Do Caldeirão para a Nazaré. Octávio Lourenço está a produzir na sua fábrica, em São Brás de Alportel, duas pranchas de surf projetadas para a famosa onda gigante de Portugal. “Uma delas será com rolhas de cortiça”, revelou o fundador da Ferox, ao Sul Informação, à margem da sua participação na Beta Talk de Setembro, no TEMPO – Teatro Municipal de Portimão, ao princípio da noite desta terça-feira, 16 de Setembro.
Octávio Lourenço e a (sua marca de pranchas) Ferox têm andado nas notícias devido ao mais recente e inovador modelo de prancha da marca algarvia feita com rolhas de cortiça. “É um processo de construção muito laborioso”, diz o shaper algarvio. O interior da prancha é feito com rolhas de cortiça, colocadas uma a uma, e poliuretano, para preencher os espaços e dar uniformidade ao bloco, que é depois cortado à medida, lixado e sujeito a uma laminação tradicional com fibra e resina.
O resultado é uma prancha com forte impacto estético, mas não só. Octávio Lourenço experimentou um modelo de 6,4 polegadas single finn (quilha única), na Praia da Galé, e desmistificou o peso acrescido da cortiça. “Fiquei surpreendido, a prancha funciona e bem, até com manobras no lip“, garantiu o shaper algarvio, prometendo para breve a publicação de um vídeo com imagens da já famosa prancha em ação.
Inovar esteticamente e recorrer a cores, padrões e materiais de referência cultural, predominantemente algarvia, são duas características da Ferox. Outra é produzir pranchas projetadas especificamente para determinado tipo de onda, referenciadas pela longa experiência do shaper enquanto surfista curioso em testar praias de Norte a Sul do País.
Os dois novos modelos em produção – um tradicional e o outro com rolhas – para surfar a onda gigante da Nazaré são a continuidade natural de um projeto iniciado quando Octávio Lourenço estudava Artes Plásticas nas Caldas da Rainha e que se transformou numa das marcas portuguesas de referência no fabrico de pranchas de surf. Um percurso de sucesso, sobre o qual o shaper algarvio falou na Beta Talk (conversa informal com empreendedores regionais) em Portimão.
Shaper com formação em Artes Plásticas
Octávio Lourenço tem 39 anos de idade e começou a fazer surf em Cabanas de Tavira, numa tarde em que manobrava uma prancha na água apenas com o intuito de salvar pessoas de um agueiro (gola, em algarvio). Pôs-se de pé na prancha e não mais parou. Fruto da sua veia artística, começou a fazer pranchas para si próprio, para os amigos e os amigos dos amigos, numa altura em que a Internet dava os primeiros passos em Portugal. “Não existia informação sobre como fazer pranchas. Depois consegui trocar emails com shapers californianos e australianos e comecei a fazer pranchas”.
Nas Caldas da Rainha, onde estudava Artes Plásticas, um amigo propôs-lhe que fosse fabricar pranchas numa loja local. “Fiz três pranchas, que se venderam em menos de três dias. Ao fim de uma semana, o meu amigo pediu-me mais cinco pranchas. Aí apercebi-me do potencial da coisa”, disse Octávio Lourenço. O shaper ainda a começar compreendeu também que essas primeiras pranchas venderam bem por terem um aspeto estético diferenciado. “Não sei se funcionavam bem, mas eram lindíssimas”, diz, agora, com humor.
Oficina da Ferox é na antiga fábrica de rolhas do avô
A prancha de surf enquanto objeto funcional e artístico foi a primeira lição que Octávio assimilou e depois consolidou, apresentando o tema como projeto final de curso em Artes Plásticas. Terminados os estudos nas Caldas da Rainha, Octávio Lourenço regressou à sua vila natal, São Brás de Alportel, e aí fundou a Ferox, há 14 anos, numa antiga fábrica de rolhas que era do seu avô. “Faço questão que seja um projeto algarvio. Uma fábrica de pranchas de surf no meio da serra não é normal. Mas faz parte da identidade da marca; levar as pessoas a conhecer o interior do Algarve”, diz Octávio Lourenço.
Octávio Lourenço: Uma fábrica de pranchas de surf no meio da serra não é normal. Mas faz parte da identidade da marca; levar as pessoas a conhecer o interior do Algarve
A fábrica está aberta a quem a queira visitar e prima pelo asseio, o que surpreende num meio de produção que envolve pó e produtos químicos. Ferox é o nome de uma espécie de tubarão habitual nas águas algarvias. “É uma palavra que define muito bem os algarvios. Temos uma personalidade muito específica. E somos um pouco antiquados. Ligamos muito à honra e ao compromisso”, comenta o shaper algarvio. Honra e compromisso são dois pilares da marca Ferox na procura de qualidade e na relação com o cliente.
À medida de cada onda e cliente
A Ferox produz pranchas para ondas específicas e para cada cliente. Por exemplo: a prancha normal que Octávio mostrou no TEMPO tem um tail (ponta oposta ao bico, nose) batizado chainsaw e que foi especificamente projetado para o Kanguru, a super onda que por vezes aparece em frente ao Portinho da Arrifana. Mas o tamanho e o volume da prancha são outros detalhes adaptados às características técnicas e físicas de cada surfista. “Acompanhar o cliente é o que nos diferencia. A parte mais difícil do trabalho é mesmo interpretar o pedido do cliente”, sublinha Octávio Lourenço.
Para este rigor técnico também contribui, e muito, a análise feita pelos surfistas a quem a Ferox disponibiliza pranchas, nomeadamente Alex Botelho, Frederico ‘Martim’ Magalhães, João Serafim, Yolanda Hopkins, entre outros atletas algarvios. Eles testam as pranchas e indicam o que está bem e o que está mal. A evolução é um processo contínuo na busca da satisfação do cliente, a base do marketing boca-a-boca, que transformou a Ferox numa marca de referencia nacional.
Ferox produz 600 a 900 pranchas por ano
Há cinco anos, a Ferox adquiriu uma máquina industrial de shape e, atualmente, tem uma capacidade de produção de 600 a 900 pranchas por ano, assente numa rigorosa política de preços, para não diferenciar o cliente direto do cliente nas lojas com quem a marca quer continuar a trabalhar.
A prancha mais barata, uma 5,10 básica, custa 350 euros. A partir daí “é sempre a subir”, diz Octávio, consoante aumenta o tamanho da prancha. No caso das pranchas com rolhas é diferente, porque a técnica de produção é mais exigente. Custam 3 mil euros cada e a Ferox já tem duas encomendas. “Ganha-se dinheiro, mas é a trabalhar sábados e domingos e até à uma e duas da manhã”, sublinha.
Octávio Lourenço: Estamos a explorar novos materiais. Somos marafados. Queremos fazer coisas diferentes
A capacidade de crescer mais depende da mão-de-obra, que Octávio diz ser muito difícil de encontrar. A Ferox tem duas pessoas em permanência na fábrica de São Brás de Alportel, uma delas o próprio Octávio (que assegura a calibragem da máquina de shape), e mais um colaborar ocasional e outro em Portimão. Mas a capacidade de inovar, essa, não pára.
Depois de concretizar “o capricho antigo” de fabricar uma prancha com rolhas de cortiça, o que foi possível graças a estágios de alunos do Agrupamento de Escolas de São Brás de Alportel, Octávio Lourenço está já a pensar na próxima evolução: usar o agave (piteira, planta abundante no Algarve) na produção de pranchas de surf. “Estamos a explorar novos materiais. Somos marafados. Queremos fazer coisas diferentes”, concluiu o shaper da Serra do Caldeirão.
Texto e fotos 1 e 3 de Paulo Marcelino
(a foto 2 é de Gheorghe Turcano, aluno do Curso de Técnico de Multimédia- do Agrupamento de Escolas Poeta António Aleixo)
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