desde o facto de que não haveria alternativas para o projeto, passando pela desvalorização atual dos solos agrícolas uma vez que não estão a ser utilizados e que a destruição dos mesmos pode trazer benefícios sob a forma de medidas compensatórias».

O despacho diz, nomeadamente, que, «considerando que, de acordo com a informação da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, os solos na área em análise são de elevada aptidão agrícola com capacidade de uso A, mas em termos de uso agrícola verifica-se que só na área adjacente à ribeira de Quarteira é que ainda se observa alguma atividade agrícola, baseada em culturas cerealíferas em regime extensivo, enquanto nas áreas mais a norte e a sudoeste se constata um maior abandono dos terrenos, com as terras infestadas de cardos e caniçal denunciando uma forte intrusão salina».

Luís Brás recorda que «de forma propositada e trapaceira», o Ministério do Ambiente reduziu a avaliação dos impactos ambientais deste projeto apenas à construção dos lagos e canais acessórios, «ignorando o impacte cumulativo e irreversível de todo o empreendimento, contrariando qualquer perspetiva séria e moderna de ordenamento e sustentabilidade do território e passando por cima de tudo o que é condicionante ambiental, sob o argumento único da mais-valia turística, o que é certamente discutível, a não ser para alguns supostamente iluminados».

«Tudo isto apesar de o projeto inundar parte do que resta dos férteis solos da margem esquerda do troço final da Ribeira de Quarteira, afetar uma das mais importantes zonas húmidas do litoral centro do Algarve – o Caniçal de Vilamoura – intensificar o fenómeno da intrusão salina e o aumento da pressão sobre os recursos hídricos e promover o turismo de massas com todas as suas consequências», acrescenta a Almargem no seu comunicado.

A associação recorda que o Caniçal de Vilamoura está integrado na Rede Ecológica Regional prevista no novo PROTAL e que o caniçal foi reconhecido internacionalmente pela sua importância para a avifauna, tendo sido classificado pelo Bird Life International como Área Importante para as Aves (IBA – Important Bird Area), integrando a lista das 51 IBAs de Portugal Continental.

A Associação Almargem não pode deixar que a decisão agora tomada seja «aceite de ânimo leve», sublinhando a sua contradição em relação ao discurso oficial do Governo de valorizar a atividade agrícola. Sublinha, por isso, que a decisão contida no Despacho «constitui um atropelo à proteção que se exige imperiosa de um recurso (o solo agrícola) que é escasso e não renovável, numa região em que os melhores solos ocupam apenas 12% do seu território e que é igualmente uma das que maior área de RAN tem vindo a alienar, muitas vezes sob o argumento do alegado “interesse público”».

Tendo em conta este cenário, a Almargem diz que só lhe resta recorrer, mais uma vez, à Comissão Europeia, «esperando que esta instituição seja mais sensível à defesa dos valores naturais do Algarve que o primeiro está obrigado a promover, mas sobre os quais desfere agora mais este rude golpe».

O Sul Informação pediu ontem uma posição sobre este tema à Câmara Municipal de Loulé, mas até à hora de publicação deste artigo ainda nada tinha sido dito pelos responsáveis autárquicos.

 

Conheça aqui, na íntegra o Despacho nº 5191/2014, de 11 de Abril, dos Gabinetes dos Secretários de Estado do Turismo e das Florestas e do Desenvolvimento Rural

 

 

 

 

sulinformacao

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