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O sexto assalto à ermida de Nossa Senhora da Assunção, a 3 quilómetros da vila alentejana de Messejana, leva a Diocese de Beja a classificá-la como um “monumento mártir”, a que é preciso dar atenção, e a apelar ao envolvimento de outras entidades.

Segundo a Diocese, «quando realizavam uma tarefa de rotina nos arredores, em 20 de Novembro passado, funcionários da Câmara Municipal de Aljustrel depararam com as portas abertas da igreja. Desde que há registo de furtos, é a sexta vez que o edifício, classificado como Monumento de Interesse Público, mas em deficiente estado de conservação, sofre a investida dos ladrões. Uma situação que o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja classifica como “preocupante”. Além das perdas patrimoniais a lamentar, o assunto semeia a inquietação entre a população».

A ermida de Nossa Senhora da Assunção está documentada desde o século XV, tendo sido, desde então, importante local de peregrinação, o que explica – como salientaram investigações recentes – as sucessivas campanhas de obras que recebeu, até à que lhe viria a dar, em etapa já posterior ao terramoto de 1755, a sua fisionomia atual.

O facto de a igreja se encontrar nas imediações da falha geológica de Messejana torna-a muito sensível aos abalos sísmicos. Em 1755, ficou completamente arruinada, mas em 1758 já estava a ser reconstruída, com a colaboração de Diogo Tavares de Brito, de Tavira, um dos mais importantes mestres pedreiros (hoje diríamos arquiteto) do vizinho Algarve, à época.

Salienta-se o programa construtivo do notável imóvel, segundo esses mesmos estudos, «simultaneamente conservador no que toca à tipologia da sua planta e assumidamente barroco no que diz respeito ao exterior, onde a preocupação de movimento, de contrastes de luz e sombra e mesmo de eruditismo se encontra patente desde a escadaria, à fachada».

Quanto ao interior, de grande austeridade, segue os modelos da arquitetura “chã”, evidenciando uma só nave e capela-mor, onde se concentra todo o esforço decorativo do interior, conseguido através de retábulo de talha rococó do altar-mor e da utilização de painéis com temas marianos azuis e brancos e molduras já anunciando também o rococó.

A fachada, à qual se acede por um escadório que assume a dinâmica barroca, apresenta um registo central, onde se abre o portal, encimado por janelão, ladeado por duas torres colocadas de forma oblíqua, imprimindo movimento a toda a fachada.

Esta peculiar colocação das torres, rara na arquitetura portuguesa (pode-se encontrá-la na igreja do Senhor Jesus da Piedade, em Elvas), foi largamente utilizada no Brasil, depois da construção da famosa igreja da Conceição da Praia, em São Salvador da Baía.

Mas também as duas dependências, de planta hexagonal, que se ligam de um e outro lado à capela-mor, revelam uma tipologia pouco comum.

Tudo isto faz da ermida de Nossa Senhora da Assunção uma das principais referências do Barroco no Alentejo, bem reconhecível à distância, pontuando uma das mais belas paisagens do Campo Branco.

Mas o isolamento deste santuário de peregrinação tem-se revelado adverso. «Desde 1984, a igreja já foi assaltada e vandalizada seis vezes, é escandalosa a situação a que chegou», salienta José António Falcão, diretor do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja.

E acrescenta: “houve preocupação em classificá-la, o que é louvável, mas depois nada foi feito; a classificação, só por si, de pouco adianta – há que devolver este extraordinário edifício à vida”.

Um “monumento mártir”

Ermida_messejana_01A igreja de Nossa Senhora da Assunção é, para o responsável pelo património da Diocese de Beja, o exemplo perfeito de um “monumento mártir”.

No início da década de 1980, os ladrões retiraram-lhe as alfaias e serraram parcialmente o retábulo do altar-mor, em talha dourada, que ficou amputado. Seguir-se-iam novas delapidações, que a comunidade paroquial seguiu com preocupação, mas sem dispor de meios suficientes para acudir a todas as suas igrejas.

Desta feita, talvez por terem sido surpreendidos antes de concluírem a rapina, os “amigos do alheio” abandonaram, ao desbarato, peças de talha e outros elementos que tinham acabado de cortar. O retábulo, que já se encontrava em situação periclitante, ficou agora em péssimo estado, como alertou uma fonte da Comissão Fabriqueira que preferiu guardar o anonimato.

Não houve tanta sorte, porém, com o único sino que permanecia nos campanários da igreja. Quando o pároco Padre Luís Fernandes tomou conta da ocorrência, foi alertado por populares para o desaparecimento desta peça de grandes dimensões, fundida no século XVIII, cujo peso se estima em mais de meia tonelada.

Para o retirarem, terão sido necessárias pelo menos três pessoas, uma parafernália de cabos e roldanas e algumas horas de trabalho. «O isolamento do sítio e a falta de vigilância tornaram este um crime quase perfeito», lamenta a Diocese de Beja. Teme-se agora que o sino, em bronze muito puro, possa vir a ser fundido, talvez já na vizinha Espanha.

Tudo isto provoca, como realçou o pároco, um sentimento de consternação e de impotência na comunidade local. O alarme social tocou, mas o desgosto anda de mãos dadas com a impotência, já que os meios da paróquia são modestos.

Por seu turno, Ercília Diogo, presidente da Junta de Freguesia de Messejana, chamou a atenção para “o estado preocupante do edifício, ao nível da abóbada e das pedras de suporte das janelas e portas”. O problema ultrapassa, claramente, o que pode ser feito à escala local. Qual será o futuro de um monumento isolado, numa pequena terra do interior?

“Portugal debate-se com a ausência de um plano estratégico para a salvaguarda do património religioso no meio rural e as dioceses têm cada vez maior dificuldade em assegurar a proteção do património sob a sua tutela; uma certa falta de coordenação entre o investimento público, a possibilidade de integração dos edifícios em percursos culturais e turísticos, a escassez de policiamento e a desertificação do interior constitui pesada factura e põe em causa o futuro de muitos monumentos”, diz José António Falcão. E evoca uma história que, apesar de pouco conhecida, marcou decisivamente o trabalho de recuperação dos monumentos religiosos do Baixo Alentejo.

Em 1969, quando a ermida de Nossa Senhora da Assunção voltou a ficar arruinada, devido ao terramoto desse ano, os serviços distritais do Ministério das Obras Públicas contemplaram a possibilidade de a arrasar.

Por casualidade, visitava então o Alentejo um arquiteto brasileiro, Augusto da Silva Telles, professor da Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro, que viria, muito mais tarde, a presidir ao Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional do Brasil. Foi ele quem explicou às estupefactas autoridades de Beja o significado daquela igreja para a arte luso-brasileira, salvando-a.

Relembrando estas circunstâncias, José António Falcão diz que o futuro do monumento depende, agora, de uma ação concertada entre as autoridades locais, o Ministério da Cultura, a Paróquia e a Diocese para salvar o edifício.

O diretor do Departamento do Património da Diocese de Beja vai mais longe: “só a existência de uma estratégia para o acompanhamento e a visita das igrejas isoladas pode ajudar a reduzir estes atentados; não podemos continuar a defender que o culto basta para manter os edifícios religiosos abertos, ele precisa de agir a par de outras medidas, culturais e turísticas; seria muito interessante que a área do Campo Branco desse corpo a uma iniciativa neste âmbito”. Até porque, da próxima vez, pode não existir a sorte de estarem por perto funcionários da Câmara Municipal…

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