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Ideias simples que, mais do que dar soluções definitivas, apontaram caminhos, transmitidas de forma concisa e clara e uma sala completamente cheia de pessoas interessadas em ouvi-las. A iniciativa «Inovar nas Terras Ardidas» entusiasmou as gentes da Serra do Caldeirão, que, no sábado, marcaram presença em força no Museu do Trajo de São Brás de Alportel para debater soluções para o território que foi destruído pelo incêndio que atingiu este concelho e o de Tavira em julho.

Uma sessão que serviu para esclarecer algumas dúvidas, com o diretor regional de Florestas António Miranda a ser o orador mais interpelado pelo público e até para o anúncio de uma intenção de investimento de grande dimensão no setor florestal, mais concretamente na plantação de alfarrobeiras. Mas, acima de tudo, ficou a ideia de que qualquer solução tem de passar por um bom planeamento e coordenação entre os que querem investir na recuperação dos territórios ardidos.

O diretor regional das Florestas assumiu mesmo que, em todos os anos de serviço e nas muitas iniciativas que foi, «esta é a primeira vez que a questão é colocada como deve ser». «Se o espaço florestal não for rentável, ninguém o vai gerir. Ou inovamos e encontramos soluções para que passe a ser rentável ou ninguém estará interessado em explorá-lo», afirmou.

Manuel Belchior entrega a António Eusébio doação para a Campanha Renascer das Cinzas

A rentabilidade do espaço florestal é a base para a prevenção de incêndios, acrescentou António Miranda. «Se a floresta for rentável, é gerida, se for gerida, é feita a manutenção necessária e se for afeita a manutenção, diminui-se drasticamente os riscos de incêndio. Não vale a pena falar se há helicópteros e aviões para combater os fogos, que custam muito mais dinheiro do que é dado às florestas e à sua rentabilidade», considerou.

O dinheiro até fez parte da sessão, mas numa perspetiva diferente. Um cidadão sambrasense aproveitou a ocasião para entregar um cheque de donativos para a conta solidária de São Brás, recolhida no seio da comunidade alemã que vive neste concelho serrano. «Eu e a minha mulher, que é alemã, fizemos anos e pedimos aos nossos amigos que, em vez de nos darem uma prenda, contribuíssem para a conta solidária», contou Manuel Belchior.

 

Inovar não tem de ser complicado  

O seminário assentou num modelo de apresentações rápidas, com o tempo a ser escrupulosamente controlado pelo co-organizador da iniciativa Jack Soifer, que se juntou às Câmara de São Brás e Tavira na promoção do evento.

Às quatro apresentações inicialmente previstas, uma das quais a de António Miranda, acabou por se juntar uma quinta, dum empresário agro-florestal que já tem uma exploração de 200 hectares de alfarrobeira perto de Odeleite e que mostrou vontade de investir num território bem mais vasto.

O empresário Luís Cabrita garantiu que está «disposto a investir nos 11 mil hectares que antes eram de mato, plantando alfarrobeira», uma árvore pela qual se diz ter «apaixonado» e da qual, só este ano, já plantou «40 mil unidades». Uma ideia ambiciosa, mas que não é de execução simples, como admitiu o próprio empresário.

Logo à partida, a ideia está dependente do volume de matéria-prima, uma vez que se trataria de plantar milhões de árvores, quantidade que está longe de existir em viveiros.

Outro problema a resolver seria a ausência de incentivos europeus a esta cultura. Luís Cabrita defendeu que, na revisão da Política Agrícola Comum em curso, Portugal deveria insistir na inclusão desta cultura no lote das subsidiáveis, já que se trata de uma árvore endémica, cujo fruto, a alfarroba, tem um elevado potencial comercial e industrial.

Nas outras intervenções da tarde, o enfoque foi dado às experiências concretas dos convidados. Em destaque esteve o uso a dar às cinzas que o fogo deixa para trás, a utilidade da figueira-da-Índia, vulgo piteira, como corta-fogo e as técnicas básicas de Permacultura para retenção de água e uso dos solos.

 

Cinzas, turismo e Agricultura Biológica

O primeiro orador da tarde veio de longe, mais concretamente de Castelo Branco, falar de algumas soluções que foram adotadas naquele distrito e nos vizinhos na sequência de um fogo florestal que também destruiu largos milhares de hectares de floresta. E um dos problemas mais prementes foi o aproveitamento das cinzas, não apenas para aproveitar os nutrientes que mantêm, mas também para controlo de pragas. «Usámos cinza para controlar a praga da borboleta na batata, em vez de produtos químicos», exemplificou o professor Jorge Santos.

Também a indústria pode dar uso às cinzas que ficam depois do fogo, nomeadamente para fazer betão, tijolo ou pisos sintéticos, para uso desportivo. Jorge Santos falou ainda de exemplos de sucesso na recuperação económica após incêndio, neste caso na área do Turismo. «Na Sertã, uma herdade que foi toda queimada foi recuperada para a atividade turística e para a viticultura»- Hoje, não só é um espaço de hotelaria de referência na região, como produz vinho biológico.

A aposta na agricultura biológica foi outra solução apresentada pelo mesmo orador. «Pode-se tratar os solos ardidos para introduzir agricultura biológica», um processo mais simplificado do que adaptar qualquer outro tipo de terreno para este fim, uma vez que a certificação destes produtos é muito rígida. A ideia dos projetos em curso na Beira Interior «é tentar chamar os jovens que estão desempregados nas grandes cidades».

 

Permacultura como remédio contra a seca

João Cunha também é professor do Ensino Básico, mas alia a esta atividade a de agricultor, seguindo o princípios da Permacultura, que defende, entre outras coisas, um boa organização do espaço produtivo, para melhorar a qualidade do produto final e diminuir ao mínimo os impactos da exploração agrícola.

As ideias trazidas pelo produtor de Messines focaram-se «no problema da água e dos solos». No primeiro caso, este é um assunto na ordem do dia, uma vez que a tendência climática no Algarve, segundo os especialistas, é a existência de longos períodos sem chuva, seguidos de períodos curtos com muita pluviosidade, como os que temos assistido nos últimos dias.

Esta realidade acarreta riscos grandes para os solos, que ficam mais sujeitos à erosão e “lavados de nutrientes” pelo escorrimento rápido da água em «terras xistosas e de taludes íngremes», como as que predominam na Serra do Caldeirão. A Permacultura apresenta uma solução para este problema, que passa pela construção de valas de retenção, «seguindo sempre as curvas de nível».

No fundo, trata-se de criar pequenas valas, de 10 em 10 metros ou mais, dependendo da inclinação do terreno, que retenham a água na altura em que a chuva é intensa e depois permitam que esta se infiltre lentamente, para benefício das culturas que estão abaixo de si. Uma técnica que o agricultor usa e da qual até forneceu esquemas detalhados aos presentes, que não é de difícil execução, apesar de ser fundamental fazer a vala a uma altitude constante, para a água não fugir.

Ao nível dos solos, João Cunha recomenda que a limpeza do mato dos terrenos, quando se trata de explorações agro-florestais, deve ser feita «com uma roçadora, de modo a não arrancar as raízes das ervas ali existentes», que permitem «agarrar o solo, reter água e manter os nutrientes».

 

A figueira da Índia não se assusta com o fogo

Uma das questões que tem sido levantada por diversos especialistas é a necessidade de repensar a organização florestal no Caldeirão, evitando manchas muito extensas de uma única cultura. Algo que se evita com a plantação de bolsas de espécies mais resistentes ao fogo, que permitam abrandar a progressão do fogo ou até mesmo bloqueá-la.

Uma das espécies mais faladas, também mencionada várias vezes no sábado, é o medronheiro, mas José Carlos Alves trouxe uma solução bem diferente, a criação de barreira corta-fogo com figueiras-da-Índia, vulgo piteiras.

Esta planta tem características que a tornam muito resistente ao fogo e capaz de se regenerar mesmo quando sujeita a altas temperaturas. Ao mesmo tempo, pode-se explorar comercialmente, já que o seu fruto é muito apreciado, e as palmas, a parte mais carnuda da planta, podem ter diversas utilizações, nomeadamente forragem para animais.

A eficácia da planta como corta-fogo, garantiu o empresário, foi testada no terreno com resultados positivos. Além de reter o fogo, a piteira tem a vantagem de ser uma planta baixa, que permite aos que combatem os incêndios proteger-se atrás dela e combater as chamas à distância.

E nada melhor que um exemplo prático para demonstrar o que se diz. Durante uma hora, José Carlos Alves manteve uma palma de piteira ao lume, num braseiro, e esta, apesar de estar queimada na zona onde o fogo estava a incidir diretamente, não pegou fogo e até foi libertando líquido que arrefece a temperatura das chamas. «Se a comermos depois de queimada, faz lembrar pimentos grelhados», acrescentou.

 

Planificação e parcerias são fundamentais

No final, as conclusões estiveram a cargo do parlamentar algarvio Miguel Freitas e da ex-eurodeputada Jamila Madeira, ambos do PS. Antes, Jack Soifer deixou também um alerta para os que gostariam de exportar o seu produto no futuro. «A indústria alimentar de grandes dimensões é coisa do passado. Agora, está-se a regressar ao tradicional, com técnicas inovadoras», considerou.

Aos que apostarem numa agricultura menos intensiva abrem-se mercados bem mais interessantes, para onde podem escoar os seus produtos com valor acrescentado. «Para exportar esses produtos, o problema não é quantidade de produção, mas sim o volume de carga. Podemos ter o melhor produto e não ser rentável exportar. É aí que temos de nos unir, através do conceito da carga integrada», considerou.

Jamila Madeira também colocou o enfoque na união, através da organização dos produtores em associações, algo que considera fundamental para o sucesso futuro. Miguel Freitas, por seu lado, frisou a necessidade de tudo isto obedecer a um plano, sem prejuízo de cada um dos produtores decidir o destino a dar aos seus terrenos.

 

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