A serenidade natural dos terrenos junto à Fonte da Benémola, na confluência das freguesias louletanas de Querença e Salir, contrasta com o ambiente de conflito que tem agitado esta zona da Serra do Caldeirão nos últimos meses. Mais de cem pequenos e médios proprietários, na sua maioria habitantes locais, está a disputar uma área de mais de 200 hectares com uma empresa, um caso que já chegou aos tribunais.
De um lado, está uma empresa de capitais finlandeses, que diz possuir cerca de 280 hectares de terreno naquela zona, comprados a duas outras empresas há mais de 15 anos, do outro estão os proprietários locais, que defendem que as parcelas compradas pela empresa têm apenas cerca de 68 hectares e que a restante área reclamada é constituída por terrenos que já têm dono e que, na maioria dos casos, pertencem a famílias de Querença e Salir há muitas décadas.
A questão da disputa da propriedade dos terrenos, avançada pelo jornal Público há cerca de uma semana, não é a única que tem agitado esta zona da Serra do Caldeirão, relacionada com elementos ligados à mesma empresa, que, originalmente, terão adquirido a propriedade com a intenção de promover um empreendimento turístico.
Um projeto agrícola recentemente submetido, que visa a instalação de um olival em três parcelas com uma área total de perto de 60 hectares, bem como os trabalhos de desmatação e despedrega já efetuados, a ele associados, já motivaram uma denúncia pública da Almargem, que considerou que se está perante «um atentado» aos valores ambientais daquela zona, «uma das jóias naturais mais valiosas da região», o vale da ribeira da Fonte da Benémola.
No terreno, é possível verificar que há caminhos abertos recentemente, com árvores e outra vegetação desenraizada nas suas bermas, misturada com pedras e terra avermelhada. Uma situação que os ambientalistas repudiam, já que a zona em questão está inserida na Reserva Ecológica Nacional, na Rede Natura 2000 e também é classificada como Área de Proteção Local pelo município de Loulé.
José Dias diz ter sido expulso de terreno que a mãe herdou «em 1932»
José Dias não esconde o sentimento de revolta, ao falar sobre a disputa que mantém com os responsáveis pela empresa, que já motivou ações em tribunal de parte a parte. O habitante na freguesia de Querença diz ser proprietário de terrenos confinantes com o dos promotores do projeto agrícola, que terão sido reclamados pelos últimos há cerca de dois meses.
Para José Dias, tudo começou no dia em que diz ter sido expulso do terreno que afirma ser seu e estar registado em seu nome. «Puseram-me fora do terreno! Veio o advogado com três guarda-costas e disse-me para parar o trabalho e sair», assegurou ao Sul Informação o agricultor.
«Este terreno pertence à minha mãe desde 1932. Foi herdado em tribunal, com inventário de maiores. Tenho a papelada toda. Tenho alguns antigos e os novos, que já fui buscar ao arquivo. Agora estou à espera do Tribunal, tenho o meu advogado», disse.
Entretanto, os restantes proprietários afetados, que são «mais de cem» na totalidade, formaram uma comissão, para defender os seus interesses. Dela faz parte Francisco José, que também acompanhou o nosso jornal ao terreno e foi dos principais promotores da união dos pequenos proprietários.
«Eles compraram terrenos a duas empresas. Mas as parcelas que adquiriram não têm o tamanho que eles reclamam. Se eles se consideram enganados na compra, devem reclamar junto de quem compraram», argumentou Francisco José.
Na reunião que já mantiveram com os representantes legais dos promotores do projeto agrícola, não houve conclusões. «Ficaram de marcar nova reunião, mas até hoje nada. Disseram que queriam levar tudo a bem, que não queriam ir para a justiça…», ilustrou.
Francisco José é um dos membros da comissão que representa os proprietários locais em litígio com a empresa, da qual faz igualmente parte o candidato a presidente da Câmara de Loulé pelo PSD Hélder Martins, natural de Querença e que também viu terrenos que alegadamente lhe pertencem a ser reclamados.
«Eles [os promotores do projeto agrícola] têm uma escritura de compra de dois terrenos, feita há cerca de 15 anos. Em conjunto, os terrenos terão perto de 68 hectares, mas na escritura a área descrita é de cerca de 170 hectares. Mais tarde, foi feita uma alteração de área, algo que na altura era relativamente fácil, para os cerca de 280 hectares que agora reclamam», alegou Hélder Martins.
O candidato à autarquia sustenta que a empresa «não comprou a maioria dos terrenos» que agora reclama, garantindo que, pelo que lhe diz respeito, nunca houve qualquer transação. «O problema está na génese do processo», considerou, desde logo por ter sido inscrita na escritura original uma área maior do que os terrenos adquiridos tinham, mas também pela posterior alteração de área.
«Há quem tenha registos, há quem não tenha. Mas já fizemos uma visita ao terreno, acompanhados das pessoas mais antigas e foi possível identificar todos os marcos, que estão lá colocados», disse.
Hélder Martins acrescentou que «as pessoas têm o sentido de propriedade», não tanto pelo valor financeiro do terreno, mas pelo «valor sentimental», já que «foram, na sua maioria, terrenos herdados».
Esta situação também está ligada ao facto de Loulé não ter ainda registo do cadastro predial.
Não perca, esta tarde, os pormenores exclusivos que o Sul Informação irá avançar sobre este assunto