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Passa um pouco despercebido na sua própria terra. Mas desde 2008 que o ilustrador portimonense Luís Peres, 44 anos, tem desenvolvido, com bastante sucesso, uma frenética carreira criativa a nível internacional.

Por exemplo, em breve será publicado nos EUA, o livro «Thunder & Lightning» que ilustrou para a autora Mary Evans, do Texas.

O seu trabalho mais recente também está prestes a sair na Austrália, um “cruzamento entre ilustração tradicional, digital e edição gráfica”.

Colaborador da editora algarvia «Arandis», Luís Peres está ainda envolvido em projetos como jogos de tabuleiro, livros e software educativo para o mercado português e brevemente também brasileiro.

A escritora independente Mary Evans apresenta o seu livro ilustrado por Luís Peres numa escola primária em Waco, Texas

No outro lado do mundo, numa escola primária em Waco, Texas, a escritora independente Mary Evans lê trechos do seu livro às crianças. Os desenhos que captam a atenção dos alunos têm um toque português. Ou melhor, um toque do Algarve. Foram feitos à medida pelo ilustrador Luís Peres, de Portimão.

“Este foi um daqueles trabalhos mesmo giros de fazer, porque essencialmente só envolve criaturas de fantasia. É um bom exemplo do tipo de livros que eu gostaria que me aparecessem todos os dias”, brinca Luís Peres, cuja especialidade é “criar novos mundos”.

Esta autora norte-americana conheceu o seu trabalho através do Facebook e também da «Dragon Pencil», uma editora de livros infantis com a qual Peres colabora pontualmente.

“Estamos a planear transformar o livro numa app para ipad muito em breve, assim que o financiamento para o projeto surja”, no outro lado do Atlântico.

No caso de «Thunder and Lightning», “a autora andava há um ano a testar ilustradores até me encontrar. Quando me contactou, eu enviei-lhe os desenhos dos dois personagens principais. Gostou imenso e contratou-me na hora, cinco minutos depois de ter recebido o meu e-mail. Permitiu-me criar um universo de raiz, só meu, e que curiosamente refletia mesmo o que a autora tinha sonhado”, revela.

A escritora independente Mary Evans apresenta o seu livro ilustrado por Luís Peres numa escola primária em Waco, Texas

Também para os Estados Unidos, Luís Peres tem desenhado o universo gráfico de «The Adventures of Owain Tridwr» para a editora Gold Leaf Books, curiosamente também sediada no Texas.

Mas o seu trabalho mais recente, ainda por publicar, foi para a Austrália – «Life is a Journey – Let us help you pack» de Kenneth Cole.

“Este trabalho apareceu-me do nada. É um daqueles livros motivacionais com frases inspiradoras. Fiz um cruzamento entre ilustração tradicional, digital e edição gráfica, um pouco diferente do que costumo fazer”, revela.

“Outro mercado curioso nos EUA é o mercado de livros evangélicos. Ocasionalmente, recebo um pedido para ilustrar um destes, algo que eu, como ateu militante, tento fazer o melhor que posso… até porque nesta profissão não podemos ter preconceitos”.

Um exemplo recente é «Black Or White, Which Does God Like?», livro infantil que aborda as questões do racismo, que ilustrou para a autora Danielle Hawkins e que tem obtido críticas excelentes.

Também do outro lado do Atlântico, mas em língua portuguesa, Peres está a desenvolver um projeto para o Brasil que deverá arrancar dentro de alguns meses.

“Tem a ver com um software educativo, chamado «Afonsinho explica», que já existe em Portugal e que terá em breve também uma versão para ipad, além de uma série de vários livros sobre história, ciência” entre outras disciplinas.

“Está a ser um projeto complicado de desenvolver. Não só estou a fazer a ilustração, como também o design dos produtos para a editora Eixo Filosófico, com sede aqui em Portimão”, revela.

“Estamos a organizar o financiamento para a fase seguinte. Se tudo correr bem, vamos ter muitas novidades no final do ano. Este projeto educativo é muito interessante porque destina-se a crianças em idade pré-escolar e do primeiro ciclo, o que é perfeito para o meu estilo de desenho”.

 

Adepto do Print on Demand

Para Luís Peres, Mary Evans é um bom exemplo “de um fenómeno que está a acontecer fora de Portugal, desde há alguns anos. Isto é, autores que se zangam com as grandes editoras e que decidem fazer as suas próprias publicações”, através do sistema Print on Demand (POD). Muitas vezes, com campanhas crowdfunding associadas.

Peres é ele próprio um adepto deste sistema, que permite a “qualquer pessoa com esforço pessoal, criar uma editora ou edição, sem precisar de investir muito” financeiramente. Isto porque cada edição só é impressa quando surge um interessado em comprar uma cópia. Não é necessária impressão em larga escala. E é o autor que define o preço final, entre o custo tabelado da gráfica e a mais-valia do seu próprio trabalho.

Descobriu este sistema em 2008, quando perdeu o emprego na área do design por causa dos primeiros embates da crise. Resolveu editar a sua saga de banda-desenhada “As Aventuras do Príncipe Ziph” na plataforma lulu.com – um trabalho que lhe deu grande visibilidade enquanto artista.

“Foi por causa disso que eu tive os meus primeiros clientes. E a partir daí percebi que a coisa podia funcionar se eu estivesse continuadamente inscrito em websites de freelance” como ilustrador. Desde 2010, que não procura trabalho. São os autores que o procuram, na grande maioria pessoas também adeptas do sistema Print on Demand.

Nos EUA, o POD é quase um mercado paralelo, com obras de todos os géneros. A prova é que há dois anos, o segundo maior website de venda de livros na Internet, a seguir à Amazon, era a lulu.com (plataforma dedicada à edições POD).

Mas na realidade, “o sistema POD veio fazer o mesmo nas editoras que o mp3 fez na música”, compara.

Contudo, Peres admite que o sucesso do POD está na dedicação que cada autor presta ao marketing das suas obras. “Conheço autores que inclusivamente largaram os empregos que tinham e hoje dedicam-se exclusivamente a escrever e editar livros em POD nos Estados Unidos.”

“Há um par de anos surgiram vários autores assim em Portugal, como a Mary Evans. Mas quase imediatamente apareceram artigos na nossa imprensa, aparentemente patrocinados pelas maiores editoras nacionais que dominam o mercado, a demonstrar que o sistema POD não tinha futuro. E que nem valia a pena perder-se tempo com isso!”

 

O segredo do sucesso?

Perguntamos a Luís Peres qual o segredo do seu sucesso: como vence a concorrência num competitivo e saturado mercado global?

“Acho que a razão porque normalmente ganho os trabalhos aos quais concorro é porque tenho a capacidade de interpretar facilmente os sonhos dos autores, de forma que eles nem imaginaram! Como sou sempre sincero na abordagem, e nunca escondo nada sobre o meu próprio processo criativo, as pessoas abrem-se comigo. Percebo imediatamente qual o universo que está na sua imaginação, às vezes mesmo sem ler o livro, só pela conversa inicial”, explica.

“A resposta tem também a ver com um conselho que eu dou a muita gente. Não interessa se tu és o melhor desenhador do mundo, ou não. Há milhares de tipos melhores, sempre. Mas também há milhares piores. Eu já ganhei muitos trabalhos a gente bastante superior a mim. E porquê? Porque, ao contrário do que parece lógico, um cliente não está interessado no melhor desenhador do mundo, mas sim naquela pessoa que consegue recriar aquilo que imaginou”.

“E acima de tudo, procura um ilustrador que tem um estilo diferente de tudo o resto. Um estilo pessoal. Não se deve competir pela técnica, mas pela criatividade”, considera.

Um dos muitos exemplos que suportam estes argumentos é o livro infantil «The Tale of Imani the Bunny», que ilustrou em 2013, para um professor da Universidade de San Diego, EUA. O autor despediu o ilustrador anterior, que não conseguia materializar a ideia. Peres conseguiu e será também ele a ilustrar a sequela.

 

Talento nos dedos ou um canudo na mão?

Devido à sua forte presença na internet e a já somar um palmarés editorial considerável, Luís Peres é procurado por muitos principiantes que o questionam sobre a profissão. Cerca de 80 por cento são portugueses.

“Estão totalmente às escuras nisto da web, muitos, porque não sabem ler inglês. Outras porque leram precisamente aqueles maus artigos sobre POD e acreditaram que não vale a pena tentar!”

“Os que têm menos de 25 anos acham que tudo é uma grande seca se não tiverem resultados imediatos, se não ficarem logo famosos, porque se autoconsideram geniais! Acham que o canudo lhes dá profissionalismo e que merecem entrar logo como diretores de arte ou algo assim”, opina.

Comparativamente, “os estrangeiros com menos de 25 anos desenham como o raio, espalham desenhos por todo o lado, discutem em fóruns anos a fio, perdem horas a ver tutorias de desenho no youtube. E batem à porta de toda a gente, mesmo quando ainda não estão prontos, sem medo!”

A realidade neste meio editorial pode ser definida com as seguintes palavras: “Os estrangeiros estão-se a borrifar se tu apenas tens a quarta classe. Tens um bom portefólio e és profissional? Então, estás contratado!”

“No caso dos portugueses, principalmente dos que têm diplomas em artes e design, a faixa entre os 30 e 40 anos que ainda não esteja a trabalhar nisto há anos, costumam ser ativos, procuram criar pequenos negócios, pequenas lojas on-line e coisas assim. Mas se já estiverem ligados à arte ou algo assim, são os mais arrogantes, e aqueles que costumam emitir opiniões depreciativas sobre tudo o que é novo!”

“Outra grande diferença entre Portugal e o estrangeiro está também nas agências de ilustração. Aqui temos um snobismo que não tem paralelo! É difícil descrever isto, mas cá, as agências de ilustração primeiro vão mesmo ver o canudo… quem tão tiver, nem lhe atendem o telefone! Depois, há a tendência de se apontar para “arte” em vez de ilustração. Quem comparar os livros infantis portugueses com os estrangeiros, verá que os estrangeiros são feitos com imagens “simples” de cores alegres e atmosferas bonitas, etc. Os portugueses são feitos com desenhos abstratos, qual pintura da Vieira da Silva. Parece que por cá quanto mais “arte”, mais “abstracionismo”, mais “erudito”, melhor. Como se uma ilustração num estilo mais direto fosse algo inferior, porque não se parece com algo saído diretamente das belas-artes”, critica.

“Lá fora, se tiveres um bom portefólio, normalmente o único teste que te fazem é o da rejeição, por estranho que pareça. Como me disse o diretor de uma agência, se um ilustrador novo for rejeitado uma, duas, três vezes e continua a enviar trabalhos cada vez melhores, mostra que é profissional. E que aguenta críticas. Não irá chorar se um cliente não gostar do trabalho inicial. E como tal, muitos editores costumam rejeitar sempre ilustradores novos, apenas para ver quais são as pessoas que regressam mais tarde, e assim separam os profissionais dos amadores”.

“O problema do português é que dá muito valor ao canudo e não ao trabalho. A burocracia domina. Há gente que eu conheço com mais de 30 anos que desenha naturalmente muito bem. Mas acham que já não vale a pena tentar nada, só porque nunca tiveram aulas de arte e portanto, acham que não têm hipótese de competir com os licenciados mais novos”, diz.

“Na verdade, em Portugal são mesmo capazes de não ter qualquer hipótese, até porque é um meio pequeno e preenchido. Mas felizmente, hoje temos a internet. Já é tempo das pessoas perceberem que tecnicamente ninguém vive nesta terra, se não quiser viver. Tecnicamente, eu estou emigrado sem sair de casa desde pelo menos 2008…”

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