A barra energética de Querença, cuja base são produtos regionais conhecidos pela sua excelência, vai começar a ser produzida, com vista à sua comercialização, no âmbito de uma parceria entre o Projeto Querença, Michael Guerreiro, co-proprietário da panificadora e pastelaria louletana Amendoal, e o curso de Engenharia Alimentar da Universidade do Algarve (UAlg).
Este produto inovador, que conta com figo, alfarroba, amêndoa e mel algarvios na sua composição, entre outros ingredientes, já está completamente desenvolvido e as últimas experiências para a sua produção industrial, ainda que usando métodos artesanais, já estão a ser feitas.
Neste momento, já se está a tratar do pormenor, nomeadamente a questão da produção em grande número e embalagem da barra. E fica a garantia da parte dos membros da academia envolvidos e do empresário que se associou à ideia de que só faz sentido apostar neste projeto se se usar produtos da região.
Os sabores tradicionais do Barrocal algarvio são vistos como a mais valia da barra energética, que já ganhou adeptos, nas vezes que foi distribuída, em experiências efetuadas no âmbito de eventos desportivos. O público-alvo mostra-se agradado com a nova receita da barra, que foi desenvolvida ao longo dos últimos meses, nos laboratórios do departamento de Engenharia Alimentar da UAlg.
Foi nestes laboratórios do Campus da Penha que a ideia surgiu originalmente, há alguns anos. Mas o seu “nascimento” deu-se na primeira fase do Projeto Querença, através do trabalho de Dulce Almeida, que pegou na ideia e desenvolveu uma primeira versão do produto, ainda em 2012.
Mais tarde, a receita então desenvolvida, que apresentava alguns problemas que impediam a sua produção em maiores quantidades, e, logo, a sua comercialização , voltou à Universidade e encontrou um grupo de finalistas do curso de Engenharia Alimentar, entre eles o jovem Romilson Brito.
«Temos uma unidade curricular no 3º ano de Engenharia Alimentar chamada Desenvolvimento e Utilização de Novos Produtos. Os alunos têm de formar um grupo e inventar um produto ou processo novo. A nós foi-nos proposto agarrar numa ideia que já existia, mas que tinha algumas lacunas, para que pudéssemos estudar e otimizar», contou Romilson Brito, ao Sul Informação.
Depois de um semestre de trabalho e de testes, o grupo conseguiu encontrar uma receita passível de ser comercializada.
Este estudante da UAlg foi um dos elementos do grupo que desenvolveu a barra e decidiu levar o projeto mais longe. «Já conheço muito bem a barra e o processo. Entrei para o mestrado e propuseram-me continuar a trabalhar nela e entrar para o Projeto Querença. Eu aceitei logo», contou.
Do «gosto pessoal» à validação por vários provadores
«A barra acabou por ser um produto de gosto pessoal. A primeira versão tinha muita coisa que, eu, particularmente, não gostava, por considerar demasiado doces. Comecei a fazer uma seleção e a retirar aquilo que eu achava que estava a mais», revelou Romilson Brito.
Paralelamente, Romilson começou a pesquisar na Internet outras experiências semelhantes. E descobriu projetos afins, que lhe deram pistas para corrigir algo que continuava a ser o grande obstáculo à produção continuada da barra – a sua consistência.
«Além dos que retirei, fui juntando outros elementos que não estavam lá antes e tive a sorte de conseguir resolver um dos grandes problemas, que era ter a fórmula certa para conseguir a agregação da barra. Os ingredientes, no fundo, estavam todos lá, mas o desafio é que ficassem todos agregados, o que conseguimos», revelou.
A partir daqui, «foi uma questão de ajustar as quantidades de cada ingrediente», disse. A validação do produto surgiu de um grupo de provadores, que foi dando pistas para a melhoria do sabor da barra e ajudou a encontrar a fórmula que a Amendoal vai ajudar a produzir em maiores quantidades.
«Fizemos várias receitas, com diferentes quantidades e ingredientes, e demos a provar a um painel de provadores. Este painel era composto, maioritariamente, por alunos e funcionários daqui da universidade e avaliou diversos aspetos, como o sabor, a textura, a agregação. A receita final acabou por ser a vontade dos provadores».
Uma primeira experiência de distribuição deste produto em eventos de Trail Running, organizados no âmbito do Projeto Querença, também foi determinante para aprimorar a barra energética, neste caso, com opiniões de potenciais consumidores.
Para chegar a este ponto, Romilson Brito teve o forte apoio da professora Margarida Cortês Vieira, que coordenou o projeto. «Estou a ver isto a crescer dia para dia, principalmente o interesse por parte dos atletas», ilustrou a docente. «Por outro lado, há um revivalismo destes três produtos agrícolas e os agricultores querem voltar ao mercado, com a alfarroba, o figo e a amêndoa», acrescentou.
Do laboratório para a cozinha
Outro grande desafio foi encontrar uma fórmula que permitisse produzir a barra numa cozinha industrial, em grande quantidade, mantendo as mesmas características, já que «fazer 200 gramas de produto não é a mesma coisa que fazer uma quantidade muito maior».
Uma tarefa da qual o engenheiro Romilson Brito se encarregou e que ele próprio tem vindo a testar na Amendoal, em Loulé. «No laboratório, o máximo que fiz, foi cerca de cem barras [dois quilos]. Na Amendoal, é apenas uma questão de multiplicar a receita para ter a quantidade pretendida», disse.
«Nós, na primeira fase, ainda chegámos a trabalhar com uma pastelaria, mas nunca conseguimos fazer o acerto, porque a receita era diferente», contou ao Sul Informação, João Ministro, coordenador do Projeto Querença.
Na passada semana, foi altura de efetuar mais testes, os últimos preparativos antes da primeira tentativa de embalagem das barras, usando uma máquina própria para o efeito. Um momento importante para todos os envolvidos, já que esta barra vai ao encontro do objetivo partilhado de valorização dos produtos agrícolas regionais.
Michael Guerreiro: “Se for para fazer com produtos que não sejam de cá, não vale a pena”
«O que eu gostava que não acontecesse é que se passasse a produzir a Barra de Querença, que é algarvia na sua essência, com figo da Turquia, amêndoa dos Estados Unidos e alfarroba de Espanha. Gostava que fossem todos produtos daqui e até poderíamos pensar numa Denominação de Origem Protegida», disse Margarida Vieira.
Michael Guerreiro comunga desta opinião, já que não esconde ser um entusiasta do uso de produtos algarvios e faz questão de os usar na doçaria tradicional que comercializa. Este empresário insiste em abastecer-se localmente, mesmo quando seria bem mais simples (e até barato) comprar produtos de fora. «Se for para fazer com produtos que não sejam de cá, não vale a pena», considerou o empresário louletano, em declarações ao nosso jornal.
«Vamos tentar nunca fugir da parte artesanal. Este é um projeto que tenho vindo a acompanhar há muito tempo, que visa valorizar os produtos da terra. A produção em grande escala, vai depender das vendas. Esperamos produzir algumas, sempre bem e, principalmente, valorizando a matéria-prima aqui da terra», disse.
E, apesar de nem sempre ser fácil arranjar produtos locais, Michael Guerreiro não desanima. «Julgo que estamos já no caminho certo, que é o de falar dos problemas. A minha esperança é que este projeto ajude a motivar as pessoas a produzir o figo e a amêndoa algarvios», desejou.
Depois da produção, vem a distribuição
A partir do momento em que haja condições para produzir e embalar as barras energéticas, o Projeto Querença vai apostar forte na sua comercialização. Para isso, já está a ser desenvolvida uma marca, com uma imagem associada, e agendadas presenças em diversos eventos desportivos.
Neste percurso de registo da marca e passagem à industrialização da barra, o Projeto Querença está a receber a ajuda do CRIA – Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da UAlg.
Numa primeira fase, será feita uma aposta e ter o produto presente em iniciativas, em número limitado, já que, para uma distribuição nos canais comerciais tradicionais, ainda será preciso fazer mais algum trabalho.
«A receita está finalizada. Agora, apenas temos de estudar a composição nutricional da barra, determinar o prazo de validade e a ficha técnica do produto», disse Romilson Brito.
Para já, a aposta será na criação «de uma necessidade de mercado», explica Sara Fernandes, que trabalha para o Projeto Querença, na área do marketing. «Neste momento, é o mercado que nos está a pedir para colocar produto. Temos tido muitos contactos de desportistas interessados», disse.
«Temos de escolher muito bem o nosso caminho. Vamos iniciar, através dos eventos desportivos, um novo teste. O primeiro foi muito positivo e acho que tem tudo para dar certo», considerou Sara Fernandes.
«Uma das vantagens desta receita é que, facilmente, se consegue ter uma barra biológica, com produtos certificados. Já há produtores de figo biológico aqui no Algarve e, se encontrarmos alfarroba biológica, podemos fazer farinha dela», acrescentou João Ministro.