Onde estiverem, em Portugal ou espalhados por esse mundo fora, são muitos os sambrasenses que fazem questão de voltar à terra no fim-de-semana de Páscoa, fazer uma tocha de flores e juntar-se à maior expressão cultural anual deste concelho, a secular Procissão da Aleluia, a Festa das Tochas Floridas de São Brás.
Este Domingo de Páscoa, a procissão vai partir do adro da Igreja Matriz de São Brás às 11 horas, precedida por uma missa às 10 horas. Durante a tarde, a partir das 14 horas, haverá a tradicional Tarde Cultural da Páscoa, no Museu do Trajo, que junta produtos artesanais a animação musical e, este ano, a transmissão em direto do programa televisivo «Somos Portugal TVI».
A preparação da Festa da Aleluia é uma tarefa comunitária, que envolve centenas ou mesmo milhares de pessoas, quer na recolha das muitas flores, folhas e ervas aromáticas necessárias para fazer os tapetes que dão a cor e o cheiro que caraterizam o evento, quer na execução das decorações e na sua manutenção. Os homens dedicam-se ainda a construir tochas de flores individuais, uma tarefa que assumem com orgulho e muita criatividade.
Durante a Semana Santa, quem percorrer São Brás de Alportel sente uma energia latente, um sentimento de antecipação, que se nota nas faixas e bandeiras coloridas que vão sendo instaladas nas ruas por onde passa o cortejo. Uma espécie de pré-aviso de festa e ainda uma sombra daquilo que será a Procissão da Aleluia.
O entusiasmo e visível orgulho com que o vice-presidente da Câmara de São Brás de Alportel Vítor Guerreiro descreve a festa são, só por si, um indício da importância que os naturais de São Brás dão à procissão da Aleluia.
Não apenas pelo que significa cultural e historicamente a nível local, mas também por se tratar de um evento que atrai muitos forasteiros, pela sua originalidade e beleza.
«Um sambrasense vive intensamente o Domingo de Páscoa. Nas minhas memórias mais remotas, recordo-me perfeitamente de apanhamos as flores que havia no jardim, no jardim dos vizinhos e vir cantar a Aleluia», recordou Vítor Guerreiro numa conversa com o Sul Informação.
«Esta é uma procissão onde participam os homens, onde temos grande orgulho em mostrar algo que é nosso, que é genuíno e faz parte do nosso património cultural e etnográfico. Isto é algo único, não existe nada igual no país», explicou.
Esta faceta masculina da festa está essencialmente ligada às tochas empunhadas durante o cortejo. As mulheres não ficam de fora, nem da procissão, nem da preparação das decorações e até ajudam à execução das tochas. «Desde sempre que a minha mãe me ajuda a fazer a tocha», revelou Vítor Guerreiro.
«Toda a comunidade sambrasense acaba por se envolver durante a semana, para apanhar as flores que são usadas para fazer as passadeiras e cortar a verdura na sexta e no sábado. Na madrugada de domingo, são muitos os que vão ajudar a colocar as passadeiras de flores», disse o autarca.
Muito deste trabalho passa pela Casa Paroquial de São Brás, situada junto à Igreja Matriz da São Brás de Alportel, de onde parte e para onde recolhe a procissão. O Prior da paróquia, este ano o Padre Afonso em substituição do irmão Padre Cunha, assume a liderança da festa, enquanto a gestora da Casa Paroquial Carmen Baltasar assume a parte logística da preparação da procissão.
«Isto dá muito trabalho. Tem de muita gente ajudar, senão não vai para a frente», garantiu. O trabalho começa no início da semana, mas «a partir de quinta-feira tem de se acelerar, senão não damos conta do recado», explicou.
«Esta é uma festa não só de cores, mas também de cheiros», diz, enquanto liberta o cheiro das flores do rosmaninho acumuladas dentro de um recipiente, com um gesto suave da mão.
«Aqui nós moemos a verdura, o alecrim, o funcho, o rosmaninho. Estas plantas cheiram muito bem nas ruas. São utilizadas para colocar nos lados das passadeiras», contou. Na Quinta-Feira Santa, as flores ainda estão guardadas «na estufa», à espera da madrugada de domingo, em que serão colocadas no chão com ajuda de moldes de madeira. «Isto é tudo muito bonito!», disse.
Tradição mantém-se viva entre sambrasenses, mesmo os que vivem mais longe
A tradição passa de geração em geração e é, de certa forma, uma imagem de marca dos sambrasenses, mesmo dos que saíram do concelho, da região ou até mesmo do país, que a mantêm bem viva e passam aos seus filhos.
«Quase todos os sambrasenses espalhados pelo País e até pelo mundo – França, Estados Unidos, Canadá- costumam vir passar as férias de Páscoa cá. Alguns só vêm cá nesta altura. Também há uma grande comunidade sambrasense na zona de Alhos Vedros, Montijo e Almada. Mesmo os mais jovens, apesar de cá não viverem, mantêm a tradição», contou.
Esta é uma festa religiosa, mas também uma manifestação de cariz popular. «Há um pormenor interessante, que é o aclarar da voz, que se faz com o medronho. Os homens costumam levar consigo uma garrafinha dentro do fato e de vez em quando bebem um golinho de medronho daqui da serra. Isto é feito como um ritual», uma parte da festa que «não agrada muito ao Prior», mas que acaba por tolerar esta prática.
Durante a procissão, os homens cantam: «Ressuscitou como disse! Aleluia, Aleluia, Aleluia!»
Esta afluência extraordinária de filhos da terra não residentes e de visitantes levou mesmo a que aquela que, para qualquer sambrasense, é a Festa da Aleluia – «os homens, diz-se por cá, juntam-se para cantar a Aleluia» – tenha ganho uma segunda designação, a Festa das Tochas Floridas, como é mais conhecida fora do concelho.
«Por uma questão de cartaz turístico, este nome das Tochas Floridas foi uma designação que encontrámos há poucos anos», revelou.
Flores silvestres e malmequeres para os tapetes, rosas albardeiras para as tochas
E de onde vêm tantas flores? «Temos pessoas a apanhar flores durante toda a semana. Quem está de férias vai colhê-las, há associações que se organizam para o fazer. A comissão organizadora é composta pela Paróquia, pela Câmara de São Brás e pela Associação Cultural Sambrasense. Mas coletividades como o Motoclube e os bombeiros também organizam grupos para recolher flores», revelou Vitor Guerreiro.
Os trabalhadores da Câmara dão uma ajuda preciosa na recolha daquilo que é necessário, nomeadamente o que não é tão fácil de encontrar. Em 2013, por exemplo, há escassez de folhas de palma, mas a autarquia já procura fora do concelho alternativas para garantir que os arranjos que ladeiam a procissão cumpram a tradição.
«Nos últimos anos, a Câmara também tem dado um contributo mobilizando as auxiliares das escolas, já que é uma altura que não há aulas e fazemos dois grupos, em duas carrinhas, que desde segunda-feira andam a apanhar flores. São flores silvestres, malmequeres essencialmente», disse.
São estas as flores usadas nas passadeiras, estando reservados os jarros para os arranjos dos postes que ladeiam o cortejo. Para fazer as tochas, é costume utilizar as flores que há por casa ou nas imediações, mas há uma espécie que todos procuram ter, mas que nem sempre é fácil encontrar.
«As rosas-albardeiras? São raras! São para as tochas, não para as ruas. Sábado tenho de ir aí a uns sítios que eu sei para as encontrar. É um segredo», disse, a rir Vítor Guerreiro. «São flores muito bonitas, que nascem em pleno mato, muitas vezes junto das alfarrobeiras. Cada um tem o seu sítio onde as encontrar», contou.
Também há muitas pessoas que oferecem ramos de flores, utilizadas, normalmente, no arranjo da própria Igreja, que recebe a missa antes da procissão.