A 16 de novembro de 1953, há precisamente 60 anos, António de Oliveira Salazar visitava Loulé, naquela que seria a sua terceira e última deslocação ao Algarve, durante o seu governo.
O objetivo era concreto e conciso: a consagração da memória do Eng. Duarte Pacheco, perpetuada num monumento.
Natural de Loulé, Duarte José Pacheco (1900-1943) foi um dos mais destacados ministros que integraram os governos de Oliveira Salazar.
Engenheiro eletrotécnico de formação ocupou diversos cargos públicos, nomeadamente os de diretor do Instituto Superior Técnico, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ministro da Educação e também das Obras Públicas e Comunicações.
Apesar de se ter dedicado à causa pública apenas durante duas décadas, a sua marca foi vincada e perene na dotação de diversas infraestruturas fundamentais ao desenvolvimento do país. Obras arrojadas para a época e concebidas como um vasto horizonte de projeto, de tal forma, que a maioria delas continua hoje ao serviço do país (constituindo um mero exemplo o Hospital de Santa Maria, em Lisboa).
Vítima de acidente de viação aos 43 anos de idade, quando se deslocava para um Conselho de Ministros, Duarte Pacheco faleceu inesperadamente a 16 de novembro de 1943.
A partir de então, a Câmara Municipal de Loulé desenvolveu uma luta titânica para a ereção de um monumento consagrado ao falecido ministro, na sua terra natal. Apesar de inúmeros contratempos e muitas adversidades, a autarquia ultrapassou mesmo a sua congénere lisboeta (que entretanto pretendia também ela levar a efeito a glorificação do ex-ministro), conquistando em 1952 o desejado monumento.
A persistência e bairrismo dos louletanos triunfava e, dez anos depois do falecimento do filho pródigo, Loulé recebia as mais altas figuras da nação (com exceção do Presidente da República) e, na presença do chefe de Governo, inaugurava o monumento a Duarte Pacheco.
Localizado no topo de uma avenida, de certa forma concluída para o efeito, teve como autoria o arquiteto Cristino da Silva, que concebeu uma obra monumental, financiada por subscrição pública de todas as autarquias do país.
Trata-se do principal monumento do Estado Novo erigido no Algarve e um dos mais conseguidos e coerentes monumentos que foram legados naquele período a nível nacional.
Grosso modo é constituído por uma coluna,de 17 metros de altura, truncada na parte superior (simbolizando a trágica interrupção na obra do homenageado).
Por sua vez, no plinto, colocado junto à base do fuste, um baixo-relevo em bronze, da autoria de Leopoldo de Almeida, representa a efígie do ex-ministro.
O monumento é ainda composto por 18 painéis em baixo relevo, da autoria de vários escultores, que simbolizam a obra de Duarte Pacheco e do próprio regime, encontrando-se perfeitamente enquadrado e complementado no espaço que ocupa.
Os dias que antecederam a cerimónia de inauguração foram vividos em Loulé com muita azáfama. Porém, na manhã daquela segunda-feira, 16 de novembro de 1953, tudo estava preparado minuciosamente, como atesta a ata da Câmara lavrada no dia seguinte à cerimónia.
Assim, pelas 8 horas da manhã, “era já notória a presença de muita gente, quer dos arredores, quer de fora da terra. O trânsito começava a intensificar-se com automóveis que surgiam de várias regiões da província e também se notavam muitos carros de longe com a marca de táxi de outras cidades”.
A primeira cerimónia do dia foi realizada na igreja matriz de São Clemente, às 9h30, onde decorreram as solenes exéquias, presididas pelo bispo coadjutor do Algarve, Frei Francisco Rendeiro.
No centro da nave do templo, que se encontrava “ornamentado com panejamentos negros”, estava armada uma urna fúnebre (cenotáfio), ladeada por doze círios.
Na cerimónia estavam presentes, para além dos familiares (as duas irmãs, os dois irmãos e os sobrinhos), diferentes autoridades da região e do país.
Foi então organizado um cortejo que se dirigiu para junto do prédio onde nasceu Duarte Pacheco, na Praça da República, sendo aí descerrada uma lápide comemorativa desse nascimento, a que se seguiram vários discursos.
Ao início da tarde, Loulé regurgitava de gente. O jornal A Voz de Loulé estimou que se deslocaram à localidade cerca de 20 mil pessoas para assistirem à inauguração do monumento. Este e a zona envolvente apresentavam, de acordo com a ata daquela edilidade, o seguinte cenário:
“Junto do monumento e em frente à Tribuna Presidencial fora construida uma imponente plateia para mil e duzentos convidados. Por detraz do monumento, em elegantes mastros, estavam desfraldadas as bandeiras de vários municípios do País. Em baixo em volta do monumento foram-se colocando os portadores de estandartes dos Municípios do Algarve. Ao longo dos passeios da Avenida General Carmona, instalaram-se deputações das Câmaras Municipais, na primeira placa ao sul do Centro de Saúde, das Juntas de Freguesia, na segunda placa e de associações de recreio e desporto, sindicatos, Grémios, Casas do Povo na terceira placa. O aspecto do conjunto era grandioso. Muitas agremiações ostentavam os seus estandartes, outras placas com a indicação da entidade representada, outros dísticos de saudação. A deputação das escolas da Vila, constituída por alunos da terceira e quarta classe formavam no passeio fronteiro à Tribuna onde igualmente se achavam postadas as duas filarmónicas locais: União Marçal Pacheco e Artistas de Minerva”, escreveu o jornal A Voz de Loulé.
Por volta das duas da tarde, chegaram a Loulé os passageiros de um comboio especial que saíra de Lisboa às oito horas da manhã, para assistirem à cerimónia.
À mesma hora, o automóvel que conduzia o presidente do Conselho, acompanhado pelo ministro das Obras Públicas (José Frederico Ulrich), atingia S. Romão, limite dos concelhos de Loulé e São Brás de Alportel, onde era aguardado pelo presidente da Câmara de Loulé, entre outras entidades.
O chefe de Governo viajara na noite anterior para o Algarve, ficando alojado em Cacela, na Quinta de Cima, propriedade do então deputado e ex-ministro Sebastião Garcia Ramirez.
Na manhã seguinte e de acordo com a agenda pessoal de Salazar, este participou numa cerimónia no cinema de Vila Real de Santo António, dirigindo-se de seguida para a homenagem a Duarte Pacheco.
A comitiva entrou em Loulé e percorreu a Avenida José da Costa Mealha, “sob uma chuva de pétalas que lhe lançavam das janelas e que se encontrava toda engalanada com colgaduras, bem como o resto da Vila”.
O presidente do Conselho desceu no Largo Gago Coutinho, “onde a mole imensa de povo, comprimido o vitoriou e aclamou com muitas palmas e vivas”.
Aqui era aguardado pelos ministros da Presidência e das Comunicações (Costa Leite), subsecretário das Obras Públicas entre outras individualidades.
“Dêsse lugar e até à tribuna Sua Excelência foi alvo das maiores provas de adoração, amizade e carinho, ao longo do percurso efectuado a pé ao lado do Presidente da Câmara”.
Após as entidades oficiais terem tomado lugar na tribuna, ornamentada com plantas e as cores nacionais, dirigiram-se para junto do monumento os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e de Loulé e os irmãos de Duarte Pacheco, Humberto e Clotilde.
Esta última procedeu ao descerramento da efígie do falecido irmão, enquanto as bandas executavam o hino nacional. Seguiu-se a leitura, pelo chefe da secretaria da Câmara de Loulé, Raul Rafael Pinto, um dos principais mentores e impulsionadores da construção do monumento, da ata da inauguração, lavrada no livro de ouro da edilidade, a qual foi depois assinada pelos membros da mesa, bem como por todas as pessoas que o desejaram fazer.
Sucederam-se os discursos oficiais proferidos pelos presidentes das Câmaras de Loulé e Lisboa (enquadrados na usual tipologia laudatória e de exaltação ao regime vigente, sublinhados com vibrantes aplausos) e por António de Oliveira Salazar, a encerrar a sessão.
Quando o presidente do Conselho se preparava para proferir a sua “magistral oração”, uma esquadrilha de oito aviões a jato, em duas colunas, sobrevoou a tribuna, por duas vezes, “deixando todos os assistentes profundamente emocionados”.
O chefe de Governo iniciou o seu discurso (publicado depois num opúsculo À Memória de Duarte Pacheco), “com um toque de sentimento na voz, (…) um travo de saudade nas suas palavras meditadas, mas quentes e empolgantes”, nas palavras do correspondente do Diário de Notícias, mencionando que Duarte Pacheco não morrera, que o seu espírito continuava sempre presente: “Há mortos que não morrem, e nós todos que viemos de longe ou de perto, em saudosa peregrinação, somos os que testemunhamos que este não morreu”.
Felicitou depois os municípios, o ministro das Obras Públicas e todos os artistas, pelo empenho na edificação do monumento. Reafirmando seguidamente não ser aquele o local nem o momento próprio para prestar um depoimento sobre Duarte Pacheco, “como prometi há dez anos na Assembleia Nacional, «perante a Nação que o perdeu e a História que orgulhosamente o recolheu em seu seio»”.
Contudo, acedeu a pronunciar umas ligeiríssimas notas sobre o homenageado, enalteceu-o “pela massa de realizações materiais, e também, e sobretudo, pela escola que formou”. Qualificando ainda a sua obra material como uma obra imensa, e explicando a solução utilizada pelo ministro para atingir tais resultados: “A selecção e preparação de numeroso pessoal, a coordenação de esforços oposta à dispersão dos homens e dos meios, o estudo sério contraposto à improvização, a prévia definição de princípios, a exigência de planos, o optimismo da acção, o clima da altura e dos largos horizontes”.
Salazar concluiu com um louvor à população de Loulé, aludindo para o facto de que “Portugal se encontra aqui em comunhão de espírito connosco a celebrar, embora entre as névoas da saudade, a glória de um português, esse português é um dos vossos, é o maior e mais ilustre filho da vossa terra”.
Após a sua oratória, o presidente do Conselho percorreu o monumento, ouvindo esclarecimentos do arquiteto Cristino da Silva, que o apresentou aos escultores autores dos baixos-relevos.
O presidente do Conselho voltou a descer a pé a avenida General Carmona, hoje 25 de Abril, “por entre alas compactas de novo, que sem cessar o aclamava entusiasticamente”, segundo o Diário da Manhã.
No momento da partida e em nome das mulheres da vila, um grupo de senhoras ofereceu ao chefe do Governo, um elegante jarrão de cobre batido, proveniente da oficina local de mestre José Barracha que, igualmente, como recordação, obsequiou o Prof. Salazar com outro artístico cobre do seu fabrico. Os membros do Governo deixaram então Loulé entre palmas e «vivas».
Terminava assim de forma grandiosa, como a maioria das comemorações do Estado Novo, a jornada de consagração nacional à memória do ilustre louletano. A Câmara de Loulé concretizara o sonho num ressonante sucesso.
Como epílogo atente-se na descrição do Diário de Notícias: “Tudo quanto podia conceber-se de melhor para honrar e lembrar às gerações a excelsa figura de Duarte Pacheco acaba de realizar-se nesta luminosa terra do Algarve que viveu, certamente, o maior dia da sua história. Embora o «homem raro» que Salazar teve a fortuna de encontrar para a efectivação do seu plano de reconstrução nacional pertença já à posteridade e toda a Nação dele se orgulhe e o reivindique, o Governo e os municípios de todo o País não duvidaram apoiar na sua ardente iniciativa a Câmara operosa que o viu nascer, para lá se erigir, como expressão do reconhecimento pátrio, o monumento que fica de hoje em diante à sua guarda carinhosa”.
António de Oliveira Salazar regressou nesse mesmo dia a Lisboa, com uma breve paragem na Pousada de S. Brás de Alportel, onde tomou chá.
Sessenta anos depois, a autarquia louletana não esqueceu a efeméride, tendo o Arquivo Municipal dedicado a 8ª edição da publicação “Caderno do Arquivo” ao acontecimento “A Consagração Nacional de Duarte Pacheco – A Construção do monumento de Loulé”, da autoria de Jorge Filipe Palma. Obra que consultámos e para a qual remetemos o leitor interessado em mais detalhes.
Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional