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Fissuras nas paredes, vidros quase a estilhaçar e abanões, «como se de um tremor de terra se tratasse». Estas são, segundo nove moradores de casas junto à loja IKEA de Loulé, as consequências das obras do novo espaço comercial.

Soledade Botelho, que vive do outro lado da estrada onde se ergueu a IKEA, é um dos rostos da revolta contra esta situação, tendo estado na inauguração da loja a protestar, empunhando um cartaz onde se lia “Queremos as casas arranjadas”

Em entrevista aoSul Informação, a moradora explicou que as fissuras nas paredes de sua casa começaram «desde o início das obras». Na origem destas, estão os desmontes de rocha que foram feitos na obra de construção da IKEA, com recurso a explosivos.

Na casa de Soledade, há rachas ao longo da parede de entrada, mas também na cozinha, nos quartos e na sala. O seu aparecimento garantiu, «não é imediato». «Com o tempo, as rachas também vão abrindo e vamos notando. De noite, às vezes ouve-se um barulho que vem das fissuras estarem a abrir ainda mais», contou.

Outra vizinha da loja IKEA, que não quer ser identificada, adiantou ao nosso jornal que, na sua residência, além do «barbecue rachado», tem o «chão de casa» a «parecer que vai cair». Os estragos estão «avaliados em 10 mil euros».

Os danos provocados pela empreitada já obrigaram, segundo Soledade, a que a casa de um dos moradores, «por ser mais velha, tivesse de ser arranjada».

Tanto antes de as obras começarem, como durante o decorrer dos trabalhos, «foram feitas inspeções» nas casas próximas da nova loja, para verificar o estado inicial das edificações e, depois, para confirmar eventuais estragos, caso acontecessem.

Em resposta a perguntas colocadas pelo Sul Informação, a IKEA confirmou estas vistorias, dizendo que «desde o início» acompanhou «de perto todo o processo de construção dos seus projetos».

A empresa sueca disse ainda ter averiguado «todos» os casos «juntamente com entidades competentes».

Mas a verdade é que nem todas as casas foram inspecionadas antes das obras terem início. Mário Rodrigues, que é vizinho de Soledade, entrevistado pelo Sul Informação, garantiu que, na sua casa, «não houve nenhuma vistoria prévia».

Das inspeções que foram feitas, houve relatórios finais. O nosso jornal teve acesso a um desses documentos, datado de 15 de Julho de 2015, e que foi requerido pela DST (Domingos da Silva Teixeira), a empresa responsável pela empreitada de construção da IKEA. A inspeção dizia respeito à casa de Soledade Botelho e reportava-se a uma situação já depois do início das obras da loja e centro comercial.

No relatório, é descrita a existência de «diversas microfissuras em paredes» no hall contíguo à cozinha, por exemplo. Depois desta, seguiram ainda outras vistorias.

Tendo em conta o resultado dessas vistorias de inspeção e as reclamações apresentadas, ainda na semana passada Soledade Botelho recebeu a visita de um responsável da IKEA: «veio aqui na quarta-feira [dia 29 de Março] e disse-me que estão a apertar com o seguro», contou.

Mas a moradora já não acredita nas promessas dos responsáveis pela marca sueca, uma vez que, «também me tinham dito há um mês e meio que, em 15 dias, tinha uma resposta e até agora nada».

O Sul Informação teve também acesso à troca de correspondência, de Janeiro deste ano, entre a seguradora da DST, a Tranquilidade, e o morador Mário Rodrigues.

Na carta, que foi também dirigida a outros moradores queixosos, é explicado: «no que se refere aos “danos causados por (…) atividades”, dispõe o artigo 493º, nº2, do Código Civil (CC) que “quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”».

Ora, segundo o mesmo documento, «de acordo com o que foi possível apurar, a DST executou os desmontes de rocha com emprego de explosivos, por intermédio de pessoal habilitado e com formação específica, ao que tudo indica, em cumprimento do previsto no Plano de Segurança da obra e devidamente autorizada pela Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública». Portanto, conclui a seguradora, se houve danos, a empresa construtora DST está ilibada de culpas, porque tudo terá sido feito dentro da lei…

Nesta carta, é mesmo dito não se vislumbrar «que outras providências poderia a Segurada [a DST] ter tomado no sentido de prevenir os danos reclamados».

A seguradora garante ainda que os rebentamentos foram feitos «por intermédio de equipamento devidamente calibrado por laboratório acreditado».

Também a IKEA, dona da obra, na resposta enviada às questões colocadas pelo  Sul Informação, garante respeitar «os mais elevados padrões de segurança» com os procedimentos e normas legalmente definidas a serem «integralmente» cumpridos.

Ora, se todos cumpriram as normas, como é que as casas dos vizinhos do complexo comercial estão agora cheias de rachas? É um mistério que, por vontade da Tranquilidade, da DST e da IKEA ficará sem solução…

Na carta da Tranquilidade enviada aos moradores, a seguradora acrescenta ainda que «os registos das medições das vibrações revelam que não foram excedidos os parâmetros/valores limite recomendados pela Norma Aplicável, para a velocidade de vibração».

Ou seja, tudo aponta para que, neste caso como em tantos, a culpa acabe por morrer solteira. E os vizinhos da nova loja IKEA em Loulé é que terão de reparar, do seu bolso, os danos causados nas suas casas, pelos meses de obras no complexo comercial, que, aliás, ainda não chegaram totalmente ao fim.

Mas se IKEA, DST e seguradora pensam que os moradores vão baixar os braços, estão muito enganados. Soledade Botelho garante que «não vai deixar de lutar» pelos seus direitos. Mas será uma luta desigual, entre os vizinhos algarvios e o gigante sueco.

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

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