O edifício onde, até ao fim do mês de dezembro, funcionou a Mercearia da Ponte, em Aljezur, e que era propriedade da Câmara local, foi demolido ontem à noite, por ordem da autarquia.
A demolição, que ocorreu durante a noite para não causar dificuldades ao trânsito, já que o edifício se situava mesmo à beira da EN120, quando esta atravessa a vila de Aljezur, foi acompanhada no local pelo executivo municipal e por muitos habitantes, grande parte deles contestando a iniciativa.
«Fez-me lembrar as execuções públicas no tempo da Inquisição, com o povo e os carrascos a assistir…uma tristeza», lamentou, em declarações ao Sul Informação, Susana Lopes, filha do proprietário da Mercearia da Ponte.
Foram pouco mais de duas horas para, nas palavras de Susana Lopes, «reduzir a pó o edifício e com ele todas as memórias que lá viviam, dos antigos proprietários dos estabelecimentos que lá funcionaram ao longo dos tempos, dos seus clientes, dos moradores, dos turistas…».
Tal como o nosso jornal noticiou em outubro, a Câmara de Aljezur ordenou o fecho da Mercearia da Ponte , a única e mais antiga mercearia da vila, para demolir o edifício onde se encontrava o estabelecimento.
José Amarelinho, presidente da autarquia, disse então que a decisão se baseou nas conclusões de um «relatório elaborado pelos serviços técnicos da Câmara, que aponta para o colapso iminente do edifício».
Em novembro, uma providência cautelar interposta por António Guerreiro Lopes, proprietário da mercearia, ainda tentou travar a decisão, mas sem efeito. Em fins de dezembro, o estabelecimento, que dava emprego a nove pessoas, fechou as portas para sempre.
Mas a decisão da autarquia de demolir o edifício não foi tomada sem causar uma onda de protesto entre a população, havendo mesmo uma petição online a circular, que atingiu 1101 assinaturas.
Susana Lopes, que é a mais inconsolável de todos os contestatários, disse ao Sul Informação que «só se considera uma demolição destas quando o projeto que vem substituir, que vem ocupar o vazio deixado, compensa. E, infelizmente, projetos urbanísticos com sentido e que compensem este tipo de decisões e outras que tais em Aljezur não há um único exemplo».
«Qualquer terra, as pequenas em especial, vivem e persistem graças à sua história, às suas memórias, ao seu património material e imaterial», acrescentou.
Susana Lopes sublinhou, por outro lado, que a Câmara Municipal procedeu à demolição alegadamente para «facilitar o trânsito. Nem sequer é resolver, é apenas facilitar, porque não estou a ver que o desaparecimento do prédio faça por magia a ponte mais larga. Esse é o verdadeiro problema do trânsito ali: a dimensão da ponte. Por isso, importava conhecer quais os planos da autarquia que até agora não foram revelados!».
Em meados de dezembro, aquando da inauguração da repavimentação da estrada Aljezur/Marmelete, o presidente da Câmara José Amarelinho revelou ao Sul Informação ter discutido com o o presidente das Estradas de Portugal «a criação de uma outra ponte, apenas pedonal, junto à ponte de Aljezur», integrada na EN120. «É uma ambição que temos, a de construir essa ponte apenas para peões, porque isso irá melhorar consideravelmente as condições de segurança, já que, atualmente, sendo a ponte tão estreita, as pessoas circulam ali com algum perigo».
Curiosamente, a menos de 20 metros da estreita ponte rodoviária de Aljezur existe já uma outra ponte pedonal sobre a ribeira.
Amarelinho sempre se escusou a admitir, nas declarações ao nosso jornal, que a demolição do edifício da Mercearia da Ponte tivesse algo a ver com uma tentativa de resolução dos problemas de circulação automóvel na EN120, no troço em que esta estrada nacional atravessa a vila. Mas ontem à noite, durante a operação de demolição, foi essa a principal razão apresentada para a decisão camarária.
Sem o edifício na esquina da estrada que na realidade é uma rua, os responsáveis autárquicos esperam agora que os camiões que atravessam Aljezur passem a ter maior facilidade de manobra, evitando os congestionamentos de trânsito, que são constantes em especial no Verão. Só que, logo depois da curva, os camiões têm pela frente a estreita ponte sobre a ribeira de Aljezur. E essa continua da mesma largura, bem estreita.
Um problema que, aparentemente só teria solução com a construção da chamada Variante de Aljezur, uma obra proposta pela Câmara mas, que, por atravessar a fértil várzea e destruir a paisagem, também tem sido objeto de forte contestação popular.
Quanto às compras, os habitantes de Aljezur, os turistas e veraneantes continuam a poder fazer as suas compras na mercearia do Senhor Lopes, que agora funciona num espaço bem mais pequeno, perto dos Correios e na mesma rua, mas do lado oposto. Com esta mercearia, António Lopes conseguiu manter três dos seus antigos funcionários e continua a oferecer a mesma qualidade de produtos, muitos deles de Aljezur.
Nota: As fotos da demolição (durante e depois) são da Cassar Photography, de Aljezur, a quem o Sul Informação agradece a cedência das imagens.
Corrigida às 20h00, alterando o último parágrafo para incluir informação atualizada sobre a nova mercearia do Senhor Lopes.