Os projetos são ambiciosos, do ponto de vista social e ambiental, o território tem as condições ideais para a sua implantação, mas nem sempre a componente económica é pensada da melhor forma ou sequer seriamente considerada, o que pode deitar tudo a perder. Um grupo da organização internacional LEAD esteve na semana passada em Querença e não precisou de muito tempo, nem sequer de esquemas complicados, para analisar vários projetos de desenvolvimento sustentável do interior e apontar caminhos de futuro.
A equipa multidisciplinar do LEAD, composta por 10 representantes de instituições de diversas áreas, veio ao Algarve participar num workshop, que teve por base o projeto Querença e a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, que o enquadra, onde também foram convidados a participar muitos portugueses ligados à área.
A ideia desta ação de formação da LEAD é treinar líderes de projetos de desenvolvimento sustentável, área em que é a maior organização a nível mundial.
A organização trouxe participantes de vários países, a maioria europeus, mas também dos Estados Unidos da América e do Brasil. No terreno, visitaram e ficaram a conhecer três projetos de desenvolvimento sustentável do interior, o Projeto Querença, em Loulé, a iniciativa Tamera e a Aldeia das Amoreiras, ambas em Odemira.
«A questão básica é que estes projetos são feitos por grupos de pessoas que querem criar novas realidades. Há uma insatisfação geral com a vida nas cidades, a vida moderna e o Sistema, o que leva as pessoas a querer voltar para o interior, mas não para viver a mesma vida que levavam os avós», enquadrou em declarações ao Sul Informação Matias Linder, representante da LEAD em Portugal.
«Já não se trata apenas de trabalhar a terra. Falamos de pessoas com cursos universitários, com experiências profissionais em diferentes campos, que trazem projetos para estas aldeias. É uma inovação total, que mistura técnicas ancestrais com tecnologia moderna e uma educação universitária», continuou.
O problema, defendeu Matias Linder é como pensar esses projetos «para que, economicamente, produzam algo e possam receber outra coisa em troca».
No fundo, trata-se da auto-sustentabilidade dos projetos, que o representante da LEAD admite ser complicado numa altura de crise como a que vivemos, mas não impossível, já que «há um grande potencial nisto».
Aqui, a palavra de ordem é colaboração, não só com as comunidades em que os projetos se inserem, mas também com o poder local, empresas e até a igreja, cuja influência pode ser determinante para a aceitação de determinada iniciativa numa zona rural. Como explanou um dos participantes portugueses no Workshop, por cá, não ter algumas instituições «do nosso lado, é tê-las contra nós e aí é que se torna impossível».
O papel dos Governos, nomeadamente do Poder Local, foi um dos temas do workshop e o assunto que motivou mais dúvidas no debate que se seguiu à apresentação dos resultados preliminares do workshop, na quarta-feira. Os resultados finais vão poder ser consultados a partir de meados de dezembro, no relatório que os participantes no workshop vão elaborar.
Da parte da equipa da LEAD, foi enfatizada a ideia de que os Governos têm «um papel enorme» a desempenhar, mas não necessariamente ao nível do financiamento, pelo menos a médio/longo prazo. Embora possam servir como financiador numa fase embrionária, a sua utilidade deverá passar mais pela criação de estímulos, que até podem ser fiscais, ao crescimento de projetos desta natureza.
Outro papel importante da governação que foi identificado foi o de potencial «intermediário entre o capital e os que têm a iniciativa». Além disso, há sempre a parte mais prática, a das infraestruturas, como acessibilidades e outras, que podem ser preponderantes na altura de captar investidores privados e fixar empresas, um passo que os representantes da LEAD consideram determinante para a sustentabilidade de projetos de desenvolvimento rural, a longo prazo.
Portugal tem o potencial, há que encontrar os agentes certos
Para Caroline Godts, um dos elementos da equipa LEAD que esteve em Portugal, o nosso país tem «muito potencial» para levar a cabo projetos de Desenvolvimento sustentável. «Têm a paisagem, o Sol, solos férteis, pessoas com conhecimentos muito diferentes, tradicional, académico e técnico. Acho que têm todos os aspetos necessários para fazer com que funcione», acredita.
Apesar do potencial, ainda se nota uma certa resistência na componente de investimento, uma situação que poderá ser alterada, na visão de Caroline Godts, com «uma fase de sensibilização e chamada de atenção para o potencial destes projetos». «E, claro, juntar os parceiros certos e garantir que estão comprometidos» no sucesso das iniciativas, acrescentou.
O membro da equipa LEAD avisou ainda que não se devem levar a cabo projetos de desenvolvimento sustentável sem equacionar bem a vertente económica. «Para fazer os projetos sustentáveis a longo prazo, julgo que terão de integrar uma dimensão económica, porque dificilmente sobreviverão», alertou.
«Penso que dos três projetos que visitámos, o de Querença foi aquele que integrou mais o aspeto económico. Tem o objetivo de criar novos negócios, o que é um excelente exemplo e o torna apetecível para ser replicado noutros locais. Mas nos outros projetos que visitámos, não era a questão principal ou sequer uma preocupação, de todo», disse.
Caroline Godts disse estar «muito impressionada com as iniciativas que aqui estão a decorrer», considerando que «há muitas pessoas com uma boa visão e vontade de investir o seu tempo, energia e conhecimento para levar a cabo estes projetos». O território é também uma peça fundamental, uma realidade bem diferente da Bélgica, o seu país, onde «não há muito espaço rural».