A vida no nordeste algarvio é bem difícil, ao contrário do que as paisagens idílicas e serenas proporcionadas pelas serranias e pelo Rio Guadiana possam sugerir. Para tentar tornar a vida de quem aqui habita mais fácil e atraiar mais habitantes, representantes de entidades públicas, académicos, dirigentes associativos e empresários juntaram-se no passado sábado, no Espaço Guadiana, em Alcoutim, e deram sugestões para desenvolver este território.
A autarquia alcouteneja lançou o desafio a dezenas de entidades e personalidades para que fizessem uma reflexão sobre qual a melhor estratégia de desenvolvimento deste concelho, baseados nos resultados das Jornadas do Mundo Rural de Alcoutim, em Março. E o repto foi amplamente aceite, o que permitiu juntar na mesma sala decisores dos mais diversos setores, bem como técnicos e investigadores conceituados, que trabalham na área do desenvolvimento local.
Terminado este focus group, que foi moderado pelo ex-deputado socialista Miguel Freitas, também ele há muito ligado às questões do mundo rural e agricultura, ficou uma ideia central: Alcoutim não pode pensar numa estratégia de desenvolvimento que não assente, em grande medida, no Rio Guadiana.
Esta reaproximação ao rio foi apontada, pela maioria dos técnicos presentes, como condição básica para conseguir reverter o processo de desertificação deste território, que tem cada vez menos gente e uma população mais envelhecida.
Mais do que ter cada vez menos habitantes, Alcoutim e outros concelhos do interior debatem-se com problemas que daí derivam, como o fecho de serviços públicos, o que leva a que direitos que, com mais ou menos qualidade, estão disponíveis para maioria da população, como a educação e serviços de saúde públicos de proximidade, não sejam um dado adquirido.
Para inverter esta tendência, há, primeiro que tudo, de criar condições para a fixação de jovens, mas também de casais com filhos. E uma boa forma de o fazer é através da criação de emprego.
Neste campo, foram identificadas duas áreas chave e criados grupos operacionais nas áreas da floresta e da cinegética. Mas há também o turismo e as riquezas endógenas, setores que Alcoutim tem potencial para explorar.
No caso do setor florestal, há boas e más notícias. As más notícias, avançadas pela dirigente da associação de produtores florestais «Cumeadas», são que o pinheiro manso que foi extensivamente plantado, neste território serrano, há cerca de 20 anos, se tornou, hoje, um problema.
Densidades de cultivo demasiado elevadas, que levam a problemas de desenvolvimento das árvores e impedem a sua produtividade, e o aumento do risco de pragas que advém de uma concentração demasiado elevada de árvores, são apenas dois exemplos de um problema que urge resolver.
A boa notícia é que esta situação poderá motivar a criação de alguns postos de trabalho, já que será necessário «proceder ao abate de 50 por cento do pinheiro manso que existe e ao desbaste dos que ficam, também na ordem dos 50 por cento das suas ramagens», segundo Telma Marques, presidente da Cumeadas.
No ar, ficou a questão de como se poderá dar vazão à muita matéria orgânica que irá sobrar de uma operação de silvicultura desta dimensão. Neste campo, há várias ideias, desde a criação de uma unidade para transformação dos resíduos verdes sobrantes em pellets – solução vista com forte desconfiança por muitos técnicos, por esta ser uma operação pontual, que não garante a viabilidade do investimento a longo prazo – até ao simples triturar da madeira sobrante e reutilização como substrato nas áreas de produção florestal.
O enriquecimento de solos foi, de resto, o que justificou a aposta no pinheiro manso, segundo o presidente da Câmara de Alcoutim Osvaldo Gonçalves. «Há algumas décadas, houve a necessidade de apostar numa espécie que promovesse a recuperação dos solos, muito desgastados por sucessivas culturas de cereais. A espécie que foi escolhida foi o pinheiro manso, não tanto numa perspetiva de produção futura, mas para atingir este desígnio», ilustrou.
Hoje, e acabado o período em que os proprietários e produtores florestais tiveram direito a compensações monetárias, via fundos europeus, pela perda de rentabilidade inerente aos tempos associados ao crescimento dos bosques que plantaram, a questão da rentabilidade é, cada vez mais, premente. Daí a intenção da Cumeadas em ordenar a zona florestal, para que possa tornar-se produtiva, médio prazo.
Também importante, é a atividade cinegética no território alcoutenejo, até pela dimensão turística que lhe está associada. Alcoutim tem no seu território várias reservas de caça privadas, o que é visto como uma mais-valia para potenciar esta atividade.
Mas, mais do que economia, as zonas de caça podem ser, igualmente, áreas que contribuam para a preservação da biodiversidade. «A cinegética, desde que siga boas práticas, pode ser extremamente importante para a preservação do capital natural», defendeu Tito Rosa, presidente da Liga para a Proteção da Natureza, opinião partilhada por outros intervenientes.
Além destas ideias, houve muitas outras em debate, como um maior aproveitamento das potencialidades do território e das infraestruturas já existentes, como a Via Algarviana e a Grande Rota do Guadiana, para o turismo de natureza.
Também a gastronomia e os produtos locais podem ser uma mais-valia, que traga retorno económico. Aqui, destaque para a cabra algarvia, uma aposta que pode trazer bom retorno aos produtores locais, desde que devidamente estruturada.
Apesar de haver muitas ideias, a sua implementação não será fácil, como não o é viver neste território, nos dias que correm. Para que esta estratégia tenha sucesso, terá de haver, desde logo, uma forte componente de cooperação, não só a nível local, mas também regional, pois, avisam os especialistas, tentar desenvolver um concelho algarvio de forma desenquadrada de um plano regional pode significar deitar dinheiro fora.