Duarte Pacheco, ilustre louletano e figura de destaque da vida nacional do século XX, foi homenageado durante as comemorações de mais um aniversário do Município de Loulé que se assinalou ontem, dia 17 de maio. Para “preservar a memória” do ministro das Obras Públicas do Estado Novo, a Câmara Municipal de Loulé inaugurou a Casa Memória Duarte Pacheco.
O espaço localiza-se em frente aos Paços do Concelho, no edifício onde nasceu Duarte Pacheco, remodelado nos anos 90 para instalação da Assembleia Municipal. É no primeiro piso, onde durante anos esteve sedeada a Casa da Cultura, que entretanto transitou para o Parque Municipal, que irá funcionar esta zona de memória de um dos louletanos que maior projeção nacional alcançou.
Como explicou o vereador da Cultura Joaquim Guerreiro, trata-se de uma exposição permanente, que fala da sua vida e obra, e que é composta por documentos e objetos pessoais. Uma das partes que mais interesse irá suscitar junto dos visitantes é a recriação do escritório onde foram projetadas muitas das obras que mudaram a face do país, em particular de Lisboa, e que integra o mobiliário e objetos pessoais de Duarte Pacheco.
A projeção de um filme de António Lopes Ribeiro sobre o “braço direito” de Salazar, vários objetos, fotografias e painéis descritivos da sua vida, da sua obra e da sua ligação a Loulé compõem as outras áreas expositivas.
“Esta exposição é feita por ciclos, daqui a um ano ou dois vamos ter outro ciclo que poderá dizer respeito à vertente de Duarte Pacheco como Ministro, Duarte Pacheco como Presidente de Câmara ou Duarte Pacheco como Académico”, adiantou Joaquim Guerreiro.
Este responsável municipal agradeceu a todos os que colaboraram para que esta Casa fosse uma realidade, nomeadamente à Câmara de Lisboa, através da vereadora da Cultura Catarina Vaz Pinto, que disponibilizou grande parte dos bens que estão aqui expostos, ao Instituto Superior Técnico, representado por Palmira Silva, que também cedeu algum espólio, à Santa Casa da Misericórdia, à família do homenageado, representada pelo sobrinho de Duarte Pacheco, e à Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Loulé, que montou a exposição. “É uma exposição low cost porque foi praticamente montada por toda a estrutura camarária”, sublinhou o vereador.
Duarte José Pacheco nasceu em Loulé, no dia 19 de abril, embora haja alguma dúvida em relação ao ano – 1899 ou 1900. Formado em Engenharia Eletrotécnica pelo Instituto Superior Técnico, em 1923, torna-se professor ordinário e diretor interino em 1926, ensinando a cadeira de Matemáticas Gerais. A 10 de agosto de 1927, torna-se seu diretor efetivo.
Em 1928, com apenas 29 anos, ocupa pela primeira vez um cargo político, com a nomeação para Ministro da Instrução Pública, função exercida por uns curtos meses. Em 1932 volta a ser convidado por Salazar, que admirava o seu caráter, para participar no seu Governo, na pasta de Ministro das Obras Públicas e Comunicações., cargo que viria a abandonar em 1936, regressando ao Instituto Superior Técnico.
Em 1938 é nomeado presidente da Câmara Municipal de Lisboa e, meses depois, em acumulação, novamente Ministro das Obras Públicas e Comunicações, cargo que desempenharia até à sua morte.
Em 15 de novembro de 1943, de regresso de Vila Viçosa para Lisboa sofreu um desastre de automóvel, tendo falecido no dia seguinte, no Hospital de Setúbal.
Dez anos depois do seu falecimento, com comparticipação do Estado e de todos os municípios do país, inaugurou-se, a 16 de novembro de 1953, com a presença de Salazar e de avultado número de personalidades destacadas da política e administração do Estado, o Monumento ao Eng° Duarte Pacheco, carregado de uma simbologia inerente a um período específico da história de Portugal e, ainda, significativo do reconhecimento do país pelo trabalho desenvolvido por um homem cuja vida foi curta. Da autoria do Mestre Cristino da Silva, simboliza a obra inacabada do filho de Loulé, o mais ilustre do século XX, alcunhado de “Pombal do século XX”.
Duarte Pacheco desenvolveu um trabalho faraónico, ainda hoje o orgulho arquitetónico da era salazarista. Revolucionou as obras públicas, sempre com o apoio de Salazar, mas assumindo todas as responsabilidades dos seus atos. A modernização dos correios e telecomunicações por todo o país, os projetos dos “novos bairros sociais” de Lisboa, a autoestrada Lisboa-Vila Franca de Xira, pioneira da A1, a Avenida Marginal Lisboa-Cascais, o projeto da atual Avenida de Roma, o Estádio Nacional, a Fonte Luminosa, o Parque de Monsanto ou a construção do Aeroporto de Lisboa são alguns dos exemplos do seu trabalho. Foi também, o grande responsável pela Organização da Exposição do Mundo Português, acontecimento singular do Século XX que influenciou em muitos aspetos o ritmo cultural das décadas que se seguiram.
Na sua terra natal, destaca-se a construção da cadeia nova, do edifício dos Correios, do Centro de Saúde e Hospital e ainda as melhorias efetuadas na Igreja Matriz.
Conferência revela curiosidades sobre a vida e personalidade de Duarte Pacheco
Após a inauguração da Casa Memória Duarte Pacheco, José Carlos Vilhena Mesquita proferiu a Conferência “Duarte Pacheco e a Afirmação do Estado Novo” e trouxe alguns traços da sua personalidade e a sua ligação ao regime.
“Foi um visionário do Portugal moderno, uma das primeiras figuras do século XX e da história do urbanismo português, e fez parte da vaga renovadora do Estado Novo”, considerou o conferencista.
A par das várias e importantes obras encetadas por Duarte Pacheco, Vilhena Mesquita sublinhou o seu papel enquanto dinamizador da Exposição do Mundo Português, que decorreu em Belém, em 1940, com muitos visitantes. “Foi um momento de afirmação colonial de propaganda nacionalista mas que teve tanto a vertente tradicionalista como a vanguardista, com participantes das áreas da arquitetura e das artes plásticas. Refazer, reconstruir, renovar e reinventar foram as linhas desta iniciativa e de todo o trabalho de Duarte Pacheco”, frisou o orador.
Trabalhador incansável, Duarte Pacheco era a imagem do Salazarismo nos aspetos de dedicação à Pátria e aos seus valores históricos, eficiência profissional, respeito pelas hierarquias e lealdade ao Governo.
“Era um nacionalista e, acima de tudo, admirador de Salazar. Tenho dúvidas, no entanto, que possa ser etiquetado como fascista, salazarista ou corporativista”, disse Mesquita Vilhena que referiu, por exemplo, os gestos sóbrios deste Ministro nas manifestações públicas do regime.
Quanto às semelhanças com Salazar, o orador falou do facto de, tal como o chefe de Estado, não ter vida familiar, de ter surgido de um “completo anonimato provinciano e ter-se feito a si próprio” e de, à semelhança de Salazar, possuir uma pujança nacional.
A relação com Beatriz Costa, o seu lado dandy, o abuso do tabaco, a úlcera duodenal, o excesso de trabalho, e toda uma vida intensa “vivida velozmente” foram outras das questões levantadas nesta conferência.
O presidente da Câmara Seruca Emídio falou um pouco da ligação de Duarte Pacheco aos seus conterrâneos. “Os louletanos habituaram-se a vê-lo como um homem de grande craveira intelectual, como uma pessoa de quem nos orgulhamos mas que podia ter feito mais pela sua terra, nomeadamente pelo facto da estação de caminhos-de-ferro se encontrar tão longe da ‘vila’”, disse o autarca, que adiantou: “com a inauguração desta exposição, todos nós nos sentiremos mais próximos de Duarte Pacheco”.