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«É absolutamente espetacular! Estamos a ver a vila a ser construída naquele momento». É assim, de forma entusiasmada, que José Eduardo Horta Correia, professor jubilado da Universidade do Algarve e historiador de Arte, comenta os três desenhos de José de Sande Vasconcelos, provavelmente datados de 1774, que a Direção Regional de Cultura do Algarve acaba de comprar numa casa leiloeira em Lisboa.

Dália Paula, diretora regional de Cultura, conta ao Sul Informação que os três desenhos a tinta-da-china sobre papel, assinados e datados, um de 8 de março e outro de 9 de setembro, pertenciam a um particular e foram comprados, para o Estado português, em leilão no mês passado. «Estão todos em bom estado de conservação, mas foram entregues à Biblioteca Nacional, para um primeiro diagnóstico e para operações de restauro», acrescentou.

«Este conjunto de desenhos é o mais importante de todos os que conheço sobre Vila Real de Santo António. Mostra a vila em construção e em alçado. É uma peça muito bem desenhada, vista do rio e da baixa-mar, com grande pormenor, mostrando uma a uma as casas, as que já estão prontas e as meio construída, os estaleiros, com os barquinhos todos, os pinheiros mansos que então havia. A qualidade é espantosa! É absolutamente primoroso, como se a construção da vila tivesse sido “fotografada” a meio. Há um pormenor, uma coisa fascinante!», acrescenta o entusiasmado Horta Correia.

Dália Paulo recorda que foi graças ao professor Horta Correia que a Direção Regional ficou na pista deste conjunto de desenhos, uma longa tira de papel de mais de quatro metros e meio de comprimento (4,54 metros) e de 38 centímetros de largura.

Mas o historiador de Arte, com tese de doutoramento publicada sobre “Vila Real de Santo António, Urbanismo e Poder na Política Pombalina”, atribui os louros pela descoberta dos desenhos «à diligência de um grande defensor do património nacional, o arquiteto Jorge de Brito e Abreu, que trabalhou nos Monumentos Nacionais, no IPPAR, Igespar. Agora está reformado, mas sempre em cima do acontecimento».

É que, recorda Horta Correia em entrevista ao Sul Informação, foi Jorge de Brito e Abreu quem descobriu «num antiquário de Lisboa, uma carta da fundação da Vila, e logo me disse que era uma coisa absolutamente fantástica. Só que a Câmara [de Vila Real de Santo António] não tinha dinheiro. Falei então com a diretora regional de Cultura e ela disse-me que ia tratar disso, talvez através da Biblioteca Nacional. Eu pensava que a BN já tinha comprado, quando os desenhos aparecem noutro antiquário, agora uma casa leiloeira, a Veritas, à venda e por metade do preço. Entrei novamente em contacto com a Direção Regional e Dra. Dália disse: “por esse preço eu compro”. O problema era se aparecesse outro licitante, porque a peça estava em leilão. Mas em dois dias resolveu-se o problema e estes importantes desenhos foram salvos para o património nacional».

O especialista confessa que a sua maior preocupação era que os desenhos, «pelo seu preço irrisório» (o catálogo da leiloeira fala em 2500 a 3500 euros, mas a Direção Regional de Cultura não revela o preço final da compra), «algum colecionador estrangeiro se interessasse, fizesse subir os preços, e o Estado português deixasse fugir mais esta peça do nosso património».

Horta Correia considera estes desenhos como um «património valiosíssimo», uma vez que não são conhecidos muitos desenhos desta época sobre a reedificação de Santo António de Arenilha, a povoação que mais tarde viria a chamar-se Vila Real de Santo António, mandada reedificar por D. José ao Governador do Algarve, em Carta Régia datada de 30 de dezembro de 1773.

 

Exposição no Algarve em 2014

Por agora, o conjunto dos três desenhos a tinta da china sobre papel encontra-se em depósito temporário na Biblioteca Nacional, em Lisboa, para ser tratado pelo serviço de restauro daquela instituição e, posteriormente, para ser realizada uma pequena mostra temporária dos objetos adquiridos pela Direção Regional de Cultura do Algarve para o Estado Português.

Mas, garante aquela Direção Regional, «o conjunto regressará ao Algarve para exposição em Vila Real de Santo António, onde será depositado no Arquivo Municipal daquela cidade».

A DRC Algarve pretende, em colaboração com outras instituições, nomeadamente a Câmara Municipal de VRSA, realizar uma exposição conjunta das obras de José de Sande Vasconcelos no Algarve, comissariada por José Eduardo Horta Correia, «preferencialmente ainda em 2014».

Mas qual a importância destes desenhos? José de Sande Vasconcelos é um engenheiro militar com uma vasta e notável obra de levantamento de praças e fortalezas no Algarve, onde é colocado em 1772 (aqui viria a falecer em 1808), tendo sido professor de uma Aula de Arquitetura e Engenharia Militar, em Tavira, e como afirma Horta Correia são «seus todos os estudos necessários à recuperação das fortalezas da costa algarvia nos princípios de oitocentos».

A Biblioteca Nacional de Portugal tem cerca de três dezenas de obras de José de Sande Vasconcelos (disponíveis online) relacionadas com o reino do Algarve – Tavira, Faro, Fortaleza de Cacela, Fortificação e quartéis da praça de Sagres, entre outras, e uma sobre Vila Real de Santo António, sobre as «Propriedades q edeficou João de Souza e Mello e seu filho Joze de Souza e Mello… parte de Villa Real de S.tº An.tº do Algarve».

Entre estes, o documento mais importante é o «Mappa da configuração de todas as praças fortalezas e baterias do reyno do Algarve», datado de 1788 e com planta de 44 praças, fortalezas e baterias de todo o Algarve.

Os três desenhos agora comprados, que foram uma longa tira, são identificados como «Prospecto da Vª de S. Antº de Arenilha, tirada no dia 28 de Março, e feita no dia seguinte, pello sargento mor Joze de Sande Vasconcellos», «Vista do Estalleiro» e «Estaleiro da Vª de S. Antº de Arenilha, tirado em 9 de Setembro, pello Sargto mº Joze de Sande Vas.los».

«Estes desenhos têm a maior importância em função da pessoa que os produziu. Sande Vasconcelos era um engenheiro militar que veio para o Algarve, com uma equipa, no tempo do Marquês de Pombal, para trabalhar na abertura da estrada de Monchique para a Ribeira de Boina, para escoar as madeiras da serra, isto em 1772. Depois os três seguiram para trabalhar em Vila Real de Santo António. Foram eles que dirigiram todas as obras das terraplanagens, das infraestruturas», recorda Horta Correia.

«Na Vila, ele acompanhou as obras. Aliás, estão na mão da Câmara desenhos sobre as festas e inauguração. Mas ele fez também uma espécie de desenho-relatório para que o Marquês pudesse ver o andamento dos trabalhos. E este que agora foi adquirido é o mais importante, porque mostra a Vila em construção e em alçado».

«Sande Vasconcelos é um homem que não está estudado devidamente. Há pouco tempo até foram descobertos desenhos dele no Rio de Janeiro, levados para lá provavelmente por D. João VI. O seu trabalho conhece-se logo pelo tipo de desenho e de letra, nem precisa de estar assinado», acrescenta o especialista.

Quem quiser conhecer em pormenor este “retrato” de Vila Real de Santo António em construção poderá ir em breve visitar a Biblioteca Nacional ou então aguardar pelo próximo ano, quando estes e outros desenhos do engenheiro militar que era bem mais que isso serão mostrados naquela que hoje é uma cidade.

 

Veja aqui os desenhos em tamanho maior (imagens retiradas do catálogo da Veritas):

 

«Estaleiro da Vª de S. Antº de Arenilha, tirado em 9 de Setembro, pello Sargto mº Joze de Sande Vas.los»
«Vista do Estalleiro»
«Prospecto da Vª de S. Antº de Arenilha, tirada no dia 28 de Março, e feita no dia seguinte, pello sargento mor Joze de Sande Vasconcellos»

 

sulinformacao

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