Um barco romano naufragado no estuário do Arade e um navio do século XVII que se afundou frente à Ponta do Altar são dois dos focos de interesse da nova campanha de arqueologia subaquática que amanhã, dia 17, deveria começar nesta zona da costa algarvia.
Deveria porque, como explicou ao Sul Informação o arqueólogo Cristóvão Fonseca, um dos responsáveis pela campanha, a greve no porto de Lisboa está a atrasar os planos dos investigadores. É que o seu equipamento de mergulho e recolha de imagens já chegou dos Açores, onde estiveram nas últimas semanas num outro projeto, mas ainda não saiu do navio que o transportou…
No fundo, tudo tem a ver com navios.
Seja quando for que comece, a campanha de arqueologia subaquática vai decorrer até 31 de outubro, no estuário e embocadura do rio Arade. Esta intervenção é promovida pelo Centro de História de Além-Mar (CHAM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenada pelos arqueólogos Cristóvão Fonseca e José Bettencourt, contando com os apoios do Museu de Portimão, Direção-Geral do Património Cultural, Clube Naval de Portimão, Clube Subaquático de Mergulho Portisub, Centro de Mergulho Subnauta e empresa de arqueologia Archeosfera Lda.
«Ao todo serão duas semanas de trabalho intenso, para fazer a primeira abordagem sistemática em sítios arqueológicos subaquáticos que já se conhecem há algum tempo, mas que ainda não foram investigados a fundo, com um levantamento arqueológico como deve ser», explicou Cristóvão Fonseca.
Em permanência, entre os arqueólogos do CHAM, técnicos do Museu de Portimão e outros mergulhadores das restantes entidades, estarão a trabalhar na área «seis a oito pessoas».
«Este é um projeto que iniciamos este ano, mas que será para continuar no próximo», acrescentou. O projeto denomina-se «Entre o Mediterrâneo e o Atlântico: uma aproximação ao património cultural subaquático do estuário do rio Arade».
Navio romano naufragado?
A investigação passará, nestas duas semanas, por prospeção visual, registo e levantamento, incidindo sobre os sítios arqueológicos denominados Ponta do Altar A e B, GEO 5 e Arade B/GEO 7, que correspondem a contextos de naufrágio e fundeadouro, cuja cronologia abrange desde o período romano até à época contemporânea.
Nos levantamentos preliminares que em anos anteriores foram feitos no sítio denominado Arade B/GEO 7, situado no interior do estuário do Arade, determinou-se que este sítio tem uma «cronologia vasta, do romano à época moderna».
Mas o que desperta maior interesse são mesmo os vestígios de uma embarcação romana. Aí foram descobertas ânforas inteiras, «todas da mesma tipologia, indicando uma proveniência da mesma zona». Isso, segundo o arqueólogo, poderá indiciar que se trata ou de uma zona de fundeadouro, e que as ânforas, depois de vazias, eram deitadas fora, «como tara perdida», ou então que se trata de um local onde naufragou uma embarcação romana. E confirmar isso, salienta Cristóvão Fonseca, «seria muito importante a nível nacional, porque há poucos contextos de naufrágio de embarcações romanas conhecidos em Portugal».
O mistério poderá não ficar ainda esclarecido nesta curta campanha de duas semanas, mas o arqueólogo salienta que «nas próximas campanhas serão feitas sondagens e escavações arqueológicas, que poderão dar pistas para esclarecer nesse sítio».
E porque no fundo dos rios, como à superfície da terra, as camadas que a história vai deixando são muitas, neste mesmo sítio há ainda vestígios de um naufrágio da época moderna, com madeiras, roldanas e objetos. Só que aqui, por se situar mais à superfície, estes vestígios já foram «parcialmente afetados» pelas dragagens no porto de Portimão, que reviraram as camadas do leito do rio, misturaram os objetos, «complexificando a interpretação».
Canhões de bronze de um navio do tempo dos Filipes
Fora do estuário, na embocadura do Arade, frente ao Farol da Ponta do Altar (Ferragudo), situa-se o segundo dos quatro sítios arqueológicos a despertar maior interesse nesta campanha de investigação subaquática.
O sítio Ponta do Altar B é conhecido desde 1992, quando a equipa do então Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, chefiada pelo arqueólogo Francisco Alves, levantou desse local alguns canhões de bronze, que ostentavam as armas portuguesas e as da coroa espanhola.
A profusão de canhões indica o provável naufrágio de um navio de guerra, da época em que as coroas de Portugal e Espanha estiveram unidas sob o domínio dos Filipes. Cristóvão Fonseca diz que o navio aí naufragado deverá datar de «inícios do século XVII», mas só mais investigação arqueológica poderá ajudar a confirmar esta datação.
Aí foram recuperados, nos anos 90, os canhões que estavam à vista e que poderiam ser roubados. «Mas é preciso perceber melhor o sítio, interpretá-lo melhor, eventualmente fazendo sondagens e escavações em zonas com mais potencial», sublinha o arqueólogo subaquático.
Projeto quase a custo zero
Cristóvão Fonseca, que conhece bem a riqueza do Arade enquanto potencial arqueológico subaquático, até por já ter sido responsável pelo extinto Núcleo de Arqueologia Subaquática do Museu de Portimão, faz questão de sublinhar a importância da colaboração entre todas as entidades, públicas e privadas, que se envolveram no projeto. «Conseguimos juntar sinergias para poder levar por diante este projeto quase a custo zero», frisou.
Tudo para que «se volte a fazer investigação arqueológica subaquática no Rio Arade», que, entre 2003 e 2005 chegou a ser alvo de campanhas sistemáticas, envolvendo uma vasta equipa com ligações a universidades estrangeiras. Desta vez, será o Centro de História de Além-Mar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa a coordenar as operações.
A foz do rio Arade é um porto natural de abrigo, que serve os vários núcleos urbanos, nomeadamente Portimão, assim como corresponde a uma importante via de navegação, comunicação e penetração no interior do Barlavento Algarvio, realidade que se encontra amplamente documentada pelas fontes escritas e por diversos vestígios arqueológicos identificados nas últimas décadas.
O reconhecimento do potencial arqueológico subaquático do estuário do rio Arade remonta, pelo menos, à década de 1970, sendo que as intervenções realizadas entre 1993 e 2007 em contextos arqueológicos contribuíram de forma decisiva para a afirmação do seu valor científico e patrimonial, tendo sido promovidas pelo Museu Nacional de Arqueologia, Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, Museu de Portimão, Grupo de Estudos Oceânicos, Institute of Nautical Archaeology / Texas A&M University e Museu de Antropologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.