Uma petição pública para ser entregue na Assembleia da República, vai ser lançada em defesa do Museu da Cortiça e da Fábrica do Inglês, em Silves, anunciou esta sexta-feira o presidente da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI).
O anúncio foi feito na concentração frente ao complexo de animação turística e museu, instalados na Fábrica do Inglês em 1999, mas fechados desde há cinco anos, após a falência do grupo Alicoop/Alisuper, que era proprietário da antiga fábrica corticeira.
Na concentração, participaram cerca de 70 pessoas, entre elas personalidades destacadas da museologia, em Portugal.
Na hasta pública de 30 de maio, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) arrematou o imóvel da Fábrica do Inglês por 2.239.600 euros, enquanto o espólio do Museu da Cortiça, que funcionava numa das alas do edifício, no qual a Câmara de Silves estava interessada, acabou por ser comprado pelo Grupo Nogueira, atual proprietário dos Supermercados Alisuper e, por essa via, também grande credor do falido Grupo Alicoop/Alisuper, que em 1999 transformou a antiga fábrica de cortiça num espaço de restauração e lazer.
No leilão, a que o Sul Informação assistiu, o espólio museológico ainda foi disputado entre a Câmara de Silves e o Grupo Nogueira, mas acabou por ser este último a fazer a licitação final, por 36 mil euros.
Esta semana, em declarações ao nosso jornal, João Nogueira, administrador do Grupo Nogueira, garantiu que a sua intenção é «manter e reabrir o Museu da Cortiça o mais rapidamente possível».
Mas ontem, em declarações ao jornal Público, o gestor foi mais longe: «Queremos abrir o museu ali ou noutro lado».
Ora, esta possibilidade de mudar a coleção de peças e documentos do museu para outra localização deixou os museólogos e defensores do património em choque. «Não se pode construir este Museu da Cortiça noutro lado senão onde ele está. Trata-se de património industrial integrado, que tanto inclui o espólio como o edifício em si. Qualquer remoção das peças deste local é destruição», explicou Jorge Custódio, presidente do APAI ao Sul Informação, à margem da concentração.
Também Manuel Castelo Ramos, ex-diretor do agora fechado Museu da Cortiça, considerou que a retirada do espólio é «uma hipótese inconsiderável». Se isso acontecer, «deixa de ter sentido este museu. As máquinas fora deste contexto perdem o seu interesse. Além de que o edifício em si está classificado com de interesse público municipal. Este museu, fora do espaço em que está, nunca seria considerado Museu Industrial Europeu, nunca!»
Por seu lado, Dália Paulo e José Gameiro, que participaram na concentração na sua qualidade de membros da direção do ICOM Portugal, frisaram que a «grande preocupação» deste organismo «é não separarem o que é o espólio móvel do que é o edifício imóvel. A indicação que tínhamos era que o Grupo Nogueira comprava mas com um sentido de defesa do património. E defesa do património é não é o mesmo se o espólio não estiver neste local, que também faz parte do Museu».
Esta semana, em declarações ao Sul Informação, a presidente da Câmara Rosa Palma tinha anunciado que a autarquia, face a estes últimos desenvolvimentos, está «a avaliar as suas finanças para que se possa estudar a possibilidade de comprar a Fábrica do Inglês», atualmente propriedade da Caixa Geral de Depósitos.
Quanto à intenção de classificar o espólio do Museu da Cortiça como «de interesse municipal», cujo processo a Câmara também iniciou há poucos dias, já se sabe que deverá ter pouco sucesso. É que o atual proprietário da coleção museológica tem que dar a sua concordância ao processo de classificação, e isso, já se sabe, não irá acontecer.
Na concentração frente ao portão principal da Fábrica do Inglês foi aprovada por aclamação a moção que a APAI já tinha aprovado na recente Jornada de Arqueologia Industrial, e que considera que «o que está a acontecer, hoje mesmo, ao Museu da Fábrica do Inglês, em Silves, é o que há de mais ignóbil na política patrimonial portuguesa contemporânea».
«No momento em que Portugal – o maior produtor de cortiça a nível mundial – busca novas formas, parcerias e mercados com o objetivo (unanimemente reconhecido) de um significativo e militante desenvolvimento económico que se deseja auto-sustentado, permitir a destruição de um museu referencial e premiado internacionalmente, pertencente à museologia portuguesa de feição industrial e a todos os títulos paradoxal, kafkiano, logo absurdo», leu Jorge Custódio, presidente da APAI, às sete dezenas de pessoas que se manifestaram pela defesa do património.
Entre os participantes estiveram o presidente da APAI Jorge Custódio, os membros da direção do ICOM Portugal José Gameiro e Dália Paulo, o vice-presidente e a vereadora da cultura da Câmara de Silves, bem como Luís Raposo, anterior diretor do Museu Nacional de Arqueologia e ex-presidente do ICOM Portugal.
Na concentração, estiveram representantes dos museus de Portimão, Loulé, Albufeira e de Arqueologia de Silves, entre muitos outros participantes. Um deles era, curiosamente, um membro do Grupo Nogueira, que não se deu a conhecer nem fez qualquer intervenção. limitando-se a assistir, em silêncio, ao que ia sendo dito.
Esta foi, segundo a convocatória da concentração, uma jornada de «informação e repúdio», realizada numa altura em que está em curso «o processo de desmantelamento para venda dos equipamentos da chamada “Fábrica do Inglês”, em Silves».